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Quinta-feira, 13/10/2022
Endereços antigos, enganos atuais
Elisa Andrade Buzzo
+ de 6800 Acessos

Caminho devagar pela avenida que nunca soube quais árvores ladeavam. Plátanos não eram, embora a princípio, de longe, parecessem; uniformemente verdes na primavera, secamente castanhos no inverno. Olhando assim de perto, ou seja, fora da imaginação, o resultado dos intentos é outro. As lojas já são todas diversas das de outrora, Sonia Rykiel est morte; os prédios são os mesmos, mas alguns deles tiveram suas entradas ou seus moradores alterados. Na arquitetura dura de pedra clara, a constância de uma riqueza repleta de sujidade e dor. Mas como, se os raios que se refletem destas fachadas de séculos atrás têm uma luminosidade tão amenamente dourada, que torna nossos rostos halos gloriosos como de santos ou iluminados? Mas como será possível haver tanta paz e uma sonoridade repleta de grandes silêncios nesta cidade, se o bonde desliza azul e plácido como um veio apenas de rio espelhado, essa fornida centopeia animada - enfim tudo fora perdoado pela distância e pelo desaparecimento dos nobres comerciantes daquele porto?

Por dentro, o som azedo das ambulâncias e da polícia, o prédio em frente com cada um de seus grandes apartamentos decorados em quadros campestres europeus, arte moderna, ou esculturas de arte africana, e o tempo escorrendo pelas janelas nas célebres garoas de La Belle endormie. Nas escadas circulares e estreitas, não calcava o chão, antes resvalava, e me deixava levar no embalo dos degraus há centenas de anos repisados.

Por fora da memória, ando pelas ruas como uma autômata, sem mapas, teleguiada por uma consciência funda e opaca, que encontra distraidamente tudo o que quer: esquinas, ruas, museus, parques, portas, arcos, relógios, monumentos, igrejas. Tudo alcanço nos desencontros e percalços pelas longas caminhadas, na desenvoltura inapropriada com que tento imprimir surpresa e calma. Coloco-me defronte ao apartamento onde morei. Antes, procuro-o; e na dúvida entre os edifícios um tanto parecidos, busco a numeração, que não se engana. Alguém abre uma janela, e um homem sem camisa se torna visível no pequeno balcão. Reparo que é exatamente o do meu antigo apartamento. Reacendem-se as altas temperaturas do verão. Um buraco negro abre-se.

Estacada, olho fixamente para a janela como se por esse ato pudesse realizar um retorno, consubstanciar algo em aberto, compreender alguma coisa qualquer, ou mesmo reter a possibilidade de algo se concretizar. A loucura de um enredo de filme impossível por vezes nos perpassa, em principal em certos momentos nos quais somos levados por uma emocionante falta de lucidez. O hoje não existe como o agora, talvez, antes como um fosso da memória. Ainda que o passado seja de uma substância inespecífica, concreta é a corporalidade da arquitetura, a materialidade do corpo, entretanto já transformadas pela ação do tempo.

Sexta-feira é uma festa na cidade, e para quem não consegue apreciar a fauna humana circulando, tant pis, o carrossel estará rodando e os copos subindo e sendo sorvidos. Mesmo assim, sento-me num café a poucos metros da antiga casa. O cheiro do cigarro sobe, os atendentes têm um ar blasé, e os que não leem ou escrevem, olham ou conversam.

O mundo passa adiante, em largas escalas humanas. A incidência da luz vai se alterando, em movimento descendente de fecho, ao cair da tarde, na fachada dos grandes edifícios com conjuntos de estátuas e colunatas da place de la Comédie. Nas fotografias futuras, verei uma auréola inundando um rosto fino e alongado. Mas como, se o sentimento é de um amargor estúpido, uma antinatureza em estar em hora errada no lugar certo? Apenas a partir de sua manifestação - deixando-se de compreender como é possível estar dentro de um passado em pleno e doido presente, e de inferir nas restrições que acaso povoam o mundo - apreciar esta tarde em cascatas lentas e louras.


Elisa Andrade Buzzo
Irvine, 13/10/2022

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