Riobaldo | Paulo Polzonoff Jr | Digestivo Cultural

busca | avançada
84380 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Novo livro de Nélio Silzantov, semifinalista do Jabuti de 2023, aborda geração nos anos 90
>>> PinForPeace realiza visita à Exposição “A Tragédia do Holocausto”
>>> ESTREIA ESPETÁCULO INFANTIL INSPIRADO NA TRAGÉDIA DE 31 DE JANEIRO DE 2022
>>> Documentário 'O Sal da Lagoa' estreia no Prime Box Brazil
>>> Mundo Suassuna viaja pelo sertão encantado do grande escritor brasileiro
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> Salve Jorge
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Feliz Natal, Charlie Brown!
>>> O dinossauro de Augusto Monterroso
>>> Marketing de cabras
>>> Simplesmente tive sorte
>>> Sete tecnologias que marcaram meu 2006
>>> Maria Helena
>>> Sombras
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Aconselhamentos aos casais ― módulo II
>>> Perfil (& Entrevista)
Mais Recentes
>>> Tumular de Thunder Dellú pela Avec (2021)
>>> A Canção de Bêlit - Tomo 1: A Tigresa e o Leão de Rodolfo Martínez & Robert E. Howard pela Avec (2021)
>>> A Liga Extraordinária apresenta: Nemo As Rosas de Berlin de Alan Moore pela Devir (2018)
>>> O Diabo no Corpo de Raymond Radiguet pela Brasiliense (1985)
>>> O Amante de Lady Chatterley de D. H. Lawrence pela Companhia Editora Nacional (1985)
>>> Meu Coração Desnudado de Charles Baudelaire pela Nova Fronteira (1981)
>>> As Crias de Hastur - A Irmandade do Olho do Corvo - Tomo I de A. Z. Cordenonsi pela Avec (2021)
>>> Artemis Fowl O Menino Prodígio do Crime de Eoin Colfer pela Record (2001)
>>> História de Mayta de Mario Vargas Llosa pela Francisco Alves (1984)
>>> Superman & Batman As Duas Faces da Justiça (três edições. completa) de Karl Kesel e Dave Taylor pela Abril (2002)
>>> Multiverso Pulp Vol. 1: Espada e Feitiçaria de Duda Falcão (org.) pela Avec (2020)
>>> O Ciclope de Eurípedes pela Ofícios Terrestres (2021)
>>> Defensores nº 2 de Joe Kelly. Kano e Phil Jimenez pela Abril (2002)
>>> As Rãs de Mo Yan pela Companhia das Letras (2015)
>>> Linguagem Jornalística de Nilson Lage pela Ática (2003)
>>> DC Especial nº 8 - Poderosa de Paul Kupperberg e Mary Wilshire pela Abril Jovem (1991)
>>> The Demon-Haunted World - Science as a candle in the dark de Carl Sagan pela Headline (1997)
>>> Auto da Barca do Inferno de Gil Vicente pela Saraiva (2008)
>>> A Fábrica Automática e a Organização do Trabalho de Angelo Dina pela Vozes (1987)
>>> Cavaleiro das Trevas III A Raça Superior Livro Cinco de Frank Miller, Brian Azzarelo, Andy Kubert pela Panini (2016)
>>> A arte da tese de Michel Beaud pela Best bolso (2018)
>>> Luluzinha Teen e sua turma nº 1 de Renato Fagundes pela Pixel (2009)
>>> Libro tardío del retorno / Le livre lent swa retrouvailles de Julio Heredia pela Bérénice (2004)
>>> Liga da Justiça nº 5 de Mark Waid. Bryan Hitch e Mike S. Miller pela Abril (2002)
>>> Cenas de um Casamento de Ingmar Bergman pela Nórdica (1977)
COLUNAS >>> Especial Festas 2001

Quarta-feira, 2/1/2002
Riobaldo
Paulo Polzonoff Jr
+ de 6900 Acessos
+ 1 Comentário(s)

Daniela Mountian

Vou começar este texto com o maior clichê do mundo: ano novo, vida nova. Ah, vai, confessa que você deve ter pensado nisso quando o relógio deu meia-noite. Não se envergonhe, por mais inteligente que você for, é normal. Jung, aquele filho da mãe, deve ter uma boa teoria para isso. Como não sou discípulo de Freud nem nada, apenas repito o lugar-comum das areias de todo o Brasil (perdão se você mora no interior, mas é que só consigo lembrar de anos-novos na areia da praia). Ano-novo, pois, vida nova, pois.

Antes de qualquer coisa, um causo. Um causo literário, por assim dizer. Há quem o considere a tragédia extrema da família, mas eu o considero apenas um marco, assim uma espécie de divisor de águas entre o certo e o duvidoso. Aconteceu na noite de Ano-Novo mais relevante dos últimos mil anos: a de 1999 para 2000. Sim, eu sei que o século não mudou nesta data, e sim de 2000 para 2001, mas a mística dos três zeros estava por toda a parte.

Eu estava deitado tranqüilamente na rede da casa de praia, sentindo aquela brisa da noite do mar. Adoro aquilo. Odeio praia, com aqueles corpos se sobressaindo de biquínis vulgares (não adianta atacar minha masculinidade, senhores leitores), mas adoro aquela brisa do mar. O calor até que me fazia bem. Sem dizer que, volta e meia, eu ia até a praia, olhar as estrelas, as ondas, compor poemas que jamais escrevi, pensar na porra da vida que tomava um rumo indesejado. Pois deitado na rede eu lia Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa. Vai ser muito patético se eu disse que é o melhor livro brasileiro do século 20 e quiçá um dos melhores da literatura mundial, e que assim seria reconhecido, não escrevêssemos numa língua periférica? Bem, agora á disse, não há como volta atrás. Ali lendo, sorvendo aquele desbunde lingüístico, eu também esperava uns parentes que passariam a noite conosco. A casa estava bastante calma para o horário razoavelmente avançado: oito da noite. Meu pai fazia churrasco, eu lia e bebia e fazia todo o esforço do mundo para não ficar bêbado, para continuar a leitura. Coisa rara: houve respeito e ninguém colocou músicas de mau-gosto, como é de costume. Até que.

Até que os parentes chegaram. Em duas caminhonetes e um carro. Chegaram com seus chapelões de rodeio. Chegaram gritando, dando abraços apertados demais e beijos babados. Foram estacionando seus carros na garagem e abrindo caminho por entre as comidas da ceia. E eu ali, na rede, abraçado ao Guimarães Rosa (outro ataque à minha masculinidade; pode bater que ela é forte...), começando a odiar a situação. E então, de repente, eu escuto. Não, não é Strauss. Nem é Cole Porter. Obviamente, isto está muitos degraus acima da escala evolutiva destes. Não era nem ao menos Caê ou Marisa Monte, travestidos de inteligência. Não era sequer o Roberto Carlos, que, numa última concessão, eu até suportaria. Era música sertaneja-brega mesmo. E num volume acima do recomendável pela Organização Mundial de Saúde, que nestes casos é de silêncio extremo.

Talvez motivado por um espírito de Riobaldo, levantei-me da rede e reclamei. Parece uma atitude normalíssima, mas numa família de descendentes de italianos isso é absurdo, porque se preza a felicidade (ainda que falsa) alheia, acima de tudo. O pedido para que abaixassem o volume de nada adiantou. O telefone tocava, mas ninguém conseguia falar nele porque um cantor desafinado qualquer gritava dos autofalantes do carro. Por meio de uma gambiarra, os filhos da mãe juntaram os autofalantes dos dois carros, o que tornou a situação impossível de se agüentar. Riobaldo, digo, eu, tomou dois goles de caipirinha e pediu mais uma vez que abaixassem. Num momento de descontração (que não lhe (me) é raro), sugeriu que colocassem o CD do Strauss. Ficou por isso mesmo. Até que Riobaldo levantou o bacamarte, ameaçadoramente, e se dirigiu, em cima de um cavalo de Dom Quixote, para o CD-player. O dono do barulho relutou, disse que a festa era dele também (argumento inteligentíssimo, não?). Ao que Riobaldo retrucou dizendo que o sertão era dele, empurrou o babaca da música sertaneja, pegou o CD e jogou-o na areia. Fez menção de ir pisar no disquinho, mas foi contido. Riobaldo estava feliz, naquela noite de Ano-Novo que acabara de estragar. Olhou para os lados: o silêncio. Recolheu o bacamarte, pegou seu livro novamente e foi para a rede, lê-lo.

Dois minutos mais tarde, novos apertos de mão, desta vez contidos. Feliz Ano-Novo daqui e dali, todos muito polidos e mentirosos. Os invasores fugiam da fúria literária de Riobaldo, às 23h30. Passaram o Ano-Novo lá deles na estrada, por certo comendo seu franguinho com farofa, enquanto Riobaldo, já um tanto esmorecido pela caipirinha, tentava dormir.

Pois é, este texto era para, na verdade, falar sobre as resoluções de Ano-Novo. Às vezes acontece isso: o texto que é para ser e não é. A história se impôs às minhas modestas pretensões para 2002. Ao contrário de todo mundo, eu quero é fumar. Não cigarro, mas um charuto bem bom, destes que se paga uma fortuna. Gosto besta, sô. Também não quero parar de beber. Só vou mesmo é mudar a marca e a idade de meu uísque, de um Red Label, 8 anos, para um Chivas, 12 anos. Amar vou continuar amando, quiçá com um pouco menos de poesia e um pouco mais de pragmatismo, como me ensina a vida neste momento. Vou escrever muito e até já cadastrei um blog para publicar as crônicas que escreverei diariamente. Vou ler Guerra e Paz, finalmente e de uma vez por todas, eu prometo. E vou reler Grande Sertão: Veredas (aliás, vou fazer isso agora mesmo), que é para ser Riobaldo de novo, quando precisar.


Paulo Polzonoff Jr
Curitiba, 2/1/2002

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Terna e assustadora realidade de Elisa Andrade Buzzo
02. E se Amélia fosse feminista? de Ana Elisa Ribeiro
03. Defensores da Amazônia de Marilia Mota Silva
04. A invenção da imprensa de Gian Danton
05. Nem cobra, nem aranha: peçonhenta é a burocracia de Adriana Baggio


Mais Paulo Polzonoff Jr
Mais Acessadas de Paulo Polzonoff Jr em 2002
01. Alice no País de Freud, Marx ou Hegel - 16/1/2002
02. Ele, Francis - 6/2/2002
03. Dois Idiotas - 13/2/2002
04. Riobaldo - 2/1/2002
05. Pode guerrear no meu território - 30/1/2002


Mais Especial Festas 2001
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
12/12/2008
17h47min
Cara, a internet tem destas coisas. Vc escreveu este texto faz tempo, e só agora eu o leio, e ao ler, penso em todas as vezes que tive vontade de incorporar, não o Riobaldo, mas o Wolverine, e sair rasgando quem me enchia a paciência. Embora goste muito de minha família - daquele jeito peculiar que a gente gosta de parente - não foram poucas as vezes em que quis fazer algo parecido. Diz aí? Desopilou o fígado? Eu me amarrei só de ler. Um abraço.
[Leia outros Comentários de Ronaldo ]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro Biografia Yves Montand: a Vida Continua
Jorge Semprun
Nova Fronteira
(1983)



A Metamorfose
franz Kafka
Pé da Letra
(2017)



Os Irmãos Inimigos 408
Nikos Kazantzakis
Círculo do Livro



Como Serão as Coisas no Futuro
Richard W. Oliver
Negócio
(1999)



Anna Liza e o Consultório Feliz
Eoin Colfer
Galera Junior
(2017)



Infinito - Série Os Imortais Vol. 6
Alyson Noël
Intrínseca
(2011)



Livro Literatura Brasileira Castelos Tropicais
Clara Baccarin
Chiado
(2015)



Livro Administração Money Boss Você Vai Mandar no Seu Dinheiro!
Marcos Silvestre
Valores Editorial
(2017)



Brasil Nos Arquivos Britânicos E Irlandeses: Guia de Fontes
Oliver Marshall
‎ Centre for Brazilian Studies
(2007)



Gramática Española para Brasileños
Vicente Masip
Parábola
(2010)





busca | avançada
84380 visitas/dia
2,0 milhão/mês