Bailes & Festas | Guilherme Pontes Coelho | Digestivo Cultural

busca | avançada
47578 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Teatro do Incêndio e Colmeia Produções convidam o público a partilhar saberes no ciclo Incêndios da
>>> ZÉLIO. Imagens e figuras imaginadas
>>> Galeria Provisória de Anderson Thives, chega ao Via Parque, na Barra da Tijuca
>>> Farol Santander convida o público a uma jornada sensorial pela natureza na mostra Floresta Utópica
>>> Projeto social busca apoio para manter acesso gratuito ao cinema nacional em regiões rurais de Minas
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> O Livro dos Insultos, de H.L. Mencken
>>> Cenas da vida carioca
>>> Aproximações políticas, ontem e hoje
>>> Surf em cima do muro
>>> E não sobrou nenhum (o caso dos dez negrinhos)
>>> Semana da Canção Brasileira
>>> Cartas@de.papel
>>> 24 Horas: os medos e a fragilidade da América
>>> Ai de ti, 1958
>>> Cultura, técnica e uma boa idéia
Mais Recentes
>>> Design Thinking de Tim Brown pela Campus Elsevier (2010)
>>> Você Eu E Os Robôs: Pequeno Manual Do Mundo Digital de Martha Gabriel pela Atlas (2018)
>>> Psicoterapia Fenomenológico-existencial de Valdemar Augusto Angerami Camon E Outros pela Thomson (2002)
>>> A Parisiense: O Guia De Estilo De Ines De La Fressange de Ines De La Fressange e Sophie Gachet pela Intrinseca (2011)
>>> Organizações Exponenciais de Salim Ismail pela Hsm (2015)
>>> Para Sempre Sua de Sylvia Day pela Paralela (2013)
>>> Profundamente Sua de Sylvia Day pela Paralela (2012)
>>> Toda Sua de Sylvia Day pela Paralela (2012)
>>> O Conde Futreson: Uma Aventura Da Turma Do Gordo de João Carlos Marinho pela Global Editora (2009)
>>> A Psique Do Corpo de Denise Gimenez Ramos pela Summus (1994)
>>> Cada Pessoa Tem Um Anjo de Anselm Grun pela Editora Vozes (2009)
>>> Você é Insubstituível - Este Livro Revela A Sua Biografia de Augusto Cury pela Sextante (2006)
>>> Prática Espiritual: Como Começar de William Bloom pela Triom (1995)
>>> Das Mãos De Deus de Nelson Moraes pela Wpaz (2006)
>>> Virtudes Que Nos Unem A Deus: Fé, Esperança E Amor de Mauro Grun pela Vozes (2007)
>>> O Dialogo Com O Barro - O Encontro Com O Criativo de Regina Fiorezzi Chiesa pela Casa do Psicólogo (2004)
>>> Felicidade de Eduardo Giannetti pela Companhia Das Letras (2002)
>>> Guia Do Mochileiro Das Galaxias de Douglas Adams pela Arqueiro (2009)
>>> Hamlet: O Príncipe Da Dinamarca de William Shakespeare pela Scipione (2001)
>>> Angélica de Lygia Bojunga pela Casa Lygia Bojunga (2014)
>>> O Relógio do Tempo de Rosa Freua de Carvalho pela Feesp (1993)
>>> Por Que Sou Uma Menina Xadrez de Blandina Franco pela Matrix (2015)
>>> A Mágica Da Arrumação de Marie Kondo pela Editora Sextante (2015)
>>> Quando Jesus Teria Sido Maior? de Paulo Alves Godoy pela Feesp (2011)
>>> Ratinhos de Ronaldo Simões Coelho pela Companhia Das Letrinhas (2011)
COLUNAS

Terça-feira, 16/10/2012
Bailes & Festas
Guilherme Pontes Coelho
+ de 3900 Acessos

"O que o senhor tá carregando aqui, seu Guilherme?"

"Gente morta", respondi, para fazer uma graça, embora o peso das caixas convencesse de que poderia haver cadáveres dentro delas.

A pergunta foi feita por Biúca, um rapaz simpático e de traços neandertaloides que trabalhava para a transportadora que fez minha recente mudança. Biúca se referia a um dos paralelepípedos que ele e mais alguns senhores tiveram de carregar, no braço, do quarto andar de um prédio ao caminhão e do caminhão ao vigésimo andar, via elevador, de outro prédio, catorze quilômetros mais tarde. Estes hexaedros eram caixas reforçadas de papelão recheadas com livros. A maneira como foram preenchidas as tornava blocos maciços: eu, que nunca aprendi direito a transportar meus livros em todos estes anos, tenho a mania encaixar os livros em caixas grandes, preenchendo todos os interstícios possíveis no interior delas, como se brincasse com um Tetris tridimensional. É divertido, e é uma má ideia. O ideal seria fazer o mesmo, mas em caixinhas. (É quase certo esquecerei esta recomendação no futuro, de novo.)

Antes de prosseguir, um pouco de números (eu os detesto) para mostrar o quanto Biúca e companhia tiveram de trabalhar, e para mostrar que, além do pagamento, a gorjeta foi merecida.

Cada paralelepípedo desses media 61cm de comprimento, por 47cm de largura, por 31cm de altura. Se para calcular o volume de cada um teríamos de multiplicar o comprimento pela largura pela altura, então teremos o volume de 88.877cm³ por caixa. Na mudança, havia 12 caixas só de livros. Ou seja, será um universo de 1.066.524cm³ de livros. Usando o volume de um livro já mencionado noutro lugar, teríamos algo próximo a 64 exemplares por caixa. Usando o mesmo livro para chegar ao peso de cada caixa, teríamos o resultado arredondado (para baixo) de 73kg. Como eram 12 caixas, ao todo Biúca e camaradas carregaram 876kg de papel.

Os livros sempre são a parte mais sensível da mudança, embora esses números potentes tentem dizer outra coisa. É também a única parte que não costumo deixar para a transportadora. Na hora de fazer o Tetris tridimensional, recomendo forrar por dentro as caixas com imensos sacos plásticos. Depois de lacradas, também as envolva com plástico por fora. É uma medida preventiva contra líquidos. Mas lembre-se, use caixas pequenas.

O problema do sistema Tetris é que os livros são organizados por tamanho, área, volume, e não por assunto. Eles são confinados nas caixas de forma a criar um grande sólido compacto e uniforme; mas os livros, por dentro, estão desorganizados. Eles são retirados da harmonia aberta das estantes para serem lançados ao caos claustrofóbico das caixas. Ali, no interior escuro do papelão, é que os livros ficam em silêncio.

Porque eu não imagino uma biblioteca como um templo silencioso. Não a minha, pelo menos. Eu a sinto como uma Babel. Não a Babel hexagonal e silenciosa de Borges, me refiro à Babel bíblica. Quando passo os olhos sobre as lombadas, ouço as vozes de todos aqueles volumes, umas sobre as outras, umas interrompendo as outras, numa sequência involuntária. As vozes costumavam ficar numa sala de 24m², clara, aberta, que recebia a luz do sol quase que ininterruptamente - a face do prédio apontava para o nor-nordeste, ou para algum ponto entre nor-nordeste e o norte. Testemunhas diurnas de minha Babel particular eram os carcarás (Polyborus plancus) que, no topo das palmeiras jerivá, de frente para varanda, construíram seus ninhos. Enquanto comia meu próprio café da manhã, costumava vê-los carregando o desjejum deles no bico: ratos ou pássaros menores. Pela manhã, eles tinham o hábito de ficar em guarda nas antenas periódicas do prédio vizinho. Eu, em fins de semana ou quando havia uma folga, sentado na cadeira de balanço, tirava os olhos de um livro, ou caderno, se estivesse escrevendo, e os via lá nas antenas, parados, atentos. Funcionavam como um alerta para mim, um espelho, um aviso: concentre-se.

Às vezes, falconídeos amontoados nas antenas reproduziriam uma cena de Os Pássaros, de Hitchcock. Aquela em que corvos se empoleiram sobre o playground da escola de Bodega Bay, na Califórnia, e esperam as crianças saírem e as atacam. I ask my wife / to wash the floor / ristle-tee, rostle-tee / now, now, now. No caso dos meus carcarás, eles se multiplicariam sobre as antenas vizinhas, depois mergulhariam em ataques rasantes para pegar, matar e comer as crianças na quadra poliesportiva, que, muito barulhentas, às vezes me distraiam. Mas nunca houve derramamento de sangue, e tais imagens sumiam quando meus transes, que suponho rápidos, acabavam.

Durante o dia, a sala-biblioteca era uma nuvem. Leve, solar. Sem reservas, era inundada pelo mundo externo. A luz natural, petulante, eliminava todas as sombras do cômodo. Não havia espaços onde segredos, risos e segundas intenções pudessem brincar.

À noite, contudo, a sala-biblioteca se transformava. Ter todos aqueles volumes na sala era como abrigar uma pequena multidão. Por estarem todos organizados, assemelhava-se a um baile são-petersburguês de Liev Tolstoi, com suas coreografias ortodoxas. Como eu participava da minha biblioteca mais à noite que de dia, sempre tinha a sensação de estar perambulando no meio de uma aristocracia dançante, ouvindo o fru-frus de seda entre uma valsa e outra. Um baile noturno interminável, que durou todo o tempo em que morei naquele apartamento.

Eu me mudei, no entanto, para outro apartamento, uma morada de frente para o Oeste, sem quadras poliesportivas por perto, mas sem carcarás ou palmeiras à vista (vigésimo andar). E ainda não tive nem tempo disponível nem disposição confessa para organizar todos os livros, extraí-los das caixas e definir as seções onde cada um ficará. Mas o tanto que já conseguiu sair do confinamento tem enfeitado o novo domicílio de uma forma mais agradável. Espalhados por toda a casa, jogados uns sobre os outros de forma aleatória (da mesma maneira que foram jogados nos hexaedros), desobedientes aos critérios de assunto, ordem alfabética, editora ou mesmo cor da capa, os livros não me fazem sentir num baile de Tolstoi, mas numa festa de Jay Gatsby. Há Freuds ao lado de Capotes, Glenn O'Briens junto a Elias Canettis, Montaignes colados a Taleses, Marcel Prousts torrando a paciência de Lionel Shrivers, George Elliots jogados aos cantos, Kafkas e Carones ainda juntos, sei lá por quê, e Dumas e Tezzas enchendo a cara.

Quando percebi a vitalidade que uma casa cheia de livros tem, reconheci que dei a resposta errada a Biúca. Aquelas caixas carregavam gente viva. Antevi que quando as abrisse os livros sairiam correndo cheios de atitude para encher a nova casa de vida, dando uma cenografia gatsbyana à minha rotina doméstica. E já para entrar no clima, já com uma disposição de Fitzgerald, presenteei Biúca e parceiros com um tipo diferente de gorjeta: uma garrafa fechada de red label. Eles adoraram, e Biúca disse:

"Gosto de gorjeta assim. Remédio pra dor na coluna."


Guilherme Pontes Coelho
Brasília, 16/10/2012

Mais Guilherme Pontes Coelho
Mais Acessadas de Guilherme Pontes Coelho
01. Nas redes do sexo - 25/8/2010
02. A literatura de Giacomo Casanova - 19/5/2010
03. Sultão & Bonifácio, parte I - 27/2/2013
04. Sultão & Bonifácio, parte II - 13/3/2013
05. Sultão & Bonifácio, parte IV - 27/3/2013


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Lanfeust De Troy. O Marfim Do Magohamoth - Volume 1
Christophe Arleston
Jupati
(2014)



Ridiculo Politico
Márcia Tiburi
Record
(2017)



Juntos no Infinito
Álvaro Basile Portughesi
Feesp
(2012)



Livro Literatura Estrangeira À Procura de Audrey
Sophie Kinsella; Glenda D Oliveira
Galera
(2015)



Uma Canção Para Jack
Celia Bryce
Vergara & Riba
(2014)



Livro Infantil A Lenda da Vitória-régia
Terezinha Éboli
Universo dos Livros
(2012)



A Volta Do Viajante Apresado
Mozart Victor Russomano
Globo
(1979)



Livro Literatura Estrangeira Renascença Assassin
Oliver Bowden
Galera
(2011)



Salerno: Invasão da Itália
David Mason
Renes
(1977)



Batman 1 - bem vindo a gotham city terra de ninguem
Abril
Abril





busca | avançada
47578 visitas/dia
1,7 milhão/mês