Coração de mãe é um caçador solitário | Sonia Nolasco

busca | avançada
95668 visitas/dia
2,1 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Trama provocadora ambientada nos anos 80, “Zero Grau” estreia no Cine Joia, em Copacabana
>>> “Jazz Proibidão” recebe diversas atrações na Arena Samol, na Gamboa
>>> “Luara e as Comadres” mostra a força da mulher no Samba em série de shows no RJ
>>> Convite Ecoarts Amazônia – Inauguração da Casa da Floresta e Lançamento do livro Sementes da Mudança
>>> Nouveau Monde
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Two roads diverged in a yellow wood
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
Colunistas
Últimos Posts
>>> As Sete Vidas de Ozzy Osbourne
>>> 100 anos de Flannery O'Connor
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Two roads diverged in a yellow wood
>>> Literatura e interatividade: os ciberpoemas
>>> A Vida de Pi
>>> Breve análise sobre Umberto Eco
>>> I’ve been up, I’ve been down
>>> Necrológico da Biblioteca
>>> Twitter ultrapassa NYT e WSJ
>>> Por que os livros paradidáticos hoje são assim?
>>> A Mentira, de Nelson Rodrigues
>>> Uma norma para acabar com os quadrinhos nacionais?
Mais Recentes
>>> Livro Composto Mercadológico de Vários Autores pela Kls
>>> Tudo é Química de Carol Sanches pela Quintal Edições (2022)
>>> A Terra Oca - a descoberta de um mundo oculto de Raymond Bernard pela Record
>>> Deserto, Desertos de Unknown Author pela Vozes (2007)
>>> Ciência secreta dos golfinhos: introdução aos processos energéticos, essenciais florais e vibracionais Golfinhos de Lais Cristina Medici pela Da Autora (2005)
>>> How To Remember Jokes And 101 Drop-dead Jokes To Get Started de Philip Van Munching pela Workman Publishing Company (1997)
>>> Sindrome do Estrangeiro [1998] Málu Balona de Málu Balona pela Instituto Internacional de Projeciologia (1998)
>>> O Mundo Agradece! Coisas do Japão de Nippon Saihakken Club pela Nikkey Shimbun (2019)
>>> Na Hora do Testemunho de Francisco Cândido Xavier / J. Herculano Pires pela Paideia (1978)
>>> O Caminho Para Uma Vida Perfeita de Vernon Howard pela Record
>>> Lançamento Tributário de Eurico Marcos Diniz de Santi pela Max Limonad (1999)
>>> Ensinar A Viver: Manifesto Para Mudar A Educacao de Edgar Morin pela Sulina (2015)
>>> Como Ensinar Seu Bebê a Ler A Suave Revolução de Glenn Doman pela Artes e Ofícios (1990)
>>> História do Turismo de Massa de Marc Boyer pela Edusc (2003)
>>> Tai Chi Chuan A Alquimia do Movimento de Wu Jyh Cerng pela Mauad (1998)
>>> Um Milagre, Um Universo O Acerto De Contas Com Os Torturadores de Lawrence Weschler pela Companhia Das Letras (1990)
>>> Livro Temas Da Conscienciologia Waldo Vieira 1997 de Waldo Vieira pela Fisicalbook (1997)
>>> Seducidos Por El Accidente de Paul Virilio; David Barro, Stéphanie Jennings; Annick Prévot (tr.), David Barro; Agar Ledo pela Fundacion Luis Seoane (2005)
>>> As Cinco Pessoas Que Você Encontra no Céu de Mitch Albom pela Sextante (2004)
>>> A Boa Sorte: Criando as Condições de Sucesso na Vida e nos Negócios de Fernando Trías de Bes pela Sextante (2004)
>>> As Aventuras de Tintim - os Charutos do Faraó ( Capa Dura ) de Hergé pela Flamboyant
>>> Tintim no país do Ouro Negro - 22 de Herge pela Record (1970)
>>> As aventuras de Tintim - as joias da castafiore - 20 de Herge pela Record (1972)
>>> Oh La La! Level 1 - methode de français de C. Favret - M. Bourdeau - I. Gallego pela CLE International (2003)
>>> O Tempo É Uma Ilusão de Chris Griscom pela Siciliano (1989)
ENSAIOS

Segunda-feira, 26/5/2003
Coração de mãe é um caçador solitário
Sonia Nolasco
+ de 23400 Acessos
+ 1 Comentário(s)

“Longa jornada para dentro da noite” (Long Day’s Journey Into Night), obra-prima de Eugene O’Neill, é uma experiência de teatro para quem tem mãe. Aquele tipo de mãe que padece no paraíso. Sem ironia. Durante quase 3 horas, a presença poderosa (até quando não esta em cena) de Mary Tyrone, inspirada na própria mãe de O’Neill, faz picadinho de nossas emoções filiais. Nessa produção magistral que acaba de estrear na Broadway (onde fica até 31 de agosto), Vanessa Redgrave interpreta Mary Tyrone. Na platéia, muito marmanjo aos prantos. A peça é de 1941 mas, infelizmente, sofrer de culpa é sempre moderno.

Quando O’Neill acabou o texto, entregou-o a sua mulher, Carlotta, com a dedicatória: “...peça de velhas mágoas, escrita em lágrimas e sangue”; “uma homenagem ao seu amor e ternura, que me tornaram capaz de enfrentar meus mortos e escrever esta peça com profunda piedade e compreensão e perdão pelos quatro obsessivos Tyrones”.

Quando “Long Journey” finalmente estreou (dirigida por Jose Quintero) num palco americano, em 1956, três anos depois da morte do autor, disse o crítico Walter F. Kerr, no New York Herald Tribune: “Que ele [O’Neill] foi prejudicado por sua família é, agora, apenas um fato, um pedaço da verdade... ”; “[Na peça] não há resíduos de rancor”.

Ele parece estar pedindo perdão por seu próprio fracasso em conhecer seu pai, mãe, e irmão o bastante naquela época em que a necessidade de compreensão era como “um grito na noite”.

A longa jornada de O’Neill escava um passado doloroso, uma noite do verão de 1912, na casa de praia da família. O autor trocou os nomes, mas deixou a situação dramática correr livremente do café da manhã, quando a família parece quase normal, à noite, em que Mary, viciada em morfina (aparentemente para amenizar dores terríveis de artrite), o que a tornara quase demente, transforma-se numa espécie de fantasma desolado. James Tyrone (Brian Dennehy), o marido, que tinha sido na juventude um ídolo de teatro, é baseado em James O’Neill, pai do autor; James Jr. (Philip Seymour Hoffman), o filho mais velho, um ator fracassado e beberrão, cínico mas de boa índole; e Edmund (Robert Sean Leonard), o filho mais novo, poeta, de saúde (tem tuberculose) e sentimentos delicados, é o alter-ego de Eugene O’Neill. A casa (cenário de Santo Loquasto), em tons sombrios, lembra um túmulo; sugere o significado distorcido de “lar”, o que James nunca deu a Mary e aos filhos.

Mary (Vanessa Redgrave), passa o dia vagando pela casa, seus movimentos no andar de cima vigiados e comentados pelos que estão embaixo. Mãe amorosa, mas também hostil, ela abraça ou repudia os filhos; derrama carinho, especialmente em Edmund, seu favorito, ou lembra verdades brutais do passado, quando sua saúde foi fatalmente comprometida pela avareza obsessiva do marido, que a obrigava a morar em hotéis vagabundos e a tratar-se com charlatões; acusa James Jr. de ter deixado morrer, ainda bebê, o segundo filho, Eugene, de quem ele tinha ciúmes; e repete que nunca deveria ter concebido Edmund. Ao mesmo tempo, Mary é vitima e carrasco da família. É o vértice para onde convergem as angústias e contradições violentas do marido e dos filhos.

As 8h30 da manhã, Mary surge na sala com um risinho tímido de moça de colégio interno. Conversa com todos, faz perguntas solicitas, dispensa conselhos maternais. Só suas mãos traem a verdade: crispados pela artrite, os longos dedos cortam o ar como pássaros desorientados, ou, de repente, simulam tocar uma valsa, usando a mesa como piano, ou escalam e arranham o espaço em busca do passado, quase presente em seus devaneios. No meio da tarde, Mary só fala no tempo em que conversava com uma imagem da Virgem Maria ou com as freiras do internato, e queria também ser freira, embora fosse muito feliz na casa confortável de seu pai. É preciso acompanhar também os olhos de Vanessa Redgrave para captar o sofrimento de Mary: às vezes seus olhos brilham, e ela é fisicamente a jovem graciosa e inocente que foi apresentada ao famoso ator James Tyrone; em outras cenas, seus olhos estão opacos, sem vida, dopados pela morfina. Sua voz é enérgica, cheia de raiva, ao queixar-se dos maus tratos do passado, mas quase sempre mais parece um lamento, contraponto ao apito melancólico da buzina de nevoeiro, que avisa constantemente do perigo.

Em 1956, deve ter sido chocante ver no palco três alcoólatras e uma viciada em morfina. Hoje em dia, vida doméstica excêntrica é comum até em seriado de televisão. Mas certamente não foi esse tipo de fraqueza que O’Neill explorou e, sim, a profunda solidão de cada individuo na família, apesar dos intensos laços amorosos, que muitas vezes sufocam. O mais surpreendente do texto é a avalanche de clichês típicos de drama sentimental; o ciclo previsível de remorso, culpas, expiação, recriminação e reconciliação.

A diferença está no gênio do autor e, agora, na interpretação magnífica dos atores. O esforço de O’Neill em documentar o sofrimento de sua família, e o seu, através de recordações íntimas, é tão intensamente sincero, que o espectador não habituado à análise de grupo se sente um voyeur. Deve ser por isso que a platéia americana ri nos momentos mais cruciais; deve ser o nervoso de flagrar suas próprias emoções e não saber como lidar com elas.

Além da presença dominadora de Mary (em outras produções - com Jason Robards, em 1976, Jack Lemmon, em 1986, e Robards, em 1988 - James pai era o centro das atrações), a direção excelente de Robert Falls destaca a afetividade entre os quatro Tyrones. Sua união é tão verdadeira quanto a fúria com que se confrontam. Apesar de se verem confinados naquela casa todos os verões, se torturando mutuamente, e cultivando ressentimentos, eles partilham uma afeição comovente. Outra característica dessa produção é o senso de humor irlandês, de James pai, que os filhos herdaram.

A peça se desenrola numa sucessão de encontros alternados entre mãe e filhos, um de cada vez e os três juntos; pai e filhos, um de cada vez e os três juntos; marido e mulher sozinhos, e os quatro juntos. James pai domina o terceiro ato, quando conta a Edmund sua infância paupérrima, sem pai, e como seu medo de envelhecer pobre o tornou avaro. Ao contrário de outras interpretações, Mary não se mantém distante de James pai, James Jr., e Edmund, como se já vivesse num mundo à parte. Mary demonstra grande ternura física com os três, e trata a empregada, Cathleen, com atenção carinhosa. Por isso, Mary causa impacto muito maior quando, no final do último ato, toma uma dose dupla de morfina e se refugia no passado.

No primeiro ato, Mary comenta com os filhos, “Nenhum de nos pode evitar as coisas que a vida nos faz. Tudo acontece antes que possamos nos dar conta...” Fora do contexto, soa como clichê de novela. É preciso viver muita dor para entender que se trata apenas de compaixão.



Sonia Nolasco
Nova York, 26/5/2003
Mais Sonia Nolasco
Mais Acessados de Sonia Nolasco
01. De Kooning em retrospectiva - 3/10/2011
02. Coração de mãe é um caçador solitário - 26/5/2003
03. Leonardo da Vinci: variações sobre um tema enigmático - 24/2/2003
04. Jane Fonda em biografia definitiva - 19/9/2011
05. Os fantasmas de Norman Mailer - 31/3/2003


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
10/3/2005
10h33min
A peça Longa Jornada Noite Adentro foi montada no Brasil em 1958. Na direção o grande mestre Ziembinski e no papel de Mary Tyrone, Cacilda Becker. Recentemente, a peça, sob a direção de Naum Alves de Souza, foi apresentada e no papel de Mary Tyrone, Cleyde Yáconis, irmã de Cacilda Becker. Infelizmente não assisti às montagens dessa peça. Mas li o texto traduzido por Helena Pessoa e editado pela Peixoto Neto. Considero essa peça uma das melhores que já li ao lado de Esperando Godot, do Samuel Becket, Woyzeck de G. Buchner, Brecht e Shakespeare. Há trechos memoráveis: "...caminhos alegres não passam de meras palavras! São as trilhas penosas que contam! Levam-nos rapidamente ao nada... a parte alguma! Foi aí que cheguei: a parte alguma! Onde todos nós vamos parar no final, embora a maioria dos incautos não queira reconhecer!(...) serei sempre um estranho, que nunca se sente em casa, que não quer realmente a ninguém (...) que vive continuadamente um tanto quanto enamorado da morte." Há a citação de um poema de Baudelaire "embriague-se/ Somente isto importa: é o único problema! Se não quer sentir o horrível peso do Tempo que pesa sobre seus ombros e o esmaga, embriague-se sempre. Com quê? Com vinho, com poesia ou com virtude. Com o que queira. Porém embriague-se." Este poema remete-nos a Rimbaud e sua embriaguez, com álcool, o chamado "gole do veneno". Na peça Skakespere é citado "somos da substância de que são feitos os sonhos. E nossa curta vida se conclui no sono." Há as falas de Mary, que destaco: Somente o passado é real... o passado que se foi feliz. (...) e encontrou refúgio e alívio em um sonho onde a realidade presente não passa de uma aparência que se deve aceitar e dissimular com maior indiferença - até com cruel cinismo ou ignorar por completo. (...) como poderia você crer em mim se eu própria não creio?" Penso que a transcrição de alguns diálogos dessa peça terão a força suficiente para incentivar um ou outro leitor a procurar a obra deste grande dramaturgo. A leitura dessa peça nos remete, penso, aos dramas da existência burguesa, à invariabilidade da vida que Passolini tão bem descreveu em versos como "a descorta da invariabilidade da vida/ requer inteligência e amor." O ser em sua pequenez. O ser diante do outro, seu inferno, "Entre Quatro Paredes" de Sartre. O ser diante do nada e do desespero de existir. Do grito lancinante do final de Teorema de Passolini. Do deserto que o habita, do inferno que traz em sua mente, de suas vís...
[Leia outros Comentários de luiz fernando]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.

Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Emotions and Memory
David Rapaport
Science
(1961)



Código Civil e Legislação Civil Em Vigor
Theotonio Negrao
Saraiva
(2014)



O Que É Conservadorismo
Roger Scruton
Realizações
(2015)



1808 - como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram napoleão e mudaram a história de portugal e do brasil
Laurentino gomes
Planeta
(2007)



Controle Robusto Multivariavel: O Metodo Lqg- Ltr - Coleção Academica
José Jaime Da Cruz
Edusp
(1996)



Literatura Estrangeira Robin Hood O Salteador Virtuoso
Joel Rufino Dos Santos
Scipione
(1976)



Longevidade do Cérebro
Dharma Singh Khalsa
Objetiva
(1997)



O Romano
Mika Waltari
Itatiaia
(1980)



Mano Descobre A Ecologia
Heloisa Prieto
Ática
(2002)



Para Gostar de Ler - Historias de Amor
Lygia Fagundes Telles
Atica
(2004)





busca | avançada
95668 visitas/dia
2,1 milhões/mês