77 anos do Mercado Municipal | Eugenia Zerbini

busca | avançada
105 mil/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Cultura Circular: fundo do British Council investe em festivais sustentáveis e colaboração cultural
>>> Construtores com Coletivo Vertigem
>>> Expo. 'Unindo Vozes Contra a Violência de Gênero' no Conselho Federal da OAB
>>> Novo livro de Nélio Silzantov, semifinalista do Jabuti de 2023, aborda geração nos anos 90
>>> PinForPeace realiza visita à Exposição “A Tragédia do Holocausto”
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> Salve Jorge
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Poesia e inspiração
>>> Painel entalhado em pranchas de cedro *VÍDEO*
>>> 21 de Novembro #digestivo10anos
>>> Orgulho e preconceito, de Jane Austen
>>> Orgulho e preconceito, de Jane Austen
>>> Orgulho e preconceito, de Jane Austen
>>> Bem longe
>>> O centenário de Mario Quintana, o poeta passarinho
>>> Orgulho e preconceito, de Jane Austen
>>> Bem longe
Mais Recentes
>>> A Psicanálise Dos Contos De Fadas de Bruno Bettelheim pela Paz & Terra (2017)
>>> Teaching By Principles: An Interactive Approach To Language Pedagogy de H. Douglas Brown pela Regents (1994)
>>> Liberte-Se Da Ansiedade de Severino Barbosa pela Eme (2013)
>>> Com Que Roupa?: Guia Prático De Moda Sustentável de Giovanna Nader pela Paralela (2021)
>>> Introdução À Programação Neurolingüística. Como Entender E Influenciar As Pessoas de Joseph O'connor pela Summus
>>> Livro Auto Ajuda Crianças Francesas Comem de Tudo de Karen Le Billon; Renato Marques de Oliveira pela Alaúde (2013)
>>> The Well - Macmillan Readers Starter Level de Clare Harris pela Macmillan Readers (2010)
>>> Ano Em Que Disse Sim, O de Shonda Rhimes pela Bestseller (2017)
>>> O Profeta de Khalil Gibran pela L&Pm Pocket (2005)
>>> Livro Fundamentos Em Fonoaudiologia de Marcia Goldfeld pela Guanabara (1998)
>>> O, Líder Coach de Rhandy Di Stéfano pela Qualitymark
>>> Proteja Seu Coração de Dr. Bussade pela Paulinas (1997)
>>> Livro Psicologia Crianças Francesas Não Fazem Manha de Pamela Druckerman pela Fontanar (2013)
>>> Fricções Históricas de Alexandre Mury pela Sesc (2015)
>>> Compromisso com a Educação - humanismo, Paixão e Êxito de Geraldo Magela Teixeira pela Veredas & Cenários (2008)
>>> The Adventures of Tom Sawyer - Macmillan Readers Beginner Level de Mark Twain pela Macmillan Readers (2016)
>>> Ten Thousand Sorrows de Elizabeth Kim pela Doubleday (2000)
>>> Dimensões Da Verdade de Divaldo Franco pela Leal (2000)
>>> Anjos Cabalísticos de Monica Buonfiglio pela Rodar (1993)
>>> Livro Literatura Estrangeira Box O Que Resta de Nós de Virginie Grimaldi pela Gutenberg (2023)
>>> Ame-se E Cure Sua Vida de Louise L. Hay pela BestSeller (1990)
>>> Geracao De Valor: Compartilhando Inspiracao de Flavio Augusto Da Silva pela Sextante (2014)
>>> Linguagem do Corpo 1: Aprenda a Ouvi-lo para uma Vida Saudável de Cristina Cairo pela Mercuryo (2001)
>>> TDP - Trabalho Dirigido De Psicologia de Mário Parisi pela Saraiva (1983)
>>> Livro Pedagogia Disciplina Positiva de Jane Nelsen pela Manole (2015)
ENSAIOS

Segunda-feira, 1/2/2010
77 anos do Mercado Municipal
Eugenia Zerbini
+ de 4700 Acessos

No mesmo dia em que São Paulo comemorou os 456 anos de sua fundação, no último 25 de janeiro, o mercado central festejava 77 anos de funcionamento. Quem sabe por ter nascido durante as grandes festas do 4º Centenário, mantenho, desde pequena, uma relação de amor com a cidade. Em um desdobramento desse sentimento, quem sabe ― outra vez ―, dei à luz a minha única filha no alvorecer de um 25 de janeiro, anos atrás.

Não é fácil declarar essa paixão neste momento, em que a cidade revela sua face de Medéia líquida, inclemente sob a força das águas, sorvendo muitos de sua extensa cria. Rilke já escreveu que todo anjo é terrível. Anjos e mães, completaria Freud, seu contemporâneo.

O Mercado Municipal, projetado por Ramos de Azevedo (o mesmo projetista do Theatro Municipal de São Paulo), para mim sempre sintetizou os antagonismos, contradições e paradoxos do materno. Por isso, o programa para a celebração de seu 77º aniversário ― incluindo queima de fogos na passagem de 24 para 25 de janeiro ― serviu de impulso a um retorno àquela suntuosa construção que, antes de ser inaugurada em sua função de mercado, em 1933, serviu de depósito de armas, ao tempo da Revolução Constitucionalista, em 1932.

Uma das lembranças mais caras de minha infância é a de uma ida ao Mercado Municipal, acompanhando minha avó, nos preparativos para a ceia de Natal. Entre as várias compras que realizou, ela não apenas separara uma caixa de papelão vermelho onde eu, recém-alfabetizada, podia ler "sultanas", como também pedira ao vendedor um quarto de quilo de figos secos da Turquia. As sultanas do pacote eram uvas passas brancas, mas, ao ouvir esse nome, somado à referência àquele país cuja capital já foi Bizâncio, me vi personagem de um dos contos das Mil e uma noites.

Mais adiante, minha avó encomendou um peru vivo, que ela mesma matou, depois que o vendedor mandou entregá-lo em casa, no dia seguinte. A comodidade das carnes congeladas nem sempre existiu e as boas donas de casa eram obrigadas a cometer certas selvagerias.

As comemorações do aniversário do Mercado começaram no dia 19 de janeiro, com cursos de culinária dedicados ao público feminino e masculino. Seguidos temporais impediram-me de comparecer, como o planejado. Acabei fazendo apenas uma visita, no dia 24.

Apesar da vizinhança cinza, suja e molhada, como sempre me lembro de ter sido o entorno do Mercado Municipal, foram precisos poucos passos em direção a seu interior para que eu recobrasse o encanto que ele em mim há décadas despertara.

Quase tudo é ainda anunciado com um adjetivo: o orégano é chileno; o anis, estrelado; a pimenta é da Jamaica. As azeitonas podem ser portuguesas, espanholas, libanesas, gregas ou sírias, todas coloridas, luzentes e carnudas. A lata de curry indiano deixa explícita que é da marca escolhida pelo governador de Bombaim. Apenas nomes, mas que têm o condão de despertar ― ao menos em mim ― um leque de fantasias.

Não se vendem mais aves e pequenos animais, como coelhos e carneiros, vivos. Os peixes e crustáceos, porém, estavam lá, lindos, sobre leitos de gelo fresco: atum, salmão, carapau, meca, tainha e vermelho, ao lado de lagostas, camarões, lulas, polvos e tamarutacas (sem mencionar nos práticos mexilhões "desconchados"). As ostras pareciam em baixa, poucas e anêmicas. Fraca, também, a variedade de hortaliças (talvez pelo excesso de chuva).

A nota máxima ficou por conta da barraca de frutas exóticas (Empório das frutas, rua K, box 20/22), onde o preço é dado em gramas, ao contrário de todos os outros lugares, em que o cálculo é feito por quilo. Assim, a custo quase de caviar, estavam expostas fruta do dragão (pitaya), rambutan (olho do dragão ou lichia maláia), chirimóia do Chile, atemóia (criação hibrida, cruzamento da fruta-do-conde com esta última), mangostim (anunciada como a rainha das frutas da Malásia) e abiu da Amazônia.

Tentando fugir do lugar-comum, em vez de pastel de bacalhau e de sanduíche de mortadela, duas especialidades do Mercado Municipal, preferi um pote de salada de frutas, para saborear enquanto flanava pelos seus corredores, admirando seus vitrais. Evitei o mezanino, agregado ao prédio em uma das reformas por que passou: esse novo espaço mais parece a praça de alimentação de um dos shoppings da capital. A estrela do lugar são mesmo os boxes numerados, alinhados em corredores denominados por letras, organizados pela natureza dos produtos oferecidos. Esses corredores, ou "ruas", são sinalizados por placas indicativas em cada cruzamento.

Através de um dos largos portões, vi que a chuva recomeçara. Com ela veio ao pensamento uma história antiga, por meio da qual eu aprendi que os seres humanos tinham a opção de dar fim à própria vida. Pouco depois de minha primeira visita ao Mercado, minha mãe me contara que uma das empregadas de minha avó (a quem eu acompanhara) se suicidara, atirando-se às águas do rio Tamanduateí, que hoje corre em galerias sob a Avenida do Estado, vizinha ao Mercado. De certa forma, aquela que me dera a vida, passara-me a consciência de ser possível dar o basta final.

São Paulo, anjos e mães são terríveis e guardam mistérios, de vida e de morte. Para poder encará-los é necessário um recuo, um afastamento. Quando criança, tinha a mania de arregalar os olhos e forçá-los em direção ao nariz. Ficava com um semblante idiota; essa manobra, entretanto, me propiciava imagens distorcidas do mundo, o que me agradava. Um jeito particular de ver as coisas, assim, meio fora de prumo. O artista plástico Gregório Gruber, ao retratar São Paulo, revelou-a atrás de uma névoa onírica, que parece com o resultado que eu obtinha com o estrabismo forçado de minha infância.

O aguaceiro lá fora se adensava. Havia a possibilidade de esperar para ver os preparativos do gigantesco bolo de 300 quilos que seria oferecido no dia seguinte, na festa de aniversário da cidade. Ou de até voltar mais tarde para assistir ao desfile da escola de samba Mocidade Alegre, programado para à noite, antes dos fogos. Porém, ainda que escondido sob o asfalto, corria lá fora o Tamanduateí (o rio que os índios já sabiam ser de muitas voltas), simples amostra da força aquosa que tem abalado a cidade.

Era hora, decidi, de voltar para casa.

Nota do Editor
Eugenia Zerbini venceu o Prêmio SESC Literatura 2004 na categoria romance, com o livro As netas da Ema. Tem contos publicados no jornal Rascunho, revista Cult e no blog do caderno "Prosa e Verso" de O Globo. Leia também o Especial "SP 450".


Eugenia Zerbini
São Paulo, 1/2/2010
Mais Eugenia Zerbini
Mais Acessados de Eugenia Zerbini
01. Para o Daniel Piza. De uma leitora - 16/1/2012
02. O diabo veste Prada - 2/10/2006
03. O romance sobre o nada - 28/5/2007
04. De vinhos e oficinas literárias - 2/7/2007
05. Legado para minha filha - 13/6/2011


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Metropoles Cidadania e Qualidade de Vida
Júlia Falivene Alves
Moderna
(1992)



Peru antigo
Maria Longhena
Folio



Dublinenses
James Joyce
Biblioteca Folha
(2003)



Manual da Família Saudável
Dr. Durval Mendonça Pereira
Do Autor



151 Ideias rápidas para conseguir novos clientes
Jerry R. Wilson
Jardim dos livros
(2014)



Real English: Vocabulário, gramática e funções a partir de textos ingleses C/CD áudio
Mark Guy Nash e Willians Ramos Ferreira
Disal
(2010)



Pai Rico - Histórias de Sucesso
Robert Kiyosaki
Alta Books
(2018)



Steiner II das Eiserne Kreuz
Robert Warden
Wilhelm Goldmann V Erlag
(1981)



Máximas de um País Mínimo
Reinaldo Azevedo
Record
(2009)



Kit Licões Bíblicas: Trimestres 2, 3 e 4 de 2017
Assembleia de Deus
Casa Publicadora
(2017)





busca | avançada
105 mil/dia
2,0 milhão/mês