A solidão povoada de Raduan | Pedro Maciel

busca | avançada
62021 visitas/dia
2,0 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Lenna Baheule ministra atividades gratuitas no Sesc Bom Retiro
>>> “Carvão”, novo espetáculo da Cia. Sansacroma, estreia no Sesc Consolação
>>> “Itália Brutalista: a arte do concreto”
>>> “Diversos Cervantes 2025”
>>> Francisco Morato ganha livro inédito com contos inspirados na cidade
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Information Society e o destino da mídia
>>> Horowitz na Casa Branca (1978)
>>> Calligaris, o fenômeno
>>> Aflições de um jovem escritor
>>> Noturno para os notívagos
>>> As garotas do Carlão
>>> Cuba e O Direito de Amar (3)
>>> Sempre procurei a harmonia
>>> Vamos pensar: duas coisas sobre home office
>>> Men in Black II
Mais Recentes
>>> Mega Teen - Missão Amar de John D. Barnett pela CristãEvangelica (2007)
>>> A Risada Do Saci (contos De Espantar Meninos) de Regina Chamlian pela Editora Atica (1998)
>>> Um Apólogo. Machado De Assis de Machado De Assis pela Dcl (2003)
>>> Nanquim - Memorias De Um Cachorro Da Pet Terapia de Helena Gomes pela Paulinas (2008)
>>> Mais Um Pequeno Manual De Monstros Caseiros de Stanislav Marijanovic pela Companhia Das Letrinhas (2007)
>>> Clementine in the Kitchen de Samuel Chamberlain pela Phineas Beck (1963)
>>> Uma Ponte Para A Eternidade de Terezinha B. Penteado pela Aliança (2014)
>>> O Livro Dos Espíritos de Allan Kardec pela Lake (2013)
>>> Assassination Classroom 19 de Yusei Matsui pela Panini (2017)
>>> Hellsing Especial - Volume 10 de Kohta Irano pela Jbc (2016)
>>> Ninguém E Igual A Ninguém de Regina Rennnó pela Editora Do Brasil (2023)
>>> Assassination Classroom No 2 de Yusei Matsui pela Panini (2015)
>>> Dai Nippon de Wenceslau De Moraes pela Nordica (1993)
>>> Walt Disney Um Século de Sonho Volume III de Ginha Nader pela Senac (2001)
>>> Os Padrões Evangelicos de Paulo Alves Godoy pela Feesp (2000)
>>> Nina e o Tubarão de Cláudia Prosini e Thiago Lyra pela Do autor (2021)
>>> Como Capturar Um Unicórnio de Adam Wallace pela On line (2023)
>>> Desligue E Abra de Ilan Brenmam pela Moderna (2022)
>>> Gramática - Texto : Análise E Construção De Sentido - Vol. Único de Maria Luiza M. Abaurre E Marcela Pontara pela Moderna (2006)
>>> Matemática Bianchini - 8º Ano de Bianchinni pela Moderna (2015)
>>> Aprendendo A Conviver - Ciências - 9º Ano de Martha Reis pela Editora do Brasil (2019)
>>> O Menino, O Dinheiro, E A Formigarra de Reinaldo Domingos pela Dsop (2011)
>>> The Painting Of Modern Life: Paris in the art of Manet and his flowers de T. J. Clark pela Thames & Hudson (1985)
>>> Aprendendo a conviver Ciências - 7º Ano - Ensino fundamental II de Martha Reis pela Editora do Brasil (2019)
>>> Aprendendo a conviver Ciências - 6º Ano - Ensino fundamental II de Martha Reis pela Editora Do Brasil (2019)
ENSAIOS

Segunda-feira, 27/12/2004
A solidão povoada de Raduan
Pedro Maciel
+ de 6300 Acessos
+ 2 Comentário(s)

"Cada um está só no coração da terra
Transpassado por um raio de sol
E de repente é noite"

(Quasimodo)

Raduan Nassar, autor de Lavoura Arcaica, Um copo de cólera e Menina a caminho afastou-se definitivamente da literatura. "Desisti de escrever porque há um excesso de verdade no mundo" (Otto Rank). Talvez essa afirmação esclareça o motivo do afastamento de Raduan Nassar da literatura.

Segundo Nassar, o que o levou a escrever e depois parar foi a paixão pela literatura, que ele não sabe como começa essa paixão e porque acaba. O silêncio é definitivo para o escritor, como se o silêncio o tivesse elegido. Provavelmente o escritor viva sob um tempo espelhado em signos fecundos e assombrados. Tasso diz que "em seus tormentos, o homem fica mudo; mas um deus me concedeu o dom de exprimir o que sofro".

Nassar, filho de imigrantes libaneses, nascido em 1935, estudou direito, filosofia e exerceu o jornalismo como diretor do Jornal do Bairro (SP) nos anos 70. Desencantou-se com a imprensa de uma maneira geral. Hoje ele planta feijão e milho de pipoca numa fazenda do interior paulista. Raduan, um dos escritores mais notáveis surgidos no país depois de Guimarães Rosa e Clarice Lispector, também se recusa a dar entrevistas, afinal, diz o escritor, "sou apenas um escritor passageiro".

É curioso notar em Raduan o seu isolamento em relação ao mundo literário. Ao recusar-se a falar com a imprensa, como Dalton Trevisan ou Rubem Fonseca, Nassar mostra-se como alguém que cultiva a mais espetacular vaidade, digna daqueles que se expõem exageradamente.

A relutância do escritor em não conceder entrevista inspirou-me a seguinte frase: "Penso, logo desisto". Ele riu à vontade do aforismo, riu como um monge do mosteiro. Aliás, Raduan parece um bispo de alguma igreja do interior do Brasil, os cabelos grisalhos e desarrumados, os gestos contidos, breves, a estatura baixa, fala mansa, sempre a olhar nos olhos do interlocutor, atento para ditar velhos ensinamentos bíblicos: "Nunca diga nunca".

Ao encontrá-lo, me lembrei do romance Lavoura arcaica, que resgata a tradição cristã e a proibição do incesto, o patriarcado e a obrigação do trabalho. Os temas característicos do romance são os da tradição mediterrânea, como a terra, a plantação, a colheita, a mesa e a família. É uma parábola do filho pródigo, sem final feliz. Narrativa trágica, bíblica e helênica.

Raduan é um ser trágico, desiludido, desesperançado, atormentado como o narrador-personagem da novela Um copo de cólera que vive um amor irreconciliável, perturbador e erótico. Uma paixão devastadora. Os amantes tentam a todo instante abater um ao outro. Vivem um amor tumultuado, fazendo do dia-a-dia uma guerra existencial, filosófica e política. A novela foi construída a partir da sensualidade e da explosão verbal dos personagens; os dois estão diante do abismo das desrazões, motivo dos amores e paixões sem rumos; amores desenfreados, embriagados de um tempo desconhecido, onde eles respiram a energia violenta de uma miserável aventura. É o ciclo do inferno. Salve-se quem puder.

Talvez, ao se isolar do mundo, Raduan tenha se salvado das invejas do círculo literário, mas ao silenciar, o escritor, provavelmente, percebeu que havia se enganado e ai preferiu a ele mesmo. Preferiu desprezar o que sabe, e nunca o que sonha. Silenciou-se para criar vazios, lacunas, e, para instaurar a meditação que recorta o espírito homogêneo da memória. O ideal é esquecer pra lembrar? "Se recordar fosse esquecer (...)".

O silêncio de Raduan é como a encarnação do ser em busca de seu sentido. Para o escritor, os sentimentos dos outros não deveriam nos ser emprestados. Os nossos deveriam nos bastar. A fala de Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa, decifra a filosofia de vida de Raduan: "A gente vive, eu acho, é mesmo para se desiludir e desmisturar". Talvez a verdadeira vida seja aquela que se encontra ausente do mundo.

Trechos
(...) já foi o tempo em que via a convivência como viável, só exigindo deste bem comum, piedosamente, o meu quinhão, já foi o tempo em que consentia num contrato, deixando muitas coisas de fora sem ceder contudo no que me era vital, já foi o tempo em que reconhecia a existência escandalosa de imaginados valores, coluna vertebral de toda 'ordem'; mas não tive sequer o sopro necessário, e, negado o respiro, me foi imposto o sufoco; é esta consciência que me libera, é ela hoje que me empurra, são outras agora minhas preocupações, é hoje outro o meu universo de problemas; num mundo estapafúrdio – definitivamente fora de foco – cedo ou tarde tudo acaba se reduzindo a um ponto de vista, e você que vive paparicando as ciências humanas, nem suspeita que paparica uma piada: impossível ordenar o mundo dos valores, ninguém arruma a casa do capeta; me recuso pois a pensar naquilo em que não mais acredito, seja o amor, a amizade, a família, a igreja, a humanidade; me lixo com tudo isso! me apavora ainda a existência, mas não tenho medo de ficar sozinho, foi conscientemente que escolhi o exílio, me bastando hoje o cinismo dos grandes indiferentes (...)"
(Um copo de cólera, págs. 54-55)

"Na modorra das tardes vadias na fazenda, era num sítio lá do bosque que eu escapava aos olhos apreensivos da família; amainava a febre dos meus pés na terra úmida, cobri meu corpo de folhas e, deitado à sombra, eu dormia na postura quieta de uma planta enferma vergada ao peso de um botão vermelho; não eram duentes aqueles troncos todos ao meu redor, velando em silêncio e cheios de paciência meu sono adolescente? que urnas tão antigas eram essas liberando as vozes protetoras que me chamavam da varanda? de que adiantavam aqueles gritos, se mensageiros mais velozes, mais ativos, montavam melhor o vento, corrompendo os fios da atmosfera? (meu sono, quando maduro, seria colhido com a volúpia religiosa com que se colhe um pomo)".
(Lavoura arcaica, págs. 13-14)


Pedro Maciel
Belo Horizonte, 27/12/2004
Quem leu este, também leu esse(s):
01. Sartre e a idade da razão de Beatriz Resende


Mais Pedro Maciel
Mais Acessados de Pedro Maciel
01. Italo Calvino: descobridor do fantástico no real - 8/9/2003
02. A arte como destino do ser - 20/5/2002
03. Antônio Cícero: música e poesia - 9/2/2004
04. Imagens do Grande Sertão de Guimarães Rosa - 14/7/2003
05. Nadja, o romance onírico surreal - 10/3/2003


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
1/1/2005
20h14min
Não sei se procede a afirmação, mas certa vez ouvi que Nassar largou a literatura "porque estava em outra". Seja como for, me dá a impressão de que foi melhor assim: melhor que escrever algo que fosse bem inferior a "Lavoura Arcaica" (ao meu ver, os contos e "Um copo..." são bem menores). Se é por vaidade, continua a escrever e antes de morrer manda queimar os escritos (uma situação bem de Kafka); se é porque a essência acabou, resta ficar com o publicado. Há algo de herético num escritor fantástico que preferiu silenciar, não é?
[Leia outros Comentários de Fernando Randau]
18/2/2005
18h09min
São tão intrigantes, os campos de idéias desse escritor, o tratamento que a vida lhe deu e então o seu silêncio. A hipótese que me vem rodeiam certas interrogações sobre ele: No momento em que nega uma disposição com o outro, expressa que não a quer de ninguém? Quando não escreve mais, não acredita mais no homem? Se não acredita mais no homem, é pq se conheceu de tal forma que julga que não há um porquê? A existencia não é um risco? Se não se sente uma energia extraordinária em algum momento que faça tudo valer a pena, no que se apoiar quando se está boiando no esgoto? Se há a lembrança dessa energia, por que não desejar que ela continue a existir, mesmo que não todo o tempo, e sinta que existe algo pelo que se empenhar, caminhar, correr e por que não dançar? Não acho que Raduan parou de escrever por que há um excesso de verdade no mundo, mas talvez não tenha encontrado (no sentido mais profundo de encontro) mais motivação e sentido para sua energia criadora, para qualquer crença que o inspire, que passem pelo seu crivo individual. Acho que suas obras foram gritos desafogados de si e pensando que "o escritor escreve-se para que o leitor se leia" o corte dessa "comunicação" foi por uma distância incalculável que se deu.
[Leia outros Comentários de beatriz]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Tenha um Coração Saudável Com Apenas 30 Minutos por Dia
Seleções do Readers Digest
Readers Digest
(2006)



Geographies of global change: Remapping the world in the late twentieth century
R. J. Johnston; Peter J. Taylor; Michael J. Watts
Blackwell
(1996)



Economia Internacional
Edgar Câncido do Carmo/jefferson Mariano
Saraiva
(2010)



Agribusiness Brasileiro: a História
Rogério Furtado
Evoluir
(2002)



A Reengenharia do Estado Brasileiro
Hamilton Dias de Souza
Revista dos Tribunais
(1995)



Hotel Savoy
Joseph Roth
Estação Liberdade
(2013)



Gestão Como Doença Social
Vincent de Gaulejac
Ideias E Letras
(2007)



A Presença do Espírito de Minas - A UFMG e o Desenvolvimento de Minas Gerais
Joao Antonio de Paula
Incipit



Livro Literatura Estrangeira O Processo Biblioteca Folha 17
Franz Kafka
Biblioteca Folha



Arquivologia Sua Trajetória no Brasil
Astréa de Moraes e Castro
Stilo
(2008)





busca | avançada
62021 visitas/dia
2,0 milhões/mês