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Quinta-feira, 12/9/2002
A Mentira, de Nelson Rodrigues
Ricardo de Mattos
+ de 14900 Acessos
+ 1 Comentário(s)

"Toda família tem um momento em que começa a apodrecer. Pode ser a família mais decente, mais digna do mundo. Lá um dia aparece um tio pederasta, uma irmã lésbica, um pai ladrão, um cunhado louco. Tudo ao mesmo tempo." (Nelson Rodrigues in "Flor de Obsessão")

É costume a pessoa precisar completar uma data "redonda", para merecer as atenções voltadas sobre ela. Em 1.991, aprendi quase tudo o que sei sobre Mozart, devido às comemorações pelo bicentenário de sua morte. Este ano, Os Sertões completam cem anos; só daqui a outros cinquenta Euclides da Cunha será lembrado.

No mês de agosto recém terminado, Nelson Rodrigues completaria noventa anos. Devido ao facto, ganhou adaptações para a televisão, reprise de outra já adaptada (visto o aniversário de vinte anos de falecimento ter ocorrido recentemente, em 2.000), e a reedição de sua obra por uma editora. Para quem não a conhece, uma boa introdução é o romance A Mentira, escrito entre 21 de junho e 31 de agosto de 1.953, publicado inicialmente sob a forma de folhetim no semanário carioca Jornal da Semana - Flan. A reedição poderia vir acompanhada das ilustrações iniciais de Darel, e seria mais económico para o leitor se este breve romance dividisse o volume com outras obras.

As 121 páginas de texto d'A Mentira podem ser lidas em poucas horas. A trama desenrola-se num crescendo de tensão que amarra a atenção do leitor e chega a um final imprevisível. Esta imprevisão decorre do engenho de Nelson Rodrigues, pois apesar de julgá-lo inesperado, lembramo-nos do título do romance e percebemos estar tudo em ordem. Nós quem demos atenção demais às falsas pistas fornecidas.

Neste romance, não se deve buscar aquilo que se costuma atribuir ao escritor e dramaturgo. Não me lembro agora de palavrões, e não existem cenas de sexo. Temos sempre em mente o Nelson do cinema (Neville d'Almeida) e da televisão, mas estes meios buscam na obra do escritor apenas o que atrai a audiência, o público, subestimando personagens cuja eloquência dispensa recurso constante ao erotismo. Repare-se neste romance a convergência do jornalista e do dramaturgo. Ou um meio caminho entre a reportagem policial e o teatro, como se preferir. A sinopse da obra, saída de seu próprio punho, lembra muito a redacção de um boletim de ocorrência, porém melhor feito, como deveria ser à época. Cogito se este exultar do sexo e da escatologia não atrapalha o entendimento da obra rodrigueana, valorizando o aspecto menos relevante.

Notamos a presença do jornalista no dinamismo e na economia da linguagem, bem como em um detalhe: um só narrador, mas com uma infinidade de informações, muitas vezes desencontradas fazendo parecer que muitos falam ao mesmo tempo por ele, cada um dando a sua versão dos factos. Imaginamos o repórter com o bloco de notas na mão, aqui e ali colhendo dados sobre o evento. Além disso, deve-se lembrar que como jornalista, Nelson Rodrigues tinha acesso a uma ampla gama de tipos, praticamente prontos para suas páginas. Quem nos jornais também encontrava material farto para seus escritos era António Maria, com seu Romance dos Pequenos Anúncios, mas aqui segue-se pelo humor e pelo lirismo.

Já o dramaturgo é visível na estrutura da obra, composta de forma a predominarem os diálogos, e neles encontrar sua força. Acredito ser pouco o necessário para transpor este romance ao palco, sendo até fácil imaginá-lo encenado, durante a leitura.

A personagem principal é Lúcia, menina de catorze anos, a quem poderíamos classificar satisfatoriamente de estrupício. A mentira não é contada, mas sustentada por ela. Tudo começa com um banal enjoo, sua ida ao médico e uma vez no consultório, o diagnóstico da gravidez. Tal determinação é um desconhecido sintoma da demência do próprio ginecologista, pois afirma estar grávida toda e qualquer mulher que o procura. Esta loucura só é revelada no final do livro, mas até lá, todo um lodo de imundície e histeria reprimido durante anos pela família vem à superfície e começa a tragar seus membros. Esta família é composta de pai (Dr. Maciel), mãe (Dª Ana), cinco filhas - das quais Lúcia é a caçula e preferida do pai - , e pelos maridos das três primeiras, para um dos quais caberia outra frase rodrigueana: "Na mulher, certas idades constituem, digamos assim, um afrodisíaco eficacíssimo. Por exemplo: - catorze anos!".

Lúcia recebe a notícia da gravidez e ao invés de rebelar-se, reclamar, desmentir, acha bonito e aceita seu novo, inda que falso, estado. Começa acolhendo a criança "a nascer" mesmo vendo sua família desmoronar, e até foge de casa ao saber das considerações sobre o aborto (e quem o faria seria o mesmo médico que atestou a gravidez). Nos primeiros interrogatórios sobre o nome do pai, respondia sempre "ninguém", talvez querendo dizer não haver nem um progenitor, nem uma gravidez. Seja como for, depois atribui a paternidade ao seu vizinho, aleijado a quem costuma visitar. Inicialmente pensamos em incesto, depois acreditamos no paralítico como pai. Por fim, somos influenciados pela maldição de Dª Ana, lançada contra o marido ao ser levada para o manicómio: "O pai do teu neto será teu assassino!". Sendo o Dr. Maciel assassinado por um dos genros, pensamos estar tudo encerrado. E nesta parte descobre-se a mentira, pois Lúcia sequer fora violada.

Nelson Rodrigues é imparcial no tratamento de seus personagens, todos eles portadores de alguma mazela. Vez ou outra é usado algum adjectivo, mas o tratamento geral é isento, não se toma partido deste ou daquele. Se pessoalmente tinha alguma coisa contra algum dos tipos descritos, não deixa transparecer. Não se deve levar em consideração aqui suas frases e aforismos. Ele sabia muito bem como provocar as pessoas com eles: "A pior forma de solidão é a companhia de um paulista". As descrições são fiéis, mesmo se cruéis. A adoração inicial do pai transforma-se em atracção pela menina, ao saber que ela pode não ser sua filha. Pensa em usufruir deste novo dado num lugar remoto. Em certa altura, após ter sido baleado por Dª Ana, Dr. Maciel volta ao quarto do casal, de onde foi retirado para ser socorrido, e onde ela permanece inerte. O diálogo travado mostra o paroxismo da crueldade por parte dele:

"E, súbito, aproximando-se, pergunta:
-Por que não te mataste?
Admira-se:
- Eu?
E ele caricioso, ignóbil:
- Você, sim! Eu deixei você livre, esperando isso, justamente, esperando que você acabasse com a vida. Lá embaixo, houve um momento em que eu julguei sentir cheiro de gás. Então, pensei: 'É ela!' Mas você tem medo! Não quis se matar
".

Pessoas reais transformadas em personagens. Tipos que não precisamos recorrer à imaginação para ver nas ruas, no emprego, na vizinhança. O mundo de Nelson Rodrigues é aquele no qual vivemos e identificamos logo, se não demasiado alheios à realidade.

Para ir além





Ricardo de Mattos
Taubaté, 12/9/2002

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
13/9/2002
12h05min
Parabéns pelo artigo e ao mesmo tempo homenagem a Nelson Rodrigues. Além de tds comentários e considerações feitas ainda acredito que NR tbm retrata exatamente a "safadeza" dos "homens", a hipocrizia da Sociedade em si. O pensar de homens e mulheres que nunca revelam suas intenções, a troca de favores que pensavámos ser maior cultivada em nossa cultura, a política, a corrupção, o funcionalismo público, e simplesmente a fraqueza, beleza e sensibilidade do Ser Humano.
[Leia outros Comentários de Elisabete39]
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