O traidor Mark Twain | Urariano Mota | Digestivo Cultural

busca | avançada
39923 visitas/dia
2,0 milhões/mês
Mais Recentes
>>> “DESIGN versus DESIGUALDADES: Projetar um mundo melhor”
>>> “O Tempo, O Feminino, A Palavra” terá visita guiada no Sérgio Porto
>>> Marés EIN – Encontros Instrumentais | Lançamento Selo Sesc
>>> renanrenan e Os Amanticidas
>>> Ekena canta Elis
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
Colunistas
Últimos Posts
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
>>> Claude 4 com Mike Krieger, do Instagram
>>> NotebookLM
>>> Jony Ive, designer do iPhone, se junta à OpenAI
>>> Luiz Schwarcz no Roda Viva
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Apresentação
>>> O cérebro espiritual, de Mario Beauregard
>>> Rejeição
>>> A trilogia Qatsi
>>> A música em pauta no CCBB
>>> Breu e 21, do Grupo Corpo
>>> Your mother should know
>>> Redescobrir as palavras, reinventar a vivência
>>> A mitologia original de Prometheus
>>> Senhor Amadeu
Mais Recentes
>>> Terra Brasil de Araquem Alcantara pela Dba (1998)
>>> Almanaque Disney nº 40 de Disney pela Abril (1974)
>>> Pintores de Ouro Preto de Angelo Oswaldo pela VC editorial (2004)
>>> Plantas Ornamentais no Brasil de Harri Lorenzi e Hermes M. de Souza pela Plantarum (1995)
>>> O Medo à Liberdade de Erich Fromm pela Zahar (1964)
>>> Palácio das indústria memória e cidadania de Eugenio alex wissenbach pela Método (1992)
>>> Spiritus - les instituts missionnaires, quel avenir? de Robert schreiter pela Sommaire (2002)
>>> Low cost roads de L.odier pela Unesco (1971)
>>> Mamãe eu quero de Sonia hirsch pela Sonia hirsch (1984)
>>> Aves de fernando de noronha - de Robson silva e silva pela Avis brasilis (2008)
>>> A ecinômia brasileira e suas persperctivas de Apec pela Apec (1971)
>>> Mostra pan africana dearte contemporânea de Solange oliveira farkas pela Associação cultural (2005)
>>> Estudos sobre a eficiêncis econômica e competitividade da cadeia agroindustrial sa pecuária de corte no brasil de Sebrae pela Iel, cna e sebrae (2000)
>>> Além da hierarquia de Antonio cesar amaru maximiano pela Atlas (1995)
>>> Remuneração, benefícios e relações de trabalho de Adalberto chiavenato pela Atlas (1998)
>>> Gerenciamento de qualidade de Brocka,bruce pela Makron books
>>> Sucesso em marketing - casos brasileiros de Marcos cobra pela Atlas (1991)
>>> Oratória, liderança, eficiência pessoal de Admir ramos pela Didática irradiante s.a (1969)
>>> O mediterrâneo e o mundo mediterrânico de Fernand braudel pela Martins fontes (1979)
>>> Reengengaria - dinâmica para a mydança de Daniel augusto moreira pela Pioneira (1994)
>>> A Nova Terapia do Sexo de Helen Singer Kaplan pela Nova Fronteira (1974)
>>> Gerência á brasileira de Ágrícola de souza bethlem pela Mcgraw-hill (1989)
>>> O contrato de Enzo roppo pela Livraria almeida (1977)
>>> A prática do planejamento participativo de Danilo gandin pela Vozes (1994)
>>> Sistema de apoio á decisão de Fábio vinicius binder pela Érica (1994)
COLUNAS

Segunda-feira, 3/11/2003
O traidor Mark Twain
Urariano Mota
+ de 3600 Acessos

O livro "Patriotas e Traidores - Antiimperialismo, política e crítica social", uma seleção de artigos e ensaios de Mark Twain, acende e acorda no leitor vários movimentos e surpresas. A principal surpresa é a de ver que o autor de Tom Sawyer está longe de ser um escritor para crianças e adolescentes. Entenda-se, por favor, a descoberta: escritores para crianças são ótimos, quando escrevem para humanos de todas as idades, como num diálogo com a graça da flor rara que foi Hans Christian Andersen. Escritores para crianças são péssimos, quando escrevem para uma idealização da infância, e em vez de escritores infantis, para infantes, tornam-se infantis, idiotas. A surpresa que o leitor recebe se deve à fala de Mark Twain para adultos quando adultos, e sob um ângulo, como dizê-lo, já que se trata de uma surpresa?, vá lá, sob um ângulo absolutamente novo. Se não, como classificar palavras de Twain do gênero

"Ele nada tinha de pessoal contra mim, exceto o fato de eu me opor à guerra política, e me chamou de traidor por não ter ido lutar nas Filipinas. Mas isso não prova nada... Seria completamente diferente se a vida do país estivesse em perigo... mas quando não se trata de qualquer ameaça à nação, mas apenas de uma guerrinha distante, então pode se dar que a nação se divida em torno da questão política, metade patriotas, metade traidores..."?

E tal surpresa tem uma explicação, que desculpa e perdoa a nossa ignorância. A introdução ao livro, assinada por Maria Sílvia Betti, é bem esclarecedora. Twain foi, durante décadas, até a segunda metade do século XX, expurgado, purificado, censurado. Ou por razões de Estado, de propaganda, de política externa norte-americana, ou de negócios (o que vem tudo ao fim dar no mesmo), recebemos e lemos todos um Mark Twain ótimo para crianças e adolescentes, um bom humorista de costumes para adultos, e um escritor absolutamente cego ao sangue arrancado a outros povos pelos Estados Unidos. Um inofensivo indivíduo de museu, espécime do século XIX, com um babado charuto na boca. Segundo Maria Sílvia Betti, o biógrafo oficial e executor do testamento literário de Twain foi também um ativo personagem da execução de sua memória.

"O que caracteriza a relação de Paine", o biógrafo e testamenteiro homicida, "com o material ficcional e ensaístico de Mark Twain é seu desejo de acomodar a imagem do autor aos moldes do estereótipo que a opinião pública foi levada a fixar e que, evidentemente, deixava de lado os aspectos de sua crítica ao imperialismo norte-americano. A preocupação de Paine a esse respeito é explicitada em uma carta que ele dirige a um editor da Harper & Brothers em 1926, sugerindo que todos os esforços possíveis fossem feitos para evitar que outros ensaístas ou pesquisadores escrevessem sobre o autor, sob pena de verem a imagem do Twain 'tradicional', que haviam preservado, começar a perder o brilho e a transformar-se. O apelo do biógrafo à casa editora encontra respaldo num argumento poderoso dentro da lógica do mercado editorial: o fato de que, em sua avaliação, o material literário de que a Harper era proprietária sofreria, se isso acontecesse, um processo de depreciação, decorrente da agregação de aspectos que destoariam dos já estabelecidos pela fortuna crítica do escritor" .

O Twain que até então conhecíamos, ao lado do criador de Huckleberry Finn e de Tom Sawyer, era um Twain dos primeiros tempos, do contista das cidadezinhas do oeste dos Estados Unidos, da Célebre Rã Saltadora, do contador de anedotas, como na História de Um Inválido. Dizia-se dele, até, que não era um pensador, mas uma força natural que sacudira o mundo de rir, como um primitivo, como um Adão norte-americano, que tudo vira com olhos inocentes. A sua técnica, dizia-se, era essencialmente oral, e grande era a preferência pelas narrativas autobiográficas. Já se vê, pelo espólio que se impunha a Twain, que se pode caluniar uma pessoa sob um manto de elogios. Ora, o Twain resgatado é infinitamente melhor e mais humano. Ele é o contista de uma obra-prima sufocada pela tradição de censura, sufocada já a partir do título, "O homem que corrompeu Hadleyburg". Esse conto, cuja recuperação do tema por Howard Fast sofreu perseguição do macarthismo, é uma história com o ardor de um açoite sobre toda hipocrisia. Nela, uma cidadezinha orgulhosa de sua absoluta honestidade, de ser a mais incorruptível dos Estados Unidos, pois que se protege ostensivamente de toda tentação, como frades reclusos... enfim, após três gerações de homens de moral imaculada chega ao fim sem um só cristão íntegro.

Esse Twain que agora descobrimos é o pensador que não precisa pedir a bênção a Voltaire. Ele nos escreve coisas como "A primeira coisa que um missionário ensina a um selvagem é a indecência". Ou "Uma das provas da imortalidade da alma são os milhões que nela acreditaram. Mas eles também acreditaram que a Terra era plana". Ou quando declara que se tivesse de escolher entre o céu e o inferno ficaria com os dois. "O Céu pelo clima. O Inferno pela companhia". Esse Twain revelado é o autor que aponta o dedo contra o imperialismo do seu país, tão atual, tão moderno, que parece apontar contra os Estados Unidos de Bush, ao parodiar o cinismo das desculpas para a guerra:

"(...) Fomos traiçoeiros, mas foi apenas para que o bem emergisse do mal aparente. É verdade que esmagamos um povo iludido e confiante; atacamos os fracos e sem amigos que confiavam em nós (...) apunhalamos um aliado pelas costas e esbofeteamos o rosto de nosso hóspede; compramos uma mentira de um inimigo que nada tinha para vender; roubamos a terra e a liberdade de um amigo confiante; convidamos nossos jovens a apoiar no ombro um fuzil desacreditado e os obrigamos a fazer o trabalho que geralmente é feito por bandidos, sob a proteção de uma bandeira que os bandidos aprenderam a temer, não a seguir; corrompemos a honra americana e maculamos seu rosto perante o mundo, mas cada detalhe visava o bem (...)".

Esse Twain, enfim, é um Twin, é um gêmeo nosso, um irmão de humanidade. É um bravo que se volta contra a covardia de linchamento de negros, contra a perseguição a chineses em San Francisco, contra o império dos negócios que sobrevivem sobre um mar de sangue. O movimento final que temos é o de abraçar esse gêmeo, esse gênio, latino, europeu, asiático, africano. Que nova luz recebemos! Queremos dizer, como ficou bom voltar a ler as aventuras de Tom Sawyer e de Huckleberry Finn.

Para ir além






Urariano Mota
Olinda, 3/11/2003

Mais Urariano Mota
Mais Acessadas de Urariano Mota em 2003
01. Lulu Santos versus Faustão - 11/7/2003
02. A nova escola - 29/8/2003
03. Alfredo Bosi e a dignidade da crítica - 18/4/2003
04. O chimpanzé, esse nosso irmão - 20/6/2003
05. O rei nu do vestibular - 8/12/2003


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




A Felicidade
Mauricio Pagotto Marsola
Wmf Martins Fontes
(2015)



Alex Flemming
Roseli Ventrella; Valéria Desouza
Moderna
(2007)



Desenvolvimento Sustentável - Educação Ambiental
Wagner Feldmann
Pae
(2012)



A Classe Em Acção
Robert Dottrens
Estampa
(1960)



Um Senhor Amigo
Ciranda Cultural
Ciranda Cultural
(2009)



Auto ajuda mas com ajuda do alto
Noélio Duarte
Daprewan
(2010)



Marketing - Edição Compacta
Philip Kotler
Atlas
(1990)



Queno-curumim e o Gigante Destruidor
José Américo de Lima
Ática
(1999)



Triste Fim de Policarpo Quaresma - Objetivo
Lima Barreto
Objetivo
(1998)



Descobrindo o teorema de pitágoras 539
Luiz Márcio Imenes
Scipione
(2000)





busca | avançada
39923 visitas/dia
2,0 milhões/mês