O que lembro, tenho (Grande sertão: veredas) | Renato Alessandro dos Santos | Digestivo Cultural

busca | avançada
75396 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Vera Holtz abre programação de julho do Teatro Nova Iguaçu Petrobras com a premiada peça “Ficções”
>>> “As Artimanhas de Molière” volta aos palcos na Cidade das Artes (RJ)
>>> Com Patricya Travassos e Eduardo Moscovis, “DUETOS” volta ao RJ
>>> “Sonho Encantado de Cordel, O Musical” chega ao Teatro Claro Mais SP
>>> Jade Baraldo e Josiel Konrad agitam o Dolores Club, na Lapa (RJ)
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> O Salinger que poucos leram
>>> Cartuns de Michael Jackson
>>> A vida sexual da mulher feia
>>> Isso sim era guerra...
>>> Um olhar sobre Múcio Teixeira
>>> David Lynch em BH
>>> O Código Da Vinci em tela plana
>>> Olhos de raio x
>>> Wilhelm Reich, éter, deus e o diabo (parte I)
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
Mais Recentes
>>> Limites de Roberto Amaral pela Editora Record (1999)
>>> O Relógio Belisário de Jose J. Veiga pela Bertrand Brasil (1999)
>>> O Umbigo Do Anjo de Fernando Pessoa Ferreira pela Editora Record (1998)
>>> Muito Romantico de Toni Brandao pela Gutenberg (2012)
>>> Aprenda A Ser Feliz Com Os Florais De Bach de Mara Paroni E Celso Paroni pela Bach Centre (2008)
>>> O Passado Fará Você Chorar de Chester Himes pela Record (1999)
>>> O Tao Da Negociação de Joel Edelman pela Record (1996)
>>> Romeu E Julieta de William Shakespeare pela Publifolha (1998)
>>> Paulo VI - Construtor de Futuro de Carlo Cremona pela Paulinas (1997)
>>> Transtornos Do Desenvolvimento E Do Comportamento de José Raimundo Facion pela Ibpex (2007)
>>> Livro Quem Canta Seus Males Espanta com Cd + 1 Livro De Brinde de Theodora Maria Mendes pela Caramelo (2017)
>>> Agenda De Sabine de Nick Bantock pela Editoro Marco Zero (1995)
>>> 365 Histórias Para Ler E Sonhar - Uma História Por Dia + 1 Livro De Brinde de Ciranda Cultural pela Ciranda Cultural (2017)
>>> O Iluminado de Stephen King pela Record (1977)
>>> Os Grandes Artistas 8 Volumes de Editora Nova Cultural pela Nova Cultural (1991)
>>> Série Mortal 30 Volumes de Nora Roberts J. D. Robb pela Bertrand (2007)
>>> Filhos do Éden Livros 1 e 2 de Eduardo Spohr pela Verus (2011)
>>> A Batalha do Apocalipse de Eduardo Spohr pela Verus (2011)
>>> Tempo dos Anjos de Anne Rice pela Rocco (2010)
>>> De Amor e Maldade de Anne Rice pela Rocco (2011)
>>> Bruxos e Bruxas 4 Volumes de James Patterson pela Novo Conceito (2013)
>>> Trilogia do Círculo 3 Volumes de Nora Roberts pela Bertrand (2011)
>>> As Calhoun 4 Volumes de Nora Roberts pela Harlequin (2010)
>>> Criatividade E Processos De Criacao de Fayga Ostrower pela Editora Vozes (1987)
>>> Turma Da Mônica Jovem Vol.3 - de Maurício De Sousa pela Panini
COLUNAS

Terça-feira, 20/9/2022
O que lembro, tenho (Grande sertão: veredas)
Renato Alessandro dos Santos
+ de 6200 Acessos

Neste intervalo entre a partida e a chegada, com essa correria de um lado a outro, a travessia que faz acontecer a vida – “a gente está aqui pra isso”, diria Jô Soares – é recompensada quando a bandeirada, ao final, traz alguma coisa boa como prenda, galardão ou “dáv’diva”. Compreender melhor as coisas e as pessoas, por exemplo.

Raciocinei isso com compadre meu Quelemém, e ele duvidou com a cabeça! ― Riobaldo, a colheita é comum, mas o capinar é sozinho... ― ciente me respondeu.

O sertão é, como a vida, símbolo de que, ao se conhecer melhor o mundo, conhece-se melhor a si mesmo. O através não é fácil; da obra que estabelece o ponto mais alto da arte de artesão de Guimarães Rosa, chegar ao derradeiro final é empreitada dedicada, recortada pelo tempo e ajustada à determinação de leitores que pelejam, confiantes em não desistir do caldeirão repleto de tesouro que a prosa sinuosa de Riobaldo, ao fim do arco celeste, como sói à literatura melhor, presenteia àqueles que têm plena consciência de quão necessária é a leitura dessas veredas.

A vida inventa! A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde aí perde o poder de continuação ― porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada.

Palmilhar o Grande sertão significa desafiar o que nosotros, os próprios leitores, imaginamos ser tarefa árdua, difícil, complicada, mas, na correnteza, trata-se mesmo é de entregar-se à oferta especial de algo sublime, experimental e valioso, contido na linguagem que traz, no plano da expressão, o emprego de novas palavras em novas estruturas, como um passarinho capaz de viajar de costas mirando acima de si o firmamento infinito, que esbanja aquele azul estourado onde as nuvens formam sílabas inexatas, mas repletas de formas que aguçam a curiosidade de quem as vê. Passarinhãozinho.

Medito como aos poucos e poucos um passarinho maior ia cantando esperto e chamando outros e outros, para a lida deles, que se semêlha trabalho. Me passavam inveja, de como devia de ser o ninho que fizessem ― tão reduzido em artinha, mas modo mandado cabido, com o aos-fins-e-fatos.

E quem nos carrega é Riobaldo, do alto de sua visão de poeta-jagunço. É ele que começa rasteiro, vaqueiro a rodear os quatro cantos, cobra voadeira, até tornar-se Tatarana, afiançado por sua precisa mira, e, em seguida, CEO da jagunçada, o Urutu-Branco adiante do bando. O professor. Sua maneira de narrar, serpeante, peculiar, afasta e aproxima os leitores, que, da conversa entre o personagem-narrador e seu interlocutor, se achegam, aguçando os sentidos, para, nas entrelinhas dessa prosa, enxergar alguma mensagem que vai subentendida.

Demorei que ele mesmo por si pudesse pôr explicação. E foi ele disse: ― Por vingar a morte de Joca Ramiro, vou, e vou e faço, consoante devo. Só, e Deus que me passe por esta, que indo vou não com meu coração que bate agora presente, mas com o coração de tempo passado... E digo...

Riobaldo encontra Reinaldo que, mais tarde, será Diadorim e, mais tarde, bem mais tarde, será uma surpresa ao próprio Riobaldo e, decerto, a seu interlocutor – “decerto” porque este apenas ouve, sem nunca dizer nada, enquanto, sobre os ombros do Tatarana, para ver melhor (e mais longe), vamos nós, os anões dos sertões.

Ao perto de mim, minhas armas. Com aquelas, reluzentes nos canos, de cuidadas tão bem, eu mandava a morte em outros, com a distância de tantas braças. Como é que, dum mesmo jeito, se podia mandar o amor?

Do lado de fora do romance Grande sertão: veredas, do ponto de vista de quem o lê, com a visibilidade e a fortuna crítica que a obra tem, todo mundo já sabe a respeito do sexo biológico de Diadorim, mas – do lado de dentro, lá onde as orações entrelaçam-se feito cipós semânticos – quando a descoberta chega, permeada de páginas e páginas de leitura muitas vezes vagarosa, como em certos trechos em que o terreno mostra-se incomunicável aos cascos cansados dos cavalos, ela – a revelação – chega mortificante, embalada nos presságios que, tristemente, nos levaram até ali. Estupefatos, todos, ficamos, porque não poderia ser outra a reação. E, nessa hora, já estamos perto do fim, com Diadorim recém-saíd@ do meio do redemunho. Vêm mais algumas páginas e... The End. Mas o que fica entre a primeira e a última página de Grande sertão: veredas?

― ...Mas, porém, quando isto tudo findar, Diá, Di, então, quando eu casar, tu deve de vir viver em companhia com a gente, numa fazenda, em boa beira do Urucúia... O Urucúia, perto da barra, também tem belas crôas de areia, e ilhas que forma, com verdes árvores debruçadas. E a lá se dão os pássaros: de todos os mesmos prazentes pássaros do Rio das Velhas, da saudade ― jaburú e galinhol e garça-branca, a garça-rosada que repassa em extensos no ar, feito vestido de mulher... E o manuelzinho-da-crôa, que pisa e se desempenha tão catita ― o manuelzinho não é mesmo de todos o passarinho lindo de mais amor?...

Fica essa tentativa de ser pôr, em letrinhas, a própria transmudação do que é a vida, em sua grandeza, em sua essência. O sertão é o diabo? O sertão é a própria vida? O sertão é a vida?! É? Escorrendo pelas mãos, ela nos leva, em rebuliço, enquanto se busca desesperadamente escapulir do perigo, para, se tudo correr bem, deixar-se ficar ali, embaixo de alguma árvore, à sombra, perpetuando-se em flor, vicejando em demasia, ininterruptamente, feito uma alegria repentina que surge, sabe-se lá bem de onde, sabe-se lá bem por quê.

Amável o senhor me ouviu, minha ideia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não? O senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é homem humano. Travessia.

E o que fica, enfim, é a representação dessa peleja toda, dessa lida, manifesta em experiência, na forma de um romance: seja a experimental linguagem salpicada de centelhas – cheia de neologismos carregados de melodia –, seja a vida em si, emoldurada em palavras que se querem evadir de si mesmas – com mil demãos de sentidos novos & em moto-contínuo.

Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados.

Trouxeste a jacuba, leitor, a fim de, bem alimentado, atravessar este universo onde o Diabo espera por você, no meio do redemunho?

Até que, nisso, alguém se riu de mim, como que escutei. O que era um riso escondido, tão exato em mim, como o meu mesmo, atabafado. Donde desconfiei. Não pensei no que não queria pensar; e certifiquei que isso era ideia falsa próxima; e, então, eu ia denunciar nome, dar a cita! ...Satanão! Sujo!... e dele disse somentes ― S... ― Sertão... Sertão...

Nota do Editor
Leia também o "Especial Guimarães Rosa".


Renato Alessandro dos Santos
Batatais, 20/9/2022

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Houston, we have a problem de Renato Alessandro dos Santos
02. A lei da palmada: entre tapas e beijos de Débora Carvalho
03. Livros no Google de Wellington Machado
04. O desempenho da China no desenvolvimento de costas de Vicente Escudero
05. O que aprender com Ian McEwan de Tais Laporta


Mais Renato Alessandro dos Santos
Mais Acessadas de Renato Alessandro dos Santos em 2022
01. Quem vem lá? - 28/6/2022
02. Lá onde brotam grandes autores da literatura - 26/4/2022
03. Eu, o insular Napumoceno - 15/2/2022
04. O que lembro, tenho (Grande sertão: veredas) - 20/9/2022
05. Aonde foi parar a voz da nossa geração? - 8/2/2022


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Lord Arthur Savile`s Crime and Other Stories
Oscar Wilde
Oxford
(2014)



Almanaque de Vida Infantil 1952
Diversos autores
Vida Domestica
(1952)



Um Coração Ardente
John Bevere
Dynamus
(2002)



Assassins Creed Renascenca 602
Oliver Bowden
Galera Record
(2013)



é Possivel Superar a Violencia na Escola?
Luciene Regina Paulino Tognetta / Telma Pileggi vi
Do Brasil
(2012)



Yom Hashuoa - Holocaust Day
Ben Abraham
Sherit Hapleita
(1988)



O Caderno de Michelangelo
Paul Christopher
Rocco
(2006)



Livro Química Segundo Grau Volume Três
Ricardo Feltre
Moderna
(1977)



A Memória De Uma Amizade Eterna
Gail Caldwell
Globo
(2011)



Residências Inteligentes
Caio Augustus Morais Bolzani
Livraria da Física
(2004)





busca | avançada
75396 visitas/dia
1,7 milhão/mês