Francisco Alves, o esquecido rei da voz | Luís Antônio Giron

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ENSAIOS

Segunda-feira, 5/8/2002
Francisco Alves, o esquecido rei da voz
Luís Antônio Giron
+ de 14400 Acessos

O Brasil não foi talhado para a tragédia por causa da amnésia pública. Francisco Alves (1898-1952) poderia ter sido a versão praiana de Carlos Gardel, um herói trágico e controverso, cultuado como símbolo pátrio. Não que não tenha sido encarado assim por algum tempo. Durante anos depois de sua morte, num violento acidente automobilístico na Via Dutra em que seu corpo praticamente se desmaterializou, tornou-se uma religião aparentada do xintoísmo. Virou tema de filme e radionovela. Sua vida não foi um, mas três livros abertos, e publicados. Ele próprio se encarregou de ditar três autobiografias, nas quais se autofolhetinizou como menino pobre que, à força de trabalho e talento, alcançou a glória e a eternidade. Era a figura mais presente do meio artístico na vida cotidiana dos ouvintes de rádio e discos. De repente, um cadáver sem cabeça, quase uma abstração, punha o sinistro no ar. Dele, restou a tessitura de barítono, entoando a marcha carnavalesca "Confete" (David Nasser-Jota Júnior), sucesso do carnaval passado. Seu enterro, em 28 de setembro de 1952, carregou cerca de 500 mil pessoas, segundo estimativa da época, em cortejo pelas ruas do Rio de Janeiro, a repetir o samba-canção "Adeus - Cinco Letras que Choram" (Silvino Neto), êxito de 1947. Hoje, o cantor está depositado no museu de cera da música popular, empastelado pelos juízos que exaltam o pianíssimo como se este constituísse, sozinho, uma ética.

Calhou de a história da MPB ser marcada pelo diminuendo, dos trovões operísticos da era mecânica ao cantochão de João Gilberto. Poucos se lembrarão de celebrar o centenário do nascimento e os oitenta de carreira de Chico Alves. Assim como quase ninguém notaria os 90 anos de um rival, Sylvio Caldas, morto de complicações cardíacas decorrentes de depressão e anorexia. Se a moda faz papel de senhora do gosto, não parece apropriado reconsiderar a herança dessa espécie de artista. Vozes impostadas e brilhantes não encontram mais abrigo. Mas, talvez, o momento exato de revisão seja este que o distanciamento e a ausência de culto impõem.

Chico Alves, o "rei da voz" (título inventado pelo locutor César Ladeira em 1933), o Chico Viola do selo vermelho da Parlophon (1928-1931) foi o cantor mais popular do Brasil ao longo de uma carreira de 34 anos, durante a qual experimentou poucos momentos de insucesso. Lançou e enterrou intérpretes, descobriu compositores e colaborou efetivamente para a definição do produto musical brasileiro. Segundo os levantamentos mais recentes por pesquisadores da obra do cantor, sua discografia atinge 1.173 fonogramas, considerados os discos mecânicos e elétricos lançado por seis selos entre 1920 e 1952 e os acetatos da Rádio Nacional, em poder da Editora Collector's. Lançou comercialmente 524 discos (983 composições), em que abordou todos os gêneros da época, do samba ao tango, do foxtrote ao cateretê. Desde o princípio, impressionou pela potência vocal. Era tenor, mas a voz aos poucos foi escurecendo para o barítono. O estilo de interpretação que forjou era enfático, mas sem os arroubos de bel canto de seu ídolo, o tenor Vicente Celestino, a quem imitava. Depurou um estilo e fundou uma linhagem. Se no início sustentava um modo gaiato de interpretar, gerado no teatro de revista e na cultura carnavalesca (a fase mais palatável para o gosto atual), consolidou o padrão do intérprete romântico, enfatizando o samba-canção, a seresta e a valsa.

A música foi para ele "um vício, uma doença", conforme declarou na última biografia, elaborada pelo jornalista e parceiro David Nasser como uma série de reportagens publicadas na revista O Cruzeiro, em 1951, e publicada em livro em 1966 com o título de Chico Viola. Música não lhe significou apenas um meio de galgar postos sociais, mas uma forma integral de vida. Era perfeccionista e se referia com ironia aos colegas que não seguiram a carreira dentro do profissionalismo. Chamava Sylvio Caldas de "cigano inveterado, que abandona os melhores contratos do mundo, por uma boa pescaria na Cachoeira Dourada". De Mário Reis, com quem lançou 24 músicas entre 1931 e 1933 –gravadas na cúpula do Teatro Phoenix, então estúdio da gravadora Odeon– diz no mesmo livro que ele "nunca foi 100% profissional, pois havia sempre um pouco de amador em tudo o que fazia e decidiu seguir a sua vida". Índice de fanatismo pelo dó de peito, despede-se do biógrafo assim: "Dizem que a gente deve saber a hora em que é bom abandonar o palco, mas eu não sei, eu não posso e eu não quero. Bem que eu gostaria, meu caro amigo, de fazer coincidir o último alento de vida com o último agudo de minha garganta".

Excessos de época. Não só a voz, mas a mentalidade do tempo primava pela impostação. O passado e os sentimentos eram fomentados como bactérias saudáveis para o espírito. Conforme observa João Máximo em Noel Rosa, já na primeira autobiografia Minha Vida (1946), confiada ao jornalista Mário Cordeiro, ele Francisco Alves se retratava na forma de personagem de folhetim. O crítico cita um artigo de jornal publicado quando do lançamento do volume, na revista A Voz do Rádio, que resumia o perfil: "Francisco Alves se converteu em verdadeiro herói de filme em série. Era criança incompreendida e mal julgada. Era o estudante irrequieto e inimigo dos livros. Era o amante infeliz não correspondido. Era o operário brioso e trabalhador, mas sempre mal visto pelos superiores".

O estilo das biografias (a segunda, Vida... minha Vida, saiu em 1942 pela editora J.R. de Oliveira) varia, mas o fundamento sentimental e piegas sempre coincide nas três. Francisco de Moraes Alves nasceu na rua da Prainha números 22 e 24 em 19 de agosto de 1898, filho de um português dono de botequim em região perigosa do bairro da Saúde, "reduto proibido à polícia, que evitava as suas incursões aos domínios dos fora-da-lei", como contou a David Nasser. Ainda menino, começou a cantar na rua, em troca de vintém. Apaixonou-se pela primeira professora, Odete, odiou a segunda, Marta, porque disse que Chico era nome de macaco. Em 1916, morando na Vila Isabel, trabalhava numa fábrica de chapéus. À noite, ia de bonde ao teatro S. José assistir às peças com o tenor Vicente Celestino, o ídolo da época. Celestino solava em burletas como O Faquir, com música do maestro José Nunes. Permanecia nas três sessões. Para entrar no teatro, integrava a claque, que aplaudia de acordo com o vaivém do prestígio dos artistas. E Celestino gozava do ápice. Para conseguir o dinheiro para os espetáculos de Celestino, Chico cantava no subúrbio. A fama se espalhou e, em 1918, foi chamado para um teste no Pavilhão do Méier, um circo de sucesso no subúrbio. Aprovado, passou a se apresentar com a irmã, Nair Alves, quando em outubro aconteceu a epidemia da influenza espanhola. O elenco se desfez, muitos morreram, inclusive o pai e o irmão do cantor. Depois da gripe, que matou 8 mil cariocas, segundo notícias da época, Chico foi chamado para cantar no teatro Polytheama Niterói, com colegas do Méier que haviam formado nova companhia. Fazia algum sucesso no circo e nas serenatas de que participava no Rio. Naquele 1919, conheceu o compositor José Barbosa da Silva, o Sinhô (1888-1930), o "rei do samba", que o convidou para gravar para o selo Disco Popular, recém-fundado por João Gonzaga, filho da maestrina Chiquinha Gonzaga. A gravação aconteceu num estúdio improvisado da rua Barão do Bom Retiro. Sinhô se encarregou do ritmo e as sobrinhas de Chico, do coro, com participação de um amigo, Juvenal Fontes. As músicas, todas compostas por Sinhô, foram "Pé de Anjo", "Fala Meu Louro" e "Alivia Esses Olhos". Lançados no início do ano seguinte, os discos foram um fracasso e Chico pensou em voltar para o comércio. Sinhô, no entanto, aconselhou-o a não desistir. "Acho seu material de voz de primeira, Chico", disse Sinhô.

Continuou a cantar. Ainda em 1920 se casou com uma prostituta do Mangue, de apelido Ceci, para logo se separar. Cantava e trabalhava como motorista de praça. Numa serenata, afirma ter topado na rua com um rapaz que o convidou para trabalhar no teatro S. José. Era José Segreto, um dos proprietários da companhia onde já trabalhava a irmã do cantor, Nair Alves (talvez a autora do encontro casual). Vale a pena enfocar esse período, já que ele definiu a personalidade artística do futuro astro. A temporada do teatro havia começado curiosamente com peças cujos títulos eram tirados de duas das músicas que havia gravado no ano anterior: "O Pé de Anjo" e "Quem é Bom Já Nasce Feito" (verso de "Fala Meu Louro"). Na caixa do teatro, foi testado pelo diretor artístico da companhia, Izidro Nunes. Ouviu duas canções e profetizou: "O Brasil ouvirá falar de você, Chico". A estréia ocorreu a 12 de janeiro de 1920, na revista carnavalesca Reco-Reco, da dupla Carlos Bittencourt e Cardoso de Menezes, com música do maestro Bento Mossurunga. Chico contracenou com a também estreante Pepa Ruiz e desempenhou alguns números carnavalescos em cenas de rancho. A figura central era a estrela Ottilia Amorim ("de rara beleza", lembrou Chico), que interpretava a porta-estandarte Florzinha. Chico passou despercebido, pois o sucesso da peça era o samba "Melindrosa e Almofadinha", por Ottilia e Pedro Dias, dançarinos e atores cômicos de renome. No período, Nair Alves tinha mais cartaz. Ganhou muito destaque nos jornais em 1922, ao voltar de uma excursão para retomar o posto no S.José. Demorou algum tempo para os números de Chico serem notados. Celestino havia trocado o S.José pelo S. Pedro em janeiro daquele ano e coube ao estreante substituí-lo nos êxitos da temporada anterior. Sobre esse assunto, tanto a Enciclopédia da Música Popular Brasileira (Art Editora, 1977) como o Panorama da Música Popular Brasileira, de Ary Vasconcelos (Livraria Martins, 1964), erram ao afirmar que o cantor se apresentou "ao lado de Vicente Celestino" no palco do S. José. De fato, pelas informações de Alves em sua biografia a Nasser, cotejadas com as críticas feitas na época por Mário Nunes (40 Anos de Teatro), o cantor novato na realidade substituiu Celestino, que estava trabalhando então para a Grande Companhia Nacional de Operetas e Melodramas, dirigida por Eduardo Vieira, ex-S.José. Cantou com Celestino, a convite deste, nos subúrbios da cidade, por volta de 1922. Não conheceu, conforme a enciclopédia, a atriz Célia Zenatti em 1920 (quando ainda era casado com Ceci), mas sim provavelmente em 1921. Em outubro, depois de uma reforma do teatro, Célia ingressou na companhia de Segreto, agora sem Ottilia. Chico viveria com ela os 28 anos seguintes (trocou-a por volta de 1949 por uma fã, a professora Iracy Alves, que se notabilizou por controlar o fluxo de caixa do cantor até sua morte). A carreira teatral terminou em 1935. Sempre seguindo Nair, Chico e Zélia passaram por diversas companhias. Em 1927, no Chantecler, por exemplo, ele contracenava com a estrela Ottilia Amorim, com enorme sucesso. O repertório que ficaria famoso em breve já estava se formando. Nair Alves cantava "O Que é Nosso", samba de Caninha, que Chico mal havia gravado na Odeon, levado pelo revistógrafo Freire Júnior, autor da letra e da música da canção "Malandrinha". A carreira de cantor se definiu. Chico havia tentado registrar pela mesma gravadora três canções em 1924, sem êxito (os fonogramas se perderam). Mas na nova fase da gravadora, ele cumpria seu destino de lançador de sucessos.

Em agosto de 1927, inaugurou o sistema elétrico de gravações com duas músicas de Duque, o bailarino que lançou o maxixe na Europa em 1915: o samba "Passsarinho do Má" e a marcha "Albertina". A partir de então, aconteceu a vertigem do sucesso e da glória. Lançou dezenas de músicas de Sinhô, Noel Rosa, Ismael Silva e Nilton Bastos, Ary Barroso, Herivelto Martins, Lupicínio Rodrigues e tantos outros. Na época da morte de Sinhô em 1930, o maxixe estava caindo em desuso. Para agradar o público, Chico começou a procurar sambistas nos buracos mais quentes da cidade. Encontrou a mina de ouro no Estácio: um grupo de sambistas que se reunia em torno do bloco Deixa Falar, a primeira escola-de-samba do Rio. Do grupo destacavam-se Ismael Silva, Nilton Bastos, Gradim, Marçal, Bide e Brancura. Eles concordaram em fornecer sambas ao cantor. Chico dividia a autoria em troca da garantia de gravação. Vieram à tona "A Malandragem" (Bide), "Amor de Malandro" e "Se Você Jurar" (Ismael e Nilton), "Samba de Verdade" (provavelmente de Brancura), músicas que reestruturaram o samba para um andamento mais rápido e marcado, diferente do estilo amaxixado praticado por Sinhô e Donga. Era o "samba-padrão", baseado em temática misógina (quem sabe desenvolvida numa manifestação de homossexualidade por parte de alguns dos compositores, como Ismael) e pessimista. Os anos de 1931 a 1933 marcaram o auge do samba-padrão, com Chico dividindo suas melhores gravações com Mário Reis. Mário, grão-fino, abandonou o canto três anos depois. Chico seguiu na profissão, em busca de novos talentos. Em 18 de agosto de 1939, lançou em disco o samba-exaltação "Aquarela do Brasil" (Ary Barroso), pouco antes cantado pela vedeta Aracy Cortes no teatro de revistas.

O teatro musicado caiu, veio a guerra. O padrão de gosto mudava. Chico Alves apostou mais fortemente no samba-canção, na valsa, no tango e nas versões de canções de filmes de Hollywood. Enriqueceu, adquiriu a fama de pão-duro e detrator dos boêmios e alcoólatras. Participou de diversos longas-metragens musicais da Cinédia, o último deles Samba em Berlim, lançado em 1948. De 1936 até sua morte, foi a principal atração do casting da Rádio Nacional, ouvida em todo o Brasil.

Na armação de sua vida profissional, Chico disse ter levado à risca o conselho que lhe deu Sinhô em 1920: "Na sua carreira, moço, que acredito longa e de sucessos, tenha sempre o máximo respeito pelo público. Ele é quem manda. Você será sempre escravo do gosto popular se quiser ter êxito. A máxima correção nos seus acordos, nos seus compromissos. Isto, aos poucos, irá lhe dando a reputação indispensável a qualquer artista".

Para os padrões atuais, comprar sambas e praticar monopólio sonoro não soam como procedimentos lícitos. Mas Chico Alves não fez nada além de observar as práticas do show business de sua época. A compra e a troca faziam parte da cultura da "época de ouro" da MPB (nos termos de Ary Vasconcelos). Sinhô mesmo adquiriu muitos de seus sucessos. Como artista e homem de negócios, Chico sempre deixou claros seus propósitos. Isso acrescido de um temperamento agressivo e incisivo, dado a rompantes, acabou lhe rendendo inimigos eternos. O carisma o fez chefe de uma escola que ainda tem remanescentes na cena musical brasileira. O fato de ser esteticamente ultrapassado não lhe tira o sabor das interpretações cheias de humor dos anos 20 e de drama canastrão dos 40. Há várias fases estéticas na longa trajetória. Mas ouvir Francisco Alves é, nos termos do parceiro Orestes Barbosa em "Samba" (1933), "como um delírio, um narcótico, uma voz que tem cristais e nuances de ocarinas; um gorjeio humano, impressionante e comovedor". Nem o tempo nem o gosto suprime a carga da interpretação que tocou o espírito de um tempo.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Publicado originalmente no "Caderno Fim de Semana" da Gazeta Mercantil, a 13 de fevereiro de 1998.

Post-scriptum
Luís Antônio Giron dá início ao segundo módulo do seu curso de crítica musical, na Escola de Comunicação e Artes da USP, intitulado "A crítica, do diletantismo à maioridade". Essa segunda etapa cobre todo o século XX, desde os primórdios do Modernismo até o jornalismo das décadas de 80 e 90. As incrições estão abertas até o final do mês de agosto e podem ser feitas através dos telefones: 3091-4064 (com Kátia) ou 3091-4089 (com Suely), durante o horário comercial.


Luís Antônio Giron
São Paulo, 5/8/2002
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