O que é um gênio? | Alessandro Silva | Digestivo Cultural

busca | avançada
62021 visitas/dia
2,0 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Lenna Baheule ministra atividades gratuitas no Sesc Bom Retiro
>>> “Carvão”, novo espetáculo da Cia. Sansacroma, estreia no Sesc Consolação
>>> “Itália Brutalista: a arte do concreto”
>>> “Diversos Cervantes 2025”
>>> Francisco Morato ganha livro inédito com contos inspirados na cidade
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Calligaris, o fenômeno
>>> Aflições de um jovem escritor
>>> Noturno para os notívagos
>>> As garotas do Carlão
>>> Cuba e O Direito de Amar (3)
>>> Sempre procurei a harmonia
>>> Vamos pensar: duas coisas sobre home office
>>> Men in Black II
>>> Um álbum que eu queria ter feito
>>> Os Poetões e o Poetinha
Mais Recentes
>>> Aprendendo A Conviver - Ciências - 9º Ano de Martha Reis pela Editora do Brasil (2019)
>>> O Menino, O Dinheiro, E A Formigarra de Reinaldo Domingos pela Dsop (2011)
>>> The Painting Of Modern Life: Paris in the art of Manet and his flowers de T. J. Clark pela Thames & Hudson (1985)
>>> Aprendendo a conviver Ciências - 7º Ano - Ensino fundamental II de Martha Reis pela Editora do Brasil (2019)
>>> Aprendendo a conviver Ciências - 6º Ano - Ensino fundamental II de Martha Reis pela Editora Do Brasil (2019)
>>> Exílio de Christina Baker Kline pela Tag/ Harper Collins (2023)
>>> Matematica E Realidade - 9 Ano de Gelson Iezzi E Osvaldo Dolce pela Atual (2021)
>>> Matemática Financeira E Suas Aplicações de Alexandre Assaf Neto pela Atlas - Grupo Gen (2016)
>>> Somos Todos Adultos Aqui de Emma Straub pela Harper Collins; Tag Experiências Literárias (2021)
>>> Bebel, A Gotinha Que Caiu Do Céu de Patrícia Engel Secco pela Melhoramentos (2012)
>>> Estudar Historia 8ºano de Patrícia Ramos Braick E Anna Barreto pela Moderna (2018)
>>> Cidadania e Justiça de Wanderley Guilherme dos Santos pela Campus (1979)
>>> Jó Romance de um homem simples de Joseph Roth pela Companhia Das Letras (2008)
>>> Comentários a um delírio militarista de Manuel Domingos Neto Org. pela Gabinete de Leitura (2022)
>>> Animais Marinhos de Ruth Wickings pela Ciranda Cultural (2000)
>>> Sem Logo de Klein pela Record (2002)
>>> Frestas de Trienal de Artes pela Sesc (2015)
>>> Entendendo Algoritmos: Um Guia Ilustrado Para Programadores E Outros Curiosos de Aditya Y. Bhargava pela Novatec (2021)
>>> 50 Histórias De Ninar de Vários Autores pela Girassol (2010)
>>> O Quinto Risco de Michael Lewis pela Intrinseca (2019)
>>> Como As Democracias Morrem de Steven Levitsky/ Daniel Ziblatt pela Zahar (2018)
>>> A Era das Revoluções: 1789-1848 de Eric J. Hobsbawn pela Paz e Terra (1977)
>>> O Último Restaurante De Paris de Elisa Nazarian pela Gutenberg (2023)
>>> Todo Amor Tem Segredos de Vitoria Moraes pela Intrinseca (2017)
>>> O Outro Lado Da Meia-noite de Sidney Sheldon pela Record (2009)
COLUNAS

Quarta-feira, 1/10/2003
O que é um gênio?
Alessandro Silva
+ de 6900 Acessos

No clube de xadrez de São Paulo, há uma figura lendária. Nome: Cajá.

Certa feita - estávamos reunidos em volta de um tabuleiro - ele disse:

- Sabe o que é a inteligência? Está vendo aqueles livros - eram muitas prateleiras -, inteligente é quem depois de lê-los os resume em três frases.

Somente muito depois eu vim a saber quem era o Cajá.

Aos dezesseis, havia chegado perto do título de campeão brasileiro.

A minha estupefação ocorreu antes de tomar conhecimento de "Xadrez para Principiantes", livrinho clássico da Ediouro bastante básico e divertido. Lá narram-se histórias incríveis, feitos memoráveis de grandes campeões, como as lendárias "partidas às cegas" do grande campeão norte-americano Morphi, do cubano Capablanca e do assombroso Bob Fischer.

O contato com esse livro à época, bem como com o irônico "Mitos em Xeque", do Fernando Arrabal, dava-me a medida do gênio, indo além, um padrão de análise para o Cajá.

Pude perceber que o Cajá não gostava de banhos, falava mansamente e jamais desperdiçava um gesto ou uma palavra. Era misógino e, indo além, não tinha sexo. Tudo que tinha era massa, muita massa corporal.

Fato é que seus lances sobre o tabuleiro eram como migalhas atiradas aos pombos; com efeito, tinha algo de desprezível pelo oponente. No mais, quando metia-se numa discussão, citava Pavlov com uma segurança olímpica e dava o tema por encerrado.

Cajá então era médico epidemiologista. Dava plantão em dois hospitais nas periferias de São Paulo e deslocava-se consideravelmente entre um e outro.

Naturalmente, na rua, os transeuntes não davam um tostão furado pelo Cajá. Dir-se-ia que não passava de um mendigo.

Depois que me desliguei do clube, sua figura permaneceu para mim como o paradigma do gênio. Muito tempo depois, lendo Henry James, nada pude encontrar de semelhante em Penberton, o jovem protagonista da maravilhosa novela "O Discípulo".

Exatamente porque Penberton é apenas um garoto - extremamente frágil, bastante vivaz e cheio de curiosidades e observações que normalmente só dizem respeito ao mundo adulto.

Na época, próximo da Faculdade Getúlio Vargas, eu costumava entre uma cerveja e outra disputar uma partida de xadrez naquela lanchonete que por muito tempo caiu nas graças dos travestis e dos invertidos, "A Vassoura das Bruxas". Então, certa feita meu adversário ergueu a cabeça do tabuleiro e me disse apontando o indicador para um mendigo enrrolado em um cobertor:

- Estudou comigo na Politécnica. Falava três línguas com fluência. Ficou desse jeito depois que a mãe morreu.

Na mesma época, eu descobria os poemas daquele poeta alemão, morto muito cedo, e que nos legou "De Profundis", Georg Trakl.

O meu contato se deu através das "Investigações Filosóficas" de Wittgenstein. Na introdução, era citada uma frase do filósofo segundo a qual o maior exemplo de gênio para ele seria o de Trakl. Wittgenstein havia criado uma bolsa de auxílio aos poetas e infelizmente Trakl não pôde ser ajudado porque veio a falecer na época.

Não é preciso citar Rilke para dar crédito ao que disse o filósofo. Quem conheça basicamente a poesia de Blake ou tenha familiaridade com algum dos cantos do Inferno do Dante, entende porque Trakl era gênio. Em singelos versos, ele nos faz enxergar um mundo quase pré-histórico.

E, naturalmente, como o que observa tem muito do observado, não posso deixar de mencionar os estados de superexcitação que nos trás o mundo das "Aulas" de Ludwig Wittgenstein, sendo que aquilo que disse do seu poeta preferido, deve ser aplicado em mesma medida a ele: pois é quem nos dá ainda melhor a idéia de gênio.

Coincidência ou não, ao fim da vida Wittgenstein vestia-se, tal como o Cajá, como um farroupilha.

Coincidência ou não com uma das particularidades do Cajá, a crermos nas notas de sala de aula compiladas por seus alunos em "Aulas", Wittgenstein sustentava uma segurança olímpica ao, muito decartianamente, pôr as coisas em dúvida.

Não obstante, há gradação de opiniões quanto à determinação exata do termo "gênio".

A crer em meu amigo Heraldo Vasconcellos, que gosta de citar o Millôr, a literatura talvez seja a prática que melhor define o gênio. Porque ele diz em relação aos enxadristas:

- Inteligência para quê? Para jogar xadrez?

Se é a capacidade de expressar-se laconicamente o que define o gênio, então é natural que pensemos em Rimbaud, pois ninguém mais do que ele levou tão ao limite um poder de comunicação elíptico ( sem considerar aqui o experimentalismo de Ezra Pound ).

( Quanto a James Joyce, é melhor não falarmos, pois Deus pode se sentir ofendido. )

Toda essa questão do gênio ocorre-me agora por um motivo.

Tem a ver com alguns poemas do Manuel Bandeira.

É sabido que "Libertinagem" é um dos livros exigidos para os vestibulandos da Fuvest. Sendo assim, é muito natural nos perguntarmos porquê de uma banca docente exigir de nós que saibamos, a exemplo, como funciona um liquidificador mas não uma batedeira, porque "Libertinagem" e não "Gabriela Cravo e Canela".

Confesso que mui presunçosamente, eu ataquei o material quase como um cão raivoso, afinal de contas, descobrir que o que nos pedem é simples como uma bolha de sabão é como descobrir que a mentalidade de quem nos pede é simples como um canudinho.

Agora me ocorre a palavra simples. Simples é o que são os poemas de "Libertinagem", são de uma simplicidade quase prolixa.

Sei que correrei o risco de escapar um pouco do meu tema, mas é que necessito dizer que, a mim não restam dúvidas, Manuel Bandeira fez pelo Brasil aquilo que Whitman fez pelos USA.

Um indivíduo, um poeta, constrói um poema que nos conta que sua primeira namorada, aos seis anos, foi um porquinho da índia. Isso nos põe perplexos exatamente por nos fazer interrogar: porque um tal poema foi aceito?

A chave para compreender Bandeira é aceitar a loucura de forma tão plena quanto desavisada, pois em "Libertinagem" reside uma espécie de loucura tão infantil quanto sábia. Ela nos põem de pé atrás, na verdade nos desarma. E é nisso que reside sua grandeza.

Aquela velha raposa ( O Bandeira ) deve ter percebido em dado momento que o que se produzia em matéria de literatura em sua época estava de tal modo eivado de competição, de academicismo, de preciosismo literário, que o que deveria levar adiante era exatamente o oposto de uma obra de punho e colarinho; em suma, que exatamente o ideal a se fazer era cantar com um lirismo quase santo em suas pretensões. O resultado dessa inclinação pura, em pôr de parte o mal, e por extensão, o egoísmo e as querelas de ciúmes que presidem muito naturalmente aos meios literários, em suma, o modo que encontrou para exorcizar a sua "fogueira de vaidades", foi através de um estado de espírito tão puro quanto não-competitivo, bem ao modo de Paul Valery.

Gasta-se uma hora na leitura de "Libertinagem" e a princípio nós vamos subestimar seu conteúdo. Mas com o passar dos dias a coisa vai fazendo efeito, vão nossos gestos sendo invadidos daquela alegria vadia

Uns tomam éter, outros cocaína
Já tomei tristeza, hoje tomo alegria

Até que nos põem perplexos.

No Brasil, o que me dá hoje em dia melhor a idéia de gênio são os poemas de "Libertinagem", do Manuel Bandeira.


Alessandro Silva
São Paulo, 1/10/2003

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Notas confessionais de um angustiado (Final) de Cassionei Niches Petry
02. Super-heróis ou vilões? de Cassionei Niches Petry
03. Autoajuda e Poesia de Mariana Portela
04. O que em silêncio sabemos de Marilia Mota Silva
05. As letras da memória de Guga Schultze


Mais Alessandro Silva
Mais Acessadas de Alessandro Silva em 2003
01. O Apanhador no Campo de Centeio - 23/4/2003
02. O Príncipe Maquiavel - 7/2/2003
03. A bunda do Gerald Thomas - 3/9/2003
04. Até tu, Raquel! - 12/11/2003
05. O Telhado de Vidro - 9/7/2003


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




O Que é Taylorismo
Margareth Rago; Eduardo F. P. Moreira
Brasiliense
(1984)



Contos de Aprendiz
Carlos Drummond de Andrade
Record
(1997)



Cartas Da Prisão 1969-1973
Frei Betto
Agir
(2008)



A Bruxinha Que Ficou Doentinha
Luiz Antonio Aguiar
Galerinha Record
(2013)



Bac Français 1ere L - 1999
Diversos Autores
Belin
(1998)



Segredos da Vida
Selma Rutzen (Compilação)
Eko
(2023)



Aventuras Do Marujo Verde
Gláucia Lemos
Atual
(2003)



Um Romance Antigo - 1ª Edição
Claudio de Souza
São Paulo
(1933)



Um Certo Suicídio
Patricia Highsmith
Best Seller



Vendas 3. 0 Compacta
Sandro Magaldi
Elsevier
(2013)





busca | avançada
62021 visitas/dia
2,0 milhões/mês