A pequena arte do grande ensaio | Daniel Piza

busca | avançada
53025 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Responsabilidade dos planos de saúde na cobertura de tratamentos para autistas
>>> Eunucos [Irmãs Brasil] + Repertório N.3 [Wallace Ferreira e Davi Pontes]
>>> Projeto com concertos gratuitos promove encontro entre obras de Haydn, Mozart e Brahms em outubro
>>> Trajetórias Cruzadas reúne fotografias de Claudia Andujar, Lux Vidal e Maureen Bisilliat
>>> Associação Paulista de Medicina leva orquestra a hospitais de São Paulo
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
Colunistas
Últimos Posts
>>> Mesa do Meio sobre o Primeiro Turno de 2024
>>> MBL sobre Pablo Marçal
>>> Stuhlberger no NomadCast
>>> Marcos Lisboa no Market Makers (2024)
>>> Sergey Brin, do Google, sobre A.I.
>>> Waack sobre a cadeirada
>>> Sultans of Swing por Luiz Caldas
>>> Musk, Moraes e Marçal
>>> Bernstein tocando (e regendo) o 17º de Mozart
>>> Andrej Karpathy no No Priors
Últimos Posts
>>> O jardim da maldade
>>> Cortando despesas
>>> O mais longo dos dias, 80 anos do Dia D
>>> Paes Loureiro, poesia é quando a linguagem sonha
>>> O Cachorro e a maleta
>>> A ESTAGIÁRIA
>>> A insanidade tem regras
>>> Uma coisa não é a outra
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Entrevista com Douglas Diegues
>>> A trilogia da vingança de Park Chan-Wook
>>> Cornos e burros
>>> A Estratégia de Barack Obama, por Libert e Faulk
>>> Dia do Livro!
>>> Ensaio.Hamlet e a arte de se desconstruir quimeras
>>> La desvalorización del hecho
>>> Inspire me
>>> Competição
Mais Recentes
>>> Respostas Aquelas Perguntas de JOnh Mcdowwell pela Candeia (1985)
>>> Vou deixar minha luz brilhar de Aline Caetano Begossi / Diana Leite Chacon pela Arvore da vida (2014)
>>> Til - Texto Integral de Jose De Alencar pela Fisicalbook (2012)
>>> Dicionário Júnior Da Língua Portuguesa de Geraldo Mattos pela Ftd (didaticos) (2005)
>>> Watchman - A Vida Exênctrica E Os Crimes Do Serial Hacker Kevin Poulsen de Jonathan Littman pela Record (1998)
>>> Assassinos: Deixados Para Trás - 6 de Tim Lahaye pela United Press (2001)
>>> Monteiro Lobato Vivo de monteiro Lobato pela Mpm (1986)
>>> Sangue De Tinta de Cornelia Funke pela Companhia das Letras (2010)
>>> Marca: Deixados Para Trás - 8 de Lahaye pela Fisicalbook (2005)
>>> El Gran Capy de Patrícia Iunovich pela Geração Editorial (2017)
>>> Deixados Para Trás. Armagedom - Volume 11 de Vários Autores pela United Press (2003)
>>> Praticando o Enem 2- 600 questões de Ademar Celedonio pela SAS editora (2024)
>>> Desvarios No Brooklyn de Paul Auster pela Companhia das Letras (2005)
>>> A Droga Do Amor de Pedro Bandeira pela Moderna (paradidaticos) (2009)
>>> O Discípulo Da Madrugada de Fábio de Melo pela Planeta (2014)
>>> Primeiro Catecismo Da Doutrina Crista - Volume 1 de Vários Autores pela Vozes Didático (1991)
>>> Ficções Do Interlúdio de Fernando Pessoa pela Companhia das Letras (1998)
>>> Oxford Bookworms 5. Brat Farrar de Joséphine Tey pela Oxford University Press España, S.a. (2009)
>>> Alexandre e Outros Heróis de Graciliano Ramos pela Record (2016)
>>> São Bernardo de Graciliano Ramos pela Record (2009)
>>> Manual Completo De Coaching de André Percia pela Ser Mais (2011)
>>> A Breve Segunda Vida De Bree Tanner de Stephenie Meyer pela Intrínseca (2010)
>>> Ombro Frio de Lynda La Plante pela Record (1999)
>>> Mano Descobre A Arte de Gilberto Dimenstein pela Ática (2010)
>>> Redação Cientifica de Joaƒo Bosco Medeiros pela Atlas (1991)
ENSAIOS

Segunda-feira, 15/4/2002
A pequena arte do grande ensaio
Daniel Piza
+ de 11200 Acessos
+ 2 Comentário(s)

O ensaio, como o próprio nome indica, é uma arte "menor" no sentido de que não tem a pretensão da completude, da transcendência, nem mesmo da panorâmica. No entanto, é um gênero "maior", porque a história da civilização está intensamente ligada ao seu surgimento e amadurecimento. Tanto quanto a perspectiva naturalista do renascimento, a ciência baseada no empirismo ou a polifonia musical, o ensaio marca a virada para a era moderna, para a era em que o homem não só vê a relatividade das coisas, mas vê também que é só ele quem relativiza – que o conhecimento não se encaixa num sistema elaborado pelo homem, pois há muitas coisas maiores do que o homem.

Assim, o ensaio pode parecer ao mesmo tempo um ato de arrogância e um ato de humildade, como toda grande criação artificial. Se pensamos no pai de todos os ensaístas, Michel de Montaigne, podemos ter ambas as reações: eis um homem em seu castelo, enfileirando latinismos, se julgando no direito de dar opinião sobre todos os aspectos da existência humana e social; mas eis também o homem que desmontou as pretensões definidoras e totalizadoras da mente humana, as ilusões finalistas, que apresenta suas reflexões para o leitor em um estado laboratorial, experimental, como se literalmente "ensaiasse" respostas, desprendido de métodos restritos a eleitos. Com Montaigne, o leigo se vê livre para pensar, sem a mediação dos "iluminados".

O que o jornalismo precisa, em especial o jornalismo cultural, mais especialmente ainda o jornalismo literário, é de um retorno a essas origens. Sim, porque, sabendo ou não, cada resenhistazinho de música pop é um filho de Montaigne, um herdeiro do Iluminismo, um tributário de gerações seguidas de ensaísmo brilhante. A crítica cultural nasceu da revolução literária que foi o ensaio. De Montaigne a Robert Hughes, o excelente crítico de arte australiano radicado nos EUA, todo um time de pensadores que na Idade Média estariam criando doutrinas platônicas ou aristotélicas se dedicou ao ensaio, ao texto que tanto confessa sua subjetividade como busca olhar da forma mais desarmada possível para a realidade. A crítica musical de Berlioz ou a crítica de arte de Ruskin são filhas do ensaio renascentista; o jornalismo de Samuel Johnson e William Hazlitt, idem. Mas vou poupá-los de mais exemplos.

O jornalismo cultural contemporâneo parece cada vez mais alheio, ingrato, a essas origens. De um lado, ele se especializou demais; se entupiu de jargões; se deixou seduzir pelas pretensões cientificistas da academia. De outro lado, se reduziu a um comentário binário, do eu gosto/eu não gosto, impressionista demais, ou então uma voz tribal, de gueto, como se vê tanto na música pop – mas se vê também na resenha de livro nos suplementos de fim de semana, em que o objeto é resumido e depois recebe nota qualificadora, sem passagem pela fundamentação, pelo convencimento, pela perspectiva. O jornalismo cultural virou uma espécie de júri de escola de samba.

E para variar os extremos se tocam: o acadêmico que escreve apenas para seus colegas de departamento e o repórter do caderno de variedades que desconhece tudo que é anterior ao seu nascimento são faces da mesma moeda barata – a da submissão à fogueira de vaidades, à fábrica de modismos, às fórmulas pré-estabelecidas. Ou seja, há um afastamento amazônico em relação ao que o ensaio teve de mais transformador: o espírito que é ao mesmo tempo aberto e seletivo, com boa vontade e senso crítico trabalhando simultaneamente. O ensaio nasce precisamente do ceticismo, da dúvida diante do que é apresentado como novo, justamente com a função de detectar aquela novidade que tem poder de permanência, ao menos de pertinência geracional. Você lê hoje uma resenha dessas e não sabe se aquilo que está sendo elogiado tem o fôlego de uma semana ou um século.

Travestido de humilde, esse jornalismo de critérios frouxos cria, no Brasil, um problema adicional: reforça a ideologia da acomodação, a espantosa falta de exigência do cidadão brasileiro. É por isso que é muito difícil traçar linhas de continuidade no jornalismo cultural brasileiro. Para ficar num só exemplo, aquela forma que Otto Maria Carpeaux praticou como ninguém – o ensaio curto e culto, que informa ao mesmo tempo que provoca o pensamento do leitor – hoje parece impraticável na imprensa brasileira, na grande como na pequena, na de massa como na acadêmica.

Recuperar a origem ensaística da crítica cultural na grande imprensa nacional, claro, não é defender um tom professoral, enciclopédico, passado em roupagem erudita para o ignaro público. A realidade é outra hoje. A linguagem tem de ser ainda mais ágil, clara, coloquial, sedutora – tem de ter ginga jornalística, tem de fugir do formato convencional. Acredito, talvez solitariamente, que é possível criar uma linguagem assim e ainda manter uma densidade, uma capacidade de descrever conexões mais sutis e irônicas entre as coisas, de perturbar o senso comum, de dizer muito com pouco sem ser obscuro. E acredito que essa seja uma das formas mais eficientes, na comunicação escrita moderna, de enriquecer literariamente o jornalismo.

Quando se discute a relação entre jornalismo e literatura, por sinal, normalmente se trata – e se reclama – do espaço dedicado aos livros na imprensa ou à publicação de contos e poemas pelos jornais de grande circulação. Mas não se pode esperar que os grandes jornais diários modernos dediquem espaço para o folhetim, como nos tempos de Balzac, ou para contos extensos, como nas revistas culturais. O caminho mais esquecido para a literatura se intrometer na bateria de notícias atuais é essa convivência com certa densidade ensaística, essa convocação ao leitor inteligente, o qual, ao contrário do que dizem os boatos, existe sim.

O jornal ainda é um meio privilegiadíssimo para familiarizar o leitor com o debate de idéias e a riqueza das palavras. Toda vez em que isso ocorre, a origem ensaística do jornalismo reaparece, o fantasma de Montaigne deixa seu castelo e vem despertar as praças. Uma pequena crônica de Luis Fernando Verissimo ou Carlos Heitor Cony pode ser um ensaio breve e disfarçado, assim como um artigo de Marcelo Coelho ou Arnaldo Jabor. Gerardo Mello Mourão, Paulo Francis e Décio Pignatari fizeram colunas no caderno "Ilustrada", da Folha de São Paulo, que eram produtos mais apressados de ensaístas já veteranos. E assim por diante. O que há em comum entre eles? Primeiro, eles estão tentando – estão procurando respostas, estão expondo dúvidas e opiniões para o leitor. Segundo, eles não falam de um assunto só – podem ir da política à ópera, com escalas no congestionamento urbano ou no prazer de caminhar no calçadão de Copacabana.

Precisamos mais disso e precisamos que isso vá além dos espaços fixos das colunas assinadas. Todo grande momento cultural moderno foi também um momento de proliferação de ensaios e resenhas, em revistas que se dirigiam a um público urbano, sofisticado, mas não bitolado em especialidades. No Brasil não existem mais essas revistas e os tablóides como New York Review of Books e Times Literary Supplement, etc. O resultado é um hiato asfixiante entre o academês dos suplementos literários dos grandes jornais – os que ainda sobrevivem – e o picotado ligeiro dos segundos cadernos. Mas o escritor, o intelectual público, é, por natureza, um generalista. Os jornais precisam de mais generalistas para que sejam jornais mais agudos; de mais espíritos ensaístas, de menos porta-vozes adjetivadores. Só assim os jornais serão mais literários, sem serem mais literatos.

Nota do Editor
Este texto foi gentilmente cedido pelo autor. Originalmente concebido como uma palestra (feita no dia 26/3/2002, no III Congresso Nacional de Escritores em Pernambuco), foi diretamente recolhido do próprio site de Daniel Piza.


Daniel Piza
São Paulo, 15/4/2002
Mais Daniel Piza
Mais Acessados de Daniel Piza
01. Arte moderna, 100 anos - 10/9/2007
02. Como Proust mudou minha vida - 15/1/2007
03. Saudades da pintura - 16/5/2005
04. A pequena arte do grande ensaio - 15/4/2002
05. André Mehmari, um perfil - 20/11/2006


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
15/4/2002
18h51min
Acho que justiça deve ser feita ao Digestivo Cultural e aos que aqui “publicam” seus ensaios. Este site é o que Daniel Piza se refere. É um tablóide, porém cibernético, com dois acréscimos: é interativo e de grande alcance. Imaginem Montaigne, esgrimando com seus leitores. Como não apuraria ele seus pontos de vista? E como enriqueceria a sua experiência meditativa ou real, mediante contato com todos os cantos do mundo, fora do claustro de suas solitárias horas à luz de vela? Seus ensaios teriam leitores ávidos por trocar idéias sobre a "Vida", sobre a "Fisiognomia", sobre os “Canibais”, sobre a “Bebedeira”... Toda observação e digestão de fatos diversos a fenômenos sociais ou políticos, transformadas em algum tipo de texto serve o mesmo propósito que o ensaio, seja em sua forma formal, à la Montaigne, seja em forma mais flexível e aberta como há hoje aqui. É a evolução, a dinâmica da escrita. Tirada a questão do molde ou da forma do ensaio, fica a diferença apenas no fato de que os grandes ensaistas consagrados, seja dos “journals”, seja do jornalismo brasileiro ainda não escreveram no DC – até onde eu saiba – mas é somente questão de tempo.
[Leia outros Comentários de Antonio Oliveira]
16/4/2002
10h53min
Caro Daniel, anos atrás trocamos alguns emails (certamente você não se lembrará) e você me contou que o Paulo Francis havia lhe dito: "Sua propria existencia é uma prova de que o Brasil melhorou", acrescentando depois não concordar com ele. Acompanhando seus textos no Estado, lendo esse seu belo ensaio sobre a falta de ensaios, e vendo na pequena imprensa o surgimento de colunistas como a Daniela Sandler, o Alexandre Soares Silva, o Paulo Salles, o Rafael Azevedo (pra citar apenas alguns que escrevem ou já escreveram para o Digestivo), todos eles jovens, inteligentes e talentosos, e pela repercussão que o Digestivo tem alcançado principalmente entre leitores na faixa dos 20 e 30 anos, chego a acreditar - talvez seja um delírio - que o Paulo Francis estava certo. Parabéns e obrigado por continuar nos oferecendo textos a um só tempo simples e sofisticados. Um abraço, Fabio.
[Leia outros Comentários de Fabio]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Direito das Famílias
Cristiano Chaves de Farias- Nelson Rosenvald
Lumen Juris
(2008)



Almanaque Correio do Povo 1972
Sem Autor
Não Consta
(1972)



Livro As Invenções De Navi
Fábio Monteiro.
Do Brasil
(2023)



O Cavalinho e o Velho Camelo
A. P. Fournier
Atica
(1988)



Transforme seu Emprego no Melhor Trabalho do Mundo
Lilit Marcus
Gente
(2012)



Pessoas Na Organização, As
Maria Tereza Leme Fleury
Gente
(2002)



Serviço de Informação Em Bibliotecas
D. J. Foskett
Polígono
(1969)



Livro Religião O Filho Rejeitado A Busca de um Homem Por Esperança e um Lar
R. B. Mitchell
Vida



Celulas-tronco - Esses Milagres Merecem Fé
Martha San Juan França
Terceiro Nome
(2006)



Livro Auto Ajuda O Sucesso é Ser Feliz
Roberto Shinyashiki
Gente
(1997)





busca | avançada
53025 visitas/dia
1,7 milhão/mês