Ler Oswald Spengler em 2014 | Celso A. Uequed Pitol | Digestivo Cultural

busca | avançada
41111 visitas/dia
2,0 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Inscrições abertas para o Festival de Cinema de Três Passos
>>> Lenna Bahule e Tiganá Santana fazem shows no Sons do Mundo do Sesc Bom Retiro
>>> CCBB Educativo realiza oficinas que unem arte, tradição e festa popular
>>> Peça Dzi Croquettes Sem Censura estreia em São Paulo nesta quinta (12/6)
>>> Agenda: editora orlando estreia com livro de contos da premiada escritora Myriam Scotti
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
Colunistas
Últimos Posts
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
>>> Claude 4 com Mike Krieger, do Instagram
>>> NotebookLM
>>> Jony Ive, designer do iPhone, se junta à OpenAI
>>> Luiz Schwarcz no Roda Viva
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Quem é (e o que faz) Julio Daio Borges
>>> A importância do nome das coisas
>>> A revista Bizz
>>> Temporada 2008 do Mozarteum Brasileiro
>>> O iPad muda tudo? #tcdisrupt
>>> Vida e morte do Correio da Manhã
>>> E a Holanda eliminou o Brasil
>>> Magia Verde
>>> A loucura por Hilda Hilst
>>> Uma suposta I.C.
Mais Recentes
>>> Paul Ricoeur de A a Z de Donizete José Xavier (Org.) pela Fons Sapientiae (2019)
>>> Livro Imperatriz No Fim Do Mundo de Ivanir Calado pela Ediouro (2001)
>>> Ensinamentos Sexuais Da Tigresa Branca de Hsi Lai pela Aquariana
>>> Livro Transurfing Escolha Sua Realidade Murmúrio das Estrelas Matutinas Volume 2 de Vadim Zeland, traduzido por Júlia Bárány pela Barany (2024)
>>> Mais Rápido Que A Velocidade Da Luz - A História De Uma Especulação Científica de João Magueijo, Paulo Ivo Teixeira pela Record (2003)
>>> A Cidade Do Sol de Khaled Hosseini pela Globo (2017)
>>> A Policia Da Memoria de Yoko Ogawa pela Estação Liberdade (2023)
>>> Livro A Visita de Antje Damm pela Claroenigma (2018)
>>> Livro A Queda De Lorde Drayson Série Tanglewood volume 1 de Rachael Anderson pela Pausa (2019)
>>> Livro Transurfing Escolha Sua Realidade Maçãs Caem ao Céu Volume 5 de Vadim Zeland, traduzido por Júlia Bárány pela Barany (2024)
>>> A Devolvida de Donatela Di Pietrantonio pela Faro (2019)
>>> O Nascimento da Clínica de Michel Foucault pela Forense Universitaria (1994)
>>> Da Alma Ao Corpo Físico de Décio Iandoli Júnior pela Ame Brasil (2020)
>>> Livro Clube Dos Anjos Plenos Pecados de Luis Fernando Verissimo pela Objetiva (1998)
>>> Introdução à Análise Econômica de Paul A. Samuelson pela Agir (1969)
>>> Quinquilharias Nakano de Hiromi Kawakami pela Estacao Liberdade (2025)
>>> Além da Terra de Antonio Julio de Menezes Neto pela Quartet (2003)
>>> Crepúsculo De Outono de Antonio Demarchi pelo espírito irmão Demarchi pela Petit (2013)
>>> Fazer Acontecer de Julio Ribeiro pela De Cultura (1994)
>>> Livro Amigos Do Planeta Azul de Fernando Carraro pela Ftd (2006)
>>> Livro A Galatéia Coleção Biblioteca Universal Espanha Volume 14 de Cervantes pela Editora Três (1974)
>>> Surpreendentes X-Men : Destroçados (edição especial encadernada - semi lacrado) de Joss Whedon - John Cassaday pela Marvel Panini Comics
>>> Livro O Caminho Da Felicidade Não Está Longe de Você de Gustavo Bessa & Ana Paula Valadão Bessa pela Vida (2022)
>>> Livro Formulário de Eletrônica Todas as Leis Fundamentais da Eletricidade e da Eletrônica de Francisco R. Vassallo pela Hemus (2005)
>>> Stranger Things Cidade nas Trevas Vol 2 de Adam Christopher pela Intrinseca (2020)
COLUNAS

Terça-feira, 25/3/2014
Ler Oswald Spengler em 2014
Celso A. Uequed Pitol
+ de 5300 Acessos

Quando A Decadência do Ocidente foi publicado pela primeira vez, em julho de 1918, poucos poderiam imaginar - e decerto não o seu autor, Oswald Spengler - que, em menos de quatro anos, o primeiro tomo da monumental obra venderia nada menos do que 53 mil exemplares, cifra que viria a se repetir com a publicação do segundo tomo. Um verdadeiro best-seller, portanto. Mas um best-seller que poderíamos qualificar de improvável, o que é devido, sobretudo, a dois obstáculos nada desprezíveis.

O primeiro era a crise econômica vivida na Alemanha após a guerra de 1914-1918, que limitava as compras da maioria da população ao básico indispensável. O segundo era o próprio livro: Spengler apresentava ao leitor mil páginas de um texto denso e exigente em que, passeando pelas realizações, sucessos e declínios de oito culturas distintas, concluía que, por mais grandiosas e extraordinárias que fossem ou parecessem em seu tempo, elas não passavam de organismos que, como todos os organismos, estavam destinados à mesma sorte banal de uma planta ou uma espécie: a de nascer, crescer e, por fim, desaparecer. Além disso, a mais recente das culturas humanas, a Ocidental, encontrava-se justamente no seu estágio final de existência. Um livro, em tese, para poucos iniciados. Pois A Decadência do Ocidente passou por cima dos dois obstáculos, o que é prova da urgência da reflexão que propunha naquele momento.

Não é de se crer que a Forense Universitária, responsável por esta nova publicação da obra (na tradução feita por Herbert Caro, um dos maiores divulgadores das letras germânicas no em nosso país) vá esperar sucesso semelhante no Brasil, mesmo sendo esta a edição condenada pelo professor Helmut Werner, que reduziu a gigantesca obra original a menos da metade. Afinal, o Brasil, enquanto Brasil, não vê nada parecido com os anos de decisão - titulo, aliás, de outro livro de Spengler - vividos na Alemanha pós-1918. Mas o Brasil enquanto Ocidente vê, sim, a necessidade das reflexões de Spengler para uma cultura que se vê sem rumo, acuada pelo medo de si e dos outros e incapaz de impor-se e de fazer-se ouvir num mundo complexo. Nossos anos são, de certa maneira, também "anos de decisão". Por isso, a leitura - atualizada e crítica - de Spengler se impõe também a nós, ocidentais do novo milênio.

É importante atentarmos aqui para um fato fundamental: o de que os brasileiros podemos, neste A Decadência do Ocidente, usar o pronome "nós" quando fazemos referência ao problema que ele apresenta. Quem o diz é o próprio Spengler logo no começo da obra, quando afirma que, por Ocidente, entende a cultura da Europa e das Américas - e não da América, querendo dizer somente a América do Norte, os Estados Unidos e o Canadá. Não é pouca coisa. Os estudos dos últimos trinta anos que abordam a temática decadentista - e creio ser correto falarmos que há tal temática dentro das ciências humanas no último século - normalmente excluem a América Latina do grupo de países ocidentais. É o que faz um Niall Ferguson, por exemplo, ou, em nível ainda mais baixo, um Patrick Buchanan, os dois na esteira de Samuel Huntington. Para eles, o Ocidente, The West, significa quase o mesmo que o Noroeste do globo, onde vivem sobretudo brancos, com boa renda média, boa segurança institucional e num ambiente liberal-democrático. Muitas vezes é uma designação antes sócio-econômica do que histórico-cultural. Fala-se em "western standarts" para padrão de vida e quando se fala em "western values" é, em geral, uma referência às liberdades da democracia liberal e secular face ao resto do mundo - The Rest, na expressão de Ferguson - onde tais coisas ainda não chegaram, sobretudo o agora temido mundo islâmico. Qualquer uma destas definições faria Spengler, que pouco se interessava para IDH, renda média ou eleições parlamentares, horrorizar-se. São todos símbolos do progresso, e se há algo que Spengler não foi em vida foi um entusiasta pelo progresso.

Não era algo comum naquela época. As filosofias da história mais divulgadas - as de Comte, Hegel e Marx - eram francamente progressistas. O sentido da história existia e cabia ao indivíduo, ao homem concreto, saber para onde ele apontava e adequar-se a ele, amoldando a sua trajetória vital ao caminho correto. Spengler veio com o contrário. Em vez de olhar o horizonte com entusiasmo, viu-o com pessimismo. Rejeitando totalmente a visão linear da História, propôs, influenciado por Nietzsche, uma visão cíclica, em que cada cultura, comportando-se como um organismo, morrerá dando lugar a outra. Oito são as grandes culturas que Spengler vê na História da humanidade: a indiana, a babilônica, a egípcia, a chinesa, a arábica (ou mágica) e, por fim, a Ocidental, ou faustiana. Cada uma delas tem um símbolo primordial, espécie de primeira impressão de uma criança que lhe afetará a vida para sempre. No caso das culturas, o símbolo primordial é o que as anima em tudo, das matemáticas às artes plásticas, da literatura à economia, e com elas permanecerá até que desapareçam. No caso da civilização ocidental, o símbolo primordial é o espaço ilimitado, que a alma faustiana anseia como Fausto anseia pelo conhecimento.

Spengler inscreve-se dentro do chamado historicismo alemão, como um dos integrantes destacados desta geração extraordinária de intelectuais alemães, ao lado de um Max Weber, um Georg Simmel ou um Friedrich Meinecke. E Spengler é historicista em quase todos os pontos relevantes de sua obra. É refratário à ideia - ainda existente, em sua época - de utilizar os modelos das ciências naturais para as ciências humanas; ressalta a necessidade de o historiador, o sociólogo, o crítico de arte compreender o seu objeto de estudo, atitude fundamentalmente diferente do explicar característico dos cientistas; e entende que as consciências são produto do contexto histórico em que vivem e têm seus horizontes por eles limitados. Em outras palavras, o historicismo assume uma posição decididamente relativista: todos os valores de uma cultura estão inexoravelmente ligados a esta cultura, não sendo necessariamente válidos para outra.

Spengler, como faz com tudo em A Decadência do Ocidente, leva-o às últimas consequências e o faz de maneira explícita. Nada escapa à passagem do tempo e a mudança do espaço: moral, Direito, instituições, arte, nem mesmo a física e as matemáticas e suas pretensões de validez universal. "O filósofo sistemático" - diz ele - "comete um erro muito grave ao considerar seus resultados como duradouros. Esquece o fato de que todos os pensamentos vivem num mundo histórico e, por isso, partilham do destino geral da efemeridade". E vaticina: "Não há verdades eternas. Cada filosofia é expressão de seu tempo, e só dele". Nisso sobra espaço para uma crítica à maneira do filósofo ocidental em tratar as suas próprias realizações:

"Eis o que falta ao pensador ocidental e que não deveria faltar justamente a ele: a compreensão da natureza histórico-relativa de suas conclusões, que não passam da expressão um modo singular de ser, e somente dele. O pensador ocidental carece do conhecimento dos inevitáveis limites que restringem a validez de suas afirmações. Ignora que suas 'verdades inabaláveis' e suas 'percepções eternas' são verdadeiras só para ele e eternas unicamente do ponto de vista da sua visão de mundo. Não se recorda do dever sair da sua esfera para procurar outras verdades, criadas com a mesma certeza por homens de culturas diferentes".

Impossível não lembrar aqui de Wilhelm Dilthey, mestre de Spengler e de todos os historicistas, para quem a pretensão de validade universal da filosofia europeia havia sido quebrada a partir do momento em que Alexandre o Grande empreendeu suas campanhas pela Ásia. Nada pode ter pretensão de validade universal.

Nem todos gostaram do estilo de Spengler, das suas frases sentenciosas que encheriam os commonplace books, do tom épico que se nota desde a introdução da obra, das suas conclusões definitivas. Lucien Febvre ataca o caráter "totalitário" da Filosofia da História de Spengler, ao englobar toda a ação dos homens de uma determinada época dentro da grã-entidade cultura. Diz que Spengler escreveu sob medida para os alemães daquela época, que preferiam "sentir confusamente" em vez de "compreender lucidamente". Mesmo as palavras de admiração que Spengler recebeu sempre vieram com ressalvas ou com elogios a aspectos "não-científicos" dela. Eric Voegelin, um inimigo declarado das filosofias da História, reconheceu-lhe a capacidade de aglutinar e combinar conhecimentos diversos e deles extrair uma conclusão, que ele, Voegelin, julgava essencial para qualquer estudioso sério em ciências humanas - e pouco mais do que isso. Já Max Weber, que conheceu A Decadência do Ocidente pouco antes de morrer e falava com a autoridade de quem estudara tudo o que Spengler abordava no livro, via nele pouco mais que um diletante - para ser mais exato, "um diletante muito engenhoso e culto", mas ainda assim um mero diletante. Parece ter sido difícil para o cientista profissional daquela época em aceitar seriamente o trabalho daquele modesto professor de matemática que apenas na idade adulta passou a interessar-se por filosofia. Preferiram elogiar o artista e atacar o filósofo, e elogiar o artista foi, muitas vezes, um ataque velado ao filósofo: é o caso do crítico literário Northrop Frye, que lhe elogia o estilo e a grandiosidade, reconhece-lhe a influência imensa a ponto de dizer que, em certo sentido, hoje "somos todos spenglerianos", apenas para dizer que suas teses já foram refutadas dezenas de vezes. Menos explícito, mas com o mesmo espírito foi Ortega y Gasset, para quem A Decadência do Ocidente foi a peripécia intelectual mais estrondosa daqueles anos. Spengler era um poderoso "acunador de ideas, y quienquiera penetre em las tupidas paginas de este libro se sentira sacudido uma y otra vez por el eléctrico dramatismo de que las ideas se cargan cuando son fuertemente pensadas". Mais do que tudo, alguém que sabia reunir e organizar ideias e pensa-las "fuertemente" - mas não profundamente, nem corretamente. Como um poeta, não como um cientista. Nesse ponto, Spengler parece-se demasiadamente com seu principal inspirador, Friedrich Nietzsche, que foi antes de tudo, poeta.

A fina percepção de Northrop Fryre levou-o a apontar que poucos livros neste mundo têm o poder de expandir a mente de alguém como este, como os melhores poetas. O próprio Spengler parecia ter noção deste caráter inspirador de sua obra. A todo momento aponta para certos temas que não foram estudados, convidando o leitor qualificado para tal a empreender pesquisas nesse sentido e com a certeza de que o todo por ele construído não será maculado por conclusões diferentes. Spengler sabe que encontrou o caminho.

E o Brasil também teve os seus admiradores de Spengler. Talvez o mais notório deles tenha sido Otto Maria Carpeaux, cujos anos de formação se deram justamente no período em que A Decadência do Ocidente fazia furor no mundo de língua alemã. Carpeaux detestava a edição reduzida de Werner e chamava de ignorantes aos que acusavam Spengler de ser um precursor intelectual do nazismo. Outro admirador foi o poeta Gerardo Mello Mourão, que se confessou "irremediavelmente alcançado pelo toque de epopeia e de elegia com que esse filósofo lírico se debruçou, com o charme de um romancista, sobre a história de um mundo de glórias e esplendor de espírito, marchando irremediavelmente para a uinda como a velha mansão esplêndida de uma dessas famílias a caminho da decadência, tão típicas da tragédia burguesa de nossos dias". Uma epopeia, uma elegia, de um filósofo lírico com charme de romancista: um artista, um criador, antes de tudo, pertencente ao mundo da poesia. Mas quem, lendo A Decadência do Ocidente, mesmo quem vê mais virtudes em Spengler, poderá discordar disso? Basta ler a maneira como Spengler termina o livro como quem põe fim a uma apresentação majestosa:

"Assim termina o espetáculo de uma cultura superior, todo esse universo maravilhoso de divindades, artes, ideias, batalhas, cidades e tudo torna a embocar nos fatos primordiais do sangue eterno, que é idêntico às flutuações cósmicas em seus perenes ciclos". A frase final do livro não poderia estar mais de acordo com o espírito da obra: "Ducunt fata volentem, nolentem trahunt" - o "destino conduz a quem consente, a quem resiste ele o arrasta". Um poeta reconhece outro, e Mello Mourão foi um grande poeta.

Quanto a Carpeaux, sua irritação tinha sentido. Não foram poucos os nazistas, em especial os de primeira hora, que gostaram da obra de Spengler e até mesmo a empregaram para fins propagandísticos. Isto maculou ainda mais a sua penetração em círculos intelectuais do pós-guerra, como também aconteceu com Carl Schmitt, Ernst Junger e, em menor medida, com Martin Heidegger. A confusão não é de todo incompreensível. O pessimismo, o anti-liberalismo, a exaltação da nação alemã, do heroísmo, do "vivere pericolosamente". Spengler chega a falar de de matemática e física "faustianas" como os nazistas falavam de "física judaica" para se referir a Einstein. No entanto, Spengler nunca aceitou o determinismo biológico nazista e a figura de Hitler lhe parecia circense. Muitos nazistas que o conheceram pessoalmente ficaram desapontados. Em 1936, seus livros foram banidos pelos nazistas. Pouco depois viria a falecer.

A pergunta que se impõe ao fim de A Decadência do Ocidente é: e depois? Afinal de contas, Spengler prediz o fim do Ocidente, mas não o fim deste planeta. Será sucedido por qual outra cultura? Spengler deixa algumas pistas ao longo da imensa obra, mas nunca de modo definitivo. Parece ter certo receio de expor seu posicionamento sobre essa questão. Não o fez como costuma fazer, abrindo ou fechando cortinas, mas em meio a outros debates que inicia no decorrer da obra. Não esqueçamos que A Decadência do Ocidente foi publicado no alvorecer da revolução de Outubro, quando o ainda se especulava sobre o futuro da União Soviética e todas as opções estavam abertas. E ele pergunta: "O que não se pode esperar da Rússia futura?". Não faltou quem lesse em Spengler uma profecia de que a Rússia que nascia era a Rússia soviética, e que o fim do Ocidente era o fim do Ocidente capitalista. É ele mesmo quem logo se encarrega de desfazer possíveis mal entendidos: o bolchevismo que nascia era ocidental, e não especificamente russo. "Os bolcheviques", diz ele, "não são o povo, nem sequer parte do povo". São outra coisa, "algo estranho, estrangeiro, ocidental". A Rússia de Spengler ainda estava por vir e viria não de fora, mas de dentro, de suas estranhas. E, para esclarecer que Rússia é essa, Spengler traça um paralelo entre Tolstoi e Dostoiévski: este é o representante legítimo da tradição russa, enquanto aquele é o ocidental ilustrado, filho das reformas modernizantes de Pedro, o Grande, autor de extraordinários e muito bem escritos romances realistas, relacionado, segundo Spengler, a Marx, Zola e Ibsen. Já Dostoiévski não se relaciona com nada, exceto com os apóstolos. Com isto desagradou tanto aos revolucionários e aos conservadores que o leram em primeira mão. Mas isso não lhe importa nada: ser conservador ou ser revolucionário, aponta Spengler, são conceitos ocidentais, inaplicáveis à sua visão de mundo. Os russos, esse "povo sem cidades, que busca realizar sua forma própria de vida, sua própria religião, sua própria história futura", esse povo é representado por Dostoiévski, e não por Tolstoi. É este povo que está preparando, gestando, algo novo, diferente, enquanto a velha Europa decai. "A alma russa está preparando uma terceira espécie de cristianismo, por enquanto sem sacerdotes, baseada no Evangelho de São João e muito mais próxima ao cristianismo mágico (isto é, árabe) que ao fáustico". E vaticina, em mais uma de suas frases com tom de profecia: "O cristianismo de Dostoiévski é o do próximo milênio". Neste momento histórico em que a Rússia de Putin reaparece no cenário internacional estas palavras ganham um significado especial. Nossa leitura de Spengler em 2014 não pode desconsiderar isto - do contrário, sequer será leitura.

Convém entretanto não petrificarmos a poesia de Spengler, buscando nela previsões definitivas: assim, deixará de ser poesia e de inspirar, até hoje, quase um milênio depois de publicada, a tantos pensadores do mundo. Da "Nova Direita" francesa de Alain de Benoist ao novo nacionalismo russo de Alexander Dugin, passando por anti-colonialistas latino-americanos e revolucionários do mundo islâmico, ela segue, multifacetada, aberta a releituras e a ressignificações - como toda boa poesia - expandindo a mente e os horizontes de muitos. Como dissemos, infelizmente ainda não podemos lê-la toda em português - o que já é, também, uma convocação para uma editora, talvez a própria Forense, traduzi-la por completo (uma boa sugestão, em idioma próximo, é a espanhola assinada por ninguém menos do que Manuel Garcia Morente) e brindar o leitor brasileiro com a poesia de Spengler. Ao menos sua poesia pode ainda emocionar. Ainda mais em anos de decisão, como estes em que vivemos.


Celso A. Uequed Pitol
Canoas, 25/3/2014

Mais Celso A. Uequed Pitol
Mais Acessadas de Celso A. Uequed Pitol em 2014
01. Miguel de Unamuno e Portugal - 12/8/2014
02. Entrevista com Dante Ramon Ledesma - 9/9/2014
03. A vida exemplar de Eric Voegelin - 10/6/2014
04. Ler Oswald Spengler em 2014 - 25/3/2014
05. Émile Zola, por Getúlio Vargas - 6/5/2014


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Nick of Time - uma Aventura pelo Tempo
Ted Bell
Novo Século
(2010)



Thot - Nº75
Associação Palas Athena
Palas Athena



Authentic Games A Batalha Da Torre
Marco Túlio
Astral Cultural
(2016)



Os Segredos de Anjos e Demônios
Dedan Burstein & Arne de Keijzer
Sextante
(2005)



Conceituado Comerciante
Olavo Deça Leal
Gomes e Rodrigues
(1965)



O Que Você Sempre Quis Saber Sobre Soja
Vários Autores
Escala



Crise Colonial E Independencia 1808-1830 - Historia
Alberto Da Costa E Silva
Objetiva



Livro Educação A Solução Esta No Afeto
Gabriel Chalita
Gente
(2001)



O Mundo de Wally - O Cão Que Mudou a Minha Vida
Marsha Boulton
Best Seller
(2010)



O Contador de Histórias da Matemática: os Olímpicos
Egidio Trambaoilli Neto
Ftd
(2010)





busca | avançada
41111 visitas/dia
2,0 milhões/mês