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Quinta-feira, 31/3/2005
Anjos Caídos, de Tracy Chevalier
Ricardo de Mattos
+ de 8400 Acessos

O século XX existe há apenas onze horas e sei muito bem que o que mudou foi só um número

Tracy Chevalier (1.962), escritora norte americana radicada em Londres, escreve sobre o que a encanta. Seu primeiro livro, A Virgem Azul, ainda não foi traduzido para o português. Seguiu-se-lhe Moça Com Brinco de Pérolas, adaptado no ano passado para o cinema e rendendo um filme homônimo. Já tive oportunidade de comentá-lo para o Digestivo Cultural. O terceiro, objeto d’esta coluna, recebeu o título Anjos Caídos. O quarto e último, que a exemplo do primeiro ainda não foi vertido para o nosso idioma, é A Dama E O Unicórnio.

Se o último título remete a dois quadros do Renascimento Italiano, a inspiração direta e declarada está nas tapeçarias medievais com o tema, bem como no seu apreço pelo animal mitológico. Em Moça Com Brinco de Pérola ela patenteou sua admiração pelo pintor holandês Jan van Vermeer. Sem a homenagem, já o disse, ter-se-ia um romance sobre as desventuras d'uma criada enamorada pelo senhor. No caso de Anjos Caídos, melhor que o anterior, a autora detém-se sobre dois assuntos: as pompas fúnebres do período vitoriano e o movimento sufragista feminino. Ela gostou tanto do cemitério Highgate, fundado no ano de 1.830 em Londres, que para conhecê-lo melhor iniciou um trabalho voluntário como guia, esclarecendo os visitantes sobre etiqueta lutuosa, monumentos funerários e o simbolismo envolvido.

Chevalier manteve seu costume de dividir a narrativa em períodos de tempo ao invés de numerar os capítulos. Anjos Caídos inicia-se em Janeiro de 1.901 com o falecimento da rainha Vitória e encerra-se em Maio de 1.910 com o de Eduardo VII. D’esta forma, a história evolui com método, uma coisa após a outra, sem grandes retornos ou surpresas, causas e efeitos logicamente ligados. Voltando-se ao começo do livro, percebe-se que nada foi esquecido. Se em ...Brinco de Pérola a jovem Griet é a única narradora, o novo romance traz um verdadeiro oratório, cada personagem falando a seu tempo. Por felicidade, a primeira intenção da autora foi afastada. Nas primeiras partes cada personagem manifesta-se sobre uma das faces de determinado acontecimento. Posteriormente, as vozes alternam-se na continuidade d’uma trama só. Deixou-se a espiral e adotou-se com vantagem a linha reta.

Apesar das matérias do romance parecem de difícil casamento, houve sucesso na urdidura. O envolvimento na causa sufragista tira a personagem Kitty Coleman da mórbida melancolia em que caiu após abortar um filho adulterino. A escritora recria o espírito da época sem preocupar-se com a exatidão, causa de falência de muitos romances históricos. Emily Pankhurst, que fundou em 1.903 na Inglaterra o movimento pelo voto feminino chamado União Social e Política das Mulheres, tem uma participação breve e muda. Caroline Black, outra personagem de destaque, não teve suas falas repetidas tal como deixadas em seus escritos. A cena do cavalo pisoteando Kitty Coleman no curso d'uma passeata é adaptação d'um fato real ocorrido já no reinado de Jorge V.

Quanto ao culto vitoriano dos mortos, Chevalier é mais descritiva que reflexiva. Se tivéssemos pressa, seu alter ego perfeito seria a personagem Lavínia Waterhouse, impressionada com o rito e descuidada do significado. Todavia, ela quer justamente retratar a transição entre a era vitoriana com seus códigos mortuários rígidos e o mundo moderno onde a Morte é algo indigesto e de atenção imerecida. Na atualidade o luto restringe-se a uma desculpa para faltar ao trabalho. Conheço uma pessoa que conseguiu três dias de nojo por um tio nunca visto. Não assim após 1.861, ano da morte por febre tifóide do príncipe Albert, marido da rainha Vitória. A soberana usou luto perpétuo e por treze anos retirou-se completamente da vida pública. A nação seguiu, aperfeiçoou e esmiuçou o exemplo real. Acredito que muitas das regras vigentes até anos recentes originaram-se ou foram retomadas n’esta época. Certo manual de etiqueta social publicado em meados da década de sessenta do século XX determina que a esposa use luto durante dois anos pela morte do marido, sendo um ano de luto fechado e um de luto aliviado. Regra pouco mais rígida é citada em Anjos Caídos: um ano e meio de luto fechado e seis meses de luto aliviado. É reservado à viúva o direito de enlutar-se definitivamente ou até novas núpcias. Não bastava o sentimento, havia a obrigação de vestir o traje negro, ausentar-se de festas...

O luto possuía expressão sentimental. Se houve verdadeiro afeto pelo ente falecido a pessoa enlutada recebia da sociedade um período para refazer-se do abalo, o que era mais saudável do que pode parecer. Vivemos outros tempos, é certo. Contudo não são poucos aqueles que retomam de imediato seus afazeres e ficam chorando pelos cantos, causando constrangimentos aos outros. Tudo é lei, costume e aparência. Comparecendo a um velório ou visitando um cemitério, o que me intriga é saber o que será ou já foi encerrado no monumentum foetidum. O que ocultam tantos nomes seguidos de datas, algumas vezes acompanhados de fotografias. Qual o grau de discrepância entre a imagem legada e a existência real.

RETRATO – VI
Padre Benedictus


... lia coisas que nunca acontecem na vida, mas ouvi-la era agradável, reconfortante, pela cabeça passavam pensamentos bons e serenos ...
(Iônitch, por A. P. Tchekhov)

A paróquia de Santa Maria Egipcíaca abrange todo o Jecoaba-Mirim, distrito único de Sant’Ana do Jecoaba. O pároco é o octogenário padre Benedictus s.c.j.. Nasceu Benedito, porém a Irreverência alterou o nome do idoso senhor, considerando o Latim como idioma conveniente às coisas e pessoas antigas. A igreja construída na segunda metade do século XIX tem à direita um cemitério e à esquerda um roseiral cultivado pelo padre desde sua confirmação na direção da freguesia. Aos fundos, isto é, saindo pela sacristia, um caminho de cascalho leva até a morada do religioso, uma casa térrea e rústica, de cozinha famosa a cargo de Ismênia. Ladeando este caminho, canteiros de temperos e plantas medicinais cultivados com capricho, nos quais não se vê um pedregulho ou mato.

Diariamente, após a última missa do dia, Tatuzinho posta-se à entrada da casa. Trata-se do cachorro branco, roliço e de pernas curtas. Ganhou o nome por causa das escavações que fazia quando filhote. Senta-se, coça a orelha – Ismênia diz que ele está tocando viola – e começa a ganir e sapatear ao ver o dono chegar. O venerando padre aproxima-se batendo palmas e perguntando Cadê o Tatuzinho? e por sua vez senta-se no banco de cimento ao lado da porta. O animal sobe-lhe aos joelhos ossudos e recebe afagos até a empregada chamar para a sopa. O sacerdote levanta-se e arrasta os pés até a cozinha onde escolhe seu assento em conformidade com a estação – junto ao fogão, no inverno, junto à porta, no verão – e dá seu toque final ao prato. Este toque é um costume herdado de seu pai. Padre Benedictus derrama um dedo de vinho na sopa, esfarela inteiro um pãozinho caseiro, tira lascas do parmesão conservado na prateleira. Benze-se, bem como benze Ismênia, o prato e o cão para só então iniciar a refeição.

Oitenta anos completos, agora o padre Benedictus emociona-se toda vez que passa diante do seu armário de livros. Abre-o, e com o peito embargado alisa as lombadas gastas dos volumes. A obra completa de Santo Agostinho e os vários tratados de São Tomás de Aquino. Todo o trabalho de São João da Cruz e a autobiografia de Santa Teresinha do Menino Jesus, que leva o visitante mais atento a entender o roseiral já referido. A comoção do padre surgiu em seu natalício, ao atinar que dia a dia aumenta a possibilidade d’ele estar pessoalmente com seus mestres, caso seja considerado de freqüentar o local onde encontram-se. O padre planeja prestar contas a Deus de seus atos e pensamentos terrenos para depois, sendo-lhe permitido, cumprimentar cada um dos seus mestres.

Além da celebração do sacramento e da liturgia, padre Benedictus esmera-se o quanto pode na conservação do matrimônio contraído pelos fiéis. É muito procurado em casa para aconselhamento. Onde quer que esteja, começa a ouvir o desabafo do homem ou da mulher – ou de ambos – que o procura. Muitas vezes está roçando sua horta com ar desatento, mas tanto em corpo quanto em alma ele distingue com olho sábio o que é erva daninha e o que é planta apta a florescer e frutificar. O padre é corajoso. Aponta sem medo os problemas ou saídas. Procuram-no todos, mas apenas os igualmente corajosos retornam. Esgotando o fiel seu monólogo, o padre apóia-se em seu braço, sacode a terra dos sapatos e da barra da batina, brinca com o Tatuzinho e inicia seu sermão privado. Meus caros João e Eunice, o fato de eu não ser casado segundo os costumes do mundo não impede que meu coração compadeça-se e compartilhe de suas angústias. De fato, continua ele, quero que o casamento de vocês floresça tanto quanto julgo ter florescido o meu com a Santa Madre Igreja, esta velha resmungona. Obtida a descontração almejada, retorna:

– Você, João, foi batizado quando eu ainda era diácono. De você, Eunice, lembro até da cor do seu vestido ao vir com seu pai marcar o dia da celebração. E estende-se conforme o necessário para resolver a crise. Sempre encerra diante do altar, sentado no primeiro banco, com a mão de cada esposo entre as suas, rezando um terço. Após a última oração, despede-se matreiro. Agora vão e não me atormentem mais. Perfila-se sorrindo enquanto o casal sai.

Para ir além






Ricardo de Mattos
Taubaté, 31/3/2005

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