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COLUNAS
Terça-feira,
29/10/2002
Numeração de CDs: resta-nos a socialização da arte
Waldemar Pavan
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Terminou no dia 25 de outubro, o prazo para que a opinião pública sugerisse procedimentos ao segundo texto de projeto de decreto que visa regulamentar a numeração de CDs.
O que é mais inusitado é a exigência da numeração de CDs para efeito de controle de exemplares produzidos, comercializados e devolvidos; ou seja: desde quando é preciso numerar ou codificar por barras para se realizar o inventário fisico e relatórios do desenvolvimento comercial de um produto?
Neste meio de campo, artistas e representantes de gravadoras embolaram-se todos. Do lado do artista, o desconhecimento dos processos de controle empresarial; do outro, os representantes da indústria do disco, alegando com razão, que, além de totalmente ineficiente, o método de controle via numeração encareceria o preço final do CD ao consumidor.
Afinal, o que querem os artistas? Muito simples e coerente: querem acesso aos relatórios de vendas e estoques de suas obras - tal qual o correntista que recebe o extrato individualizado de sua movimentação bancária.
Ao correntista do banco não interessa saber se as notas ali depositadas terão identica numeração de depósito no momento do resgate: interessa saber apenas se o estoque de grana em sua conta corrente está exato e disponível.
Todas as indústrias do mundo controlam e relatam fisicamente seus estoques, desprezando a numeração de peças sugerida pela classe artistica brasileira. Se numerar implicasse em alguma viabilidade, facilidade ou diminuição de custos, certamente o controle por numeração já teria sido adotado por todas as empresas.
Em alguns segmentos industriais, tais como o de medicamentos e de alimentos, o controle de lote é apenas para efeito externo: caso algum lote apresente alguma variação de padrão, a numeração serve para localizar a entrada do componente inadequado; jamais a numeração de controle de lote serviu, nesses casos, para realizar-se o inventário fisico de estoques decorrente da contagem.
As gravadoras, também a exemplo de qualquer indústria do mundo, já possuem toda a contabilidade de vendas e estoques individualizados. No caso por artista/CD, o que deveria ser regulamentado por lei seria o fornecimento periódico aos mesmos de extratos individualizados e padronizados sobre a sua movimentação de vendas.
Descartada a proposta inicial de numeração, não imagino por que cargas d'água chegou-se a conclusão que o controle realizado por código de barras, no posto de venda ao consumidor, resolveria o problema.
O controle de vendas sugerido por código de barras é, sem dúvida, uma benesse da tecnologia; no entanto, sua viabilização na loja de CDs já é uma outra conversa que envolve compra de equipamento, software, implantação, treinamento de pessoal e adequação ao novo procedimento. Tudo isso tem custo bastante elevado ao lojista que trabalha com pequena margem de lucratividade; não traz e não agrega valor algum a atividade-fim do lojista, e menos ainda ao consumidor (muito pelo contrário).
Hoje, as pequenas lojas de CD disputam o mercado com os piratas e grandes magazines. Obrigar-lhes a todas essas despesas decorrentes da necessidade dos artistas controlarem as vendas de suas obras é uma grande sacanagem com o lojista, que deverá amortizar o custo do investimento na carcaça do consumidor e, por tabela, grande sacanagem com o consumidor também.
Como o lojista amortizará este custo? Diluindo parcialmente o investimento em equipamentos e serviços em cada CD vendido ao consumidor final.
Ou seja: haverá o custo já alegado pela indústria em relação ao processo de codificação por barras, mais o custo das aquisições de produtos e serviços referentes ao controle por código de barras a ser efetuado por lojistas (processos de saída já inócuos) - só vocacionados a encarecer o preço final do CD ao consumidor.
Pergunto mais uma vez: por que atribuir desnecessariamente esses custos ao consumidor se todos esses controles de inventário de estoques e vendas já existem obrigatóriamente na gravadora, na fábrica de CDs e na fábrica de encartes?
A gravadora abre uma ordem de produção numerada (própria ou através de terceiros); a fabricação de CDs e encartes que encerra também está emitindo nota fiscal numerada - cada uma com uma ou mais entradas, que serão somadas no estoque de venda da gravadora/artista/titulo.
A cada venda ao atacado, é emitida uma nota fiscal numerada que abate a quantidade vendida do estoque da gravadora; e cada devolução é somada como entrada no estoque, via nota fiscal de devolução (também numerada).
Todos esses procedimentos são de origem fiscal, portanto obrigatórios, numerados mecânicamente e passíveis de serem consistidos.
Da ordem de produção à nota fiscal de devolução, são essas as numerações e respectivas quantidades que norteiam os trabalhos das fiscalizações estaduais e federal - o que indica que deve haver exatidão nestes números.
Um resumo individualizado e periódico em forma de relatório, sobre as movimentações de estoques, vendas e devoluções, atenderia satisfatóriamente à demanda por informações da classe musical e representaria custo zero à indústria, ao lojista e ao consumidor de CDs.
Caso houvesse dúvida sobre a legitimidade dos números o fornecimento de um relatório detalhado, ao invés de um resumido, resolver-se-ia por completo esta questão.
Gravadoras e artistas já atormentaram por demais a opinião pública e o consumidor com essa inadequada ladainha. Bom-senso e respeito ao dinheiro do consumidor não engordam e não fazem mal a ninguém. Basta de procedimentos cartoriais (já não bastassem os da praxe, agora temos também que sermos coniventes e pagar pelo procedimento cartorial de verificação inventarial da classe artistico-musical?).
Calma aí com o andor, gente: artistas e gravadoras tem mais é que se unir para tentar desesperadamente reduzir o preço ao consumidor de seus produtos musicais que estão demasiadamente caros. Preços maiores induzirão o consumidor ao camelô e à compra cooperativada; ou seja: reune-se os amigos, dividem-se o custos de aquisição, reprodução e cópias de encartes e todo mundo fica feliz pelo CD baratinho e menos pobre em cooperativar seus CDs (socialização da arte, conforme pregava a cartilha do programa cultural de um dos candidatos à presidência, que tal? Eu achei liiindo esse negócio de socializar a arte).
Prest'tenção.
Waldemar Pavan
São Paulo,
29/10/2002
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