O lado louco de Proust | Andréa Trompczynski | Digestivo Cultural

busca | avançada
37550 visitas/dia
2,0 milhões/mês
Mais Recentes
>>> CCBB Educativo realiza oficinas que unem arte, tradição e festa popular
>>> Peça Dzi Croquettes Sem Censura estreia em São Paulo nesta quinta (12/6)
>>> Agenda: editora orlando estreia com livro de contos da premiada escritora Myriam Scotti
>>> Feira do Livro: Karina Galindo lança obra focada na temática do autoconhecimento
>>> “Inventário Parcial”
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
Colunistas
Últimos Posts
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
>>> Claude 4 com Mike Krieger, do Instagram
>>> NotebookLM
>>> Jony Ive, designer do iPhone, se junta à OpenAI
>>> Luiz Schwarcz no Roda Viva
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Autor não é narrador, poeta não é eu lírico
>>> Queridos amigos
>>> Agonia
>>> Sugerido para adultos?
>>> A literatura infanto-juvenil que vem de longe
>>> 2021, o ano da inveja
>>> O futuro político do Brasil
>>> David Foster Wallace e Infinite Jest
>>> Arquitetura de informação
>>> L’Empereur
Mais Recentes
>>> O Grande Livro Do Medo Contos De Arrepiar de Pedro Rodriguez pela Ciranda Cultural (2012)
>>> Descobrindo As Garotas de Carla Nieto Martines pela Ciranda Cultural (2011)
>>> Paisagem de Lygia Bojunga pela Agir Editora (1998)
>>> Contabilidade Introdutoria de Equipe De Professores ( Fea Usp ) pela Atlas (1998)
>>> Minhas Rimas De Cordel de César Obeid pela Moderna (2005)
>>> AVC e Sono de Fernando Morgadinho Santos Coelho pela Minha (2014)
>>> Nascido Para Correr de Christopher McDougall pela Globo (2010)
>>> Se Nao For Agora, Quando Sera? de Marcelo Rittner pela Planeta (2013)
>>> A Bruxinha Atrapalhada de Eva Furnari pela Global (2002)
>>> O Menino Azul de Cecilia Meireles pela Global (2013)
>>> Nascer sabendo de Ronaldo Simões Coelho pela Ftd (1997)
>>> O Rei Preto De Ouro de Sylvia Orthoff pela Moderna (1997)
>>> Odisséia de Homero. Adaptação Leonardo Chianca pela Scipione (2000)
>>> Cara De Bolacha de Eliana Martins pela Scipione (2005)
>>> Cuidando E Crescendo - Ted Ajuda de Alison Reynolds pela Ciranda Cultural (2008)
>>> Viewpoint de Michael Mccarthy, Jeanne Mccarten, Helen Sandiford pela Cambridge University Press (2016)
>>> Brick Lane de Monica Ali pela Black Swan (2004)
>>> A Década De 80 de Marly Rodrigues pela Ática (1999)
>>> Crianças Francesas Não Fazem Manha de Pamela Druckerman pela Fontanar (2013)
>>> De Cara Com A Midia de Francisco Viana pela Negocio (2001)
>>> Já Entendi de Gladys Mariotto pela Planeta Do Brasil (2015)
>>> O Oitavo Vilarejo de Gustavo Rosseb pela Jangada (2016)
>>> O Pequeno Príncipe de Antoine de Saint-Exúpery pela Novo Século (2021)
>>> El Tatuador De Auschwitz de Heather Morris pela Espasa (2018)
>>> The Corporate Culture Survival Guide de Edgar H. Schein pela Jossey-bass (1999)
COLUNAS

Quinta-feira, 22/9/2005
O lado louco de Proust
Andréa Trompczynski
+ de 12400 Acessos
+ 3 Comentário(s)

"A tarefa do artista é transformar o acidental em imutável."
Gustave Flaubert

Marcel Proust, ainda pequeno, visitava os aposentos do tio Amiot, que, com cascas de coco esculpidas, esteiras africanas, cachimbos e narguilés, tentava reconstruir a África onde vivera por muitos anos. Neste refúgio, havia algo mais que impressionou e influenciou Proust por toda a vida: muitas fotografias, que tio Amiot passava longas horas contemplando e meditando em sua mocidade. Era a sua maneira de buscar o tempo perdido. Transformou, mais tarde, o tio Amiot em duas personagens: o sr. Abert de Jean Santeuil, e, um velho capitão reformado de um texto publicado na Revue Blanche, em 1893, que, debruçado sobre seus dias gloriosos, vive de recordações, sobretudo "fotografias danificadas a despeito das precauções, como aquelas relíquias desgastadas pela própria devoção dos fiéis: beijam-nas com excessiva frequência".

Mas a sra. Proust também teve seu bocado de influência. Proust foi fotografado quatro vezes, em "sessões de pose", com roupas principescas, o que deve ter deixado suas marcas. Na idade adulta, sua aparência era de total desleixo, vestindo casacos surrados um por cima do outro e levando a mãe a admoestar aquele homem, já com trinta e três anos, a cortar o cabelo. Apesar da saúde frágil, entrou no exército apenas por seu gosto pela fotografia. Imaginava retratos de si próprio em "uniforme tão resplandecente", e, o que aconteceria se pudesse oferecê-los à noiva de Gaston, por quem estava apaixonado. No mesmo dia, faz-se fotografar em quatro poses diferentes, diante de um muro.

Quando era convidado para jantares, levava consigo sua coleção, seus álbuns, o que, muitas vezes, causava bocejos na platéia. Todos os amigos de Proust relataram o mesmo: o eterno desempacotamento de fotografias. Chegava até mesmo a mentir, como quando foi convidado por Lucien e Léon Daudet: "Tentarei encontrar uma velha fotografia de Goethe patinando em Frankfurt". Goethe morreu em 1832, a fotografia foi inventada em Niepce em 1824, mas seu nascimento efetivo data de 1839, impossível então Goethe ter sido flagrado patinando!

O hobby torna-se, então, doença. Proust, incansável, obstinou-se em conseguir retratos daqueles que resisitiam a se desfazer deles. Em Proust e a fotografia, de Brassai, onde toda esta história se desenrola, ele escreve ao duque Armand: "Quanto à sua fotografia, é pouco gentil tê-la me prometido e não a dado." Depois de conseguida a foto, transforma-se o duque num gentleman: "É preciso agradecer-lhe sempre, uma vez que o senhor foi sempre muito gentil. Recebi a bela fotografia, muito fiel, preciosíssima para fixar as lembranças de um esquecido". Montesquiou, que havia recusado o pedido primeiramente, também não suportou a pressão e chantagens de Proust e cedeu, enviando-lhe a fotografia. Mas era pouco, Proust pensou que a dedicatória era simples demais para tão importante figura e pediu que fosse refeita, bajulou Montesquiou o quanto pode e, novamente, conseguiu o que queria.

Cada encontro, cada verão, cada passeio, estava ligado a uma troca de fotografias. Apaixonava-se pelas figuras ali retratadas. Buscava nelas as personagens de seus livros, inspirava-se nelas, sofria, quando, apresentado pessoalmente ao retratado, decepcionava-se por não ser glamouroso como pensava. Por não ter os ares que tinha na fotografia. Por não ser mais a personagem de sua fantasia. Mendigava ilusões aqui e acolá, disse certa vez a Montesquiou: "Se o senhor possuir alguma fotografia poética, algum objeto sensível que possa me emprestar para eu me divertir e sonhar, seria bem precioso para mim em minha vida tão triste".

As observações de Proust sobre o sadismo, em suas correspondências, são tão porfundas quanto foram as sobre o ciúme e o amor. Na Recherche, há uma cena que causou escândalo na época da publicação do livro, do ultraje cometido contra o retrato de Vinteuil. O sr. Vinteuil havia morrido e sua filha, olhando seu retrato, diz: "sabe o que tenho vontade de fazer com essa velharia horrorosa?" (...) "Não. Não me atreveria a cuspir em cima disso. Disso?". Vários traços característicos da sra. Proust são encontrados no personagem de Vinteuil, seu extremo pudor, seu rigor moral, sua negação das tendências homossexuais do filho. O amor de Proust por sua mãe é um amor magoado, e quem poderia invejar o papel dela? Como suportar aquele filho hipersensível, suscetível, violento, hipocondríaco? Numa de suas cartas há um trecho em que ele escreve: "você põe tudo abaixo até que eu me sinta novamente mal". Para depois, convalescê-lo, com ternura e indulgências infinitas, num ciclo de sadismo.

No final de janeiro de 1907, um ano após a morte da sra. Proust, Gaston Calmette, o diretor do Figaro, pede-lhe com toda urgência um artigo para o jornal sobre um suicida que assassinara a própria mãe. Proust, num artigo que assustara a todos, faz uma apologia do parricídio, dizendo ser "um crime e uma expiação dignos de permanecerem ilustres" e que "o túmulo de Édipo em Colono e o de Orestes em Espartas eram os mais sagrados e mais dignos de veneração". Dizia que os assassinos de Laio e Clitmnestra tinham sido punidos, mas "os gregos quiseram que sua memória fosse honrada".

Segundo Maurice Sachs, nos anos 1917-18, a mania de exibir fotografias na frente dos amigos já assumira um aspecto perverso. No palacete Marigny, ele teria estendido um dia um maço de fotos a um dos jovens açougueiros que lhe faziam companhia a fim de que ele cuspisse sobre retratos de amigas célebres. E ele próprio teria cuspido sobre o da sra. Proust.

A fotografia
A imagem inerte, a pose, as mãos, os olhos do fotografado, quantas obssessões são geradas a partir de uma fotografia. Que amores, que paixões! Quantas personagens nascem, quantas histórias se imagina. E quando mostramos a alguém o objeto de nosso amor, aquele nem sequer vê um pingo dos encantos que vemos. Como Proust, que só despertava bocejos. Mas, pode o instantâneo vencer a passagem do tempo? Proust se apegava mais à eles do que às pessoas, as desprezava, por ver nelas as rugas, a decadência. Como o tio Amiot voltava à África, no seu quarto, em meio às suas recordações, e, passou a amar mais o quarto do que a própria África: podia ser jovem e viril novamente. As fotografias de Proust eram toda a sua companhia, eram seus convivas, à sua volta, como ele queria que fossem, em gestos de estátua que ele amava e deles imaginava as conversações com as quais escreveu seus livros.

A loucura
Já não me surpreendo com detalhes sórdidos acerca de gênios. Que adjetivo mais posso usar para quem escreveu Em Busca do Tempo Perdido a não ser gênio? Todo o sadismo, toda a obsessão, ah, que fosse muito mais, eu nunca o julgaria. Graças a Deus Proust teve aquela mãe sádica e cuspiu na fotografia dela, graças a Deus se vestia como um bêbado, graças a Deus implorava, mendigava, objetos e fotografias de fetiches, em prazeres bissexuais, louco a caçar afeições num papel. Ou nunca teríamos Em Busca do Tempo Perdido, No Caminho de Swann, À Sombra das Raparigas em Flor, e outros, muitos outros, que um contínuo de escritório, pagador de impostos, frequentador de missas, virtuoso cidadão e respeitador da mãe nunca escreveria.

"A obra do escritor não é senão uma espécie de instrumento óptico que ele oferece ao leitor a fim de lhe permitir discernir o que, sem aquele livro, ele talvez não tivesse visto em si mesmo."
Marcel Proust

Para ir além






Andréa Trompczynski
São Mateus do Sul, 22/9/2005

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Apontamentos de inverno de Elisa Andrade Buzzo
02. Sobre viver em qualquer lugar de Lisandro Gaertner
03. Humor: artigo em extinção de Luis Eduardo Matta
04. Em defesa do mar de informação de Julio Daio Borges
05. Da dificuldade de se comandar uma picanha de Eduardo Carvalho


Mais Andréa Trompczynski
Mais Acessadas de Andréa Trompczynski em 2005
01. A Auto-desajuda de Nietzsche - 13/10/2005
02. Há vida inteligente fora da internet? - 9/6/2005
03. O lado louco de Proust - 22/9/2005
04. Se o Lula falasse inglês... - 28/7/2005
05. Para amar Agostinho - 26/5/2005


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
22/9/2005
18h10min
Andréa – Fantástico. Vou descer agora e comprar o livro sobre Proust. Ando cada vez mais fascinado por ele. Parabéns pelo texto!
[Leia outros Comentários de Eduardo Carvalho]
23/9/2005
10h04min
Quando li Proust, no final dos anos 80, fiquei encantado com aquela literatura do resgate da consciência, da memória e do fazer presente. O antológico beijo de sua mãe ou a ausência dele, os detalhes, os paragrafos sem ponto. Ele conseguiu com sua literatura transformar o cotidiano em arte, em época, em lembranças, em ação na literatura. Realmente é tarefa para gênio. Volta e meio, releio Proust. É um prazer.
[Leia outros Comentários de Roberto Andrade]
21/3/2007
10h36min
Gostaria muito de saber qual o nome da doença que acometeu nosso Proust...
[Leia outros Comentários de Tiago Noel]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Matematica Temas E Metas Volume 2 Trigonometria E Progressoes
Antonio dos Santos Machado
Atual
(1996)



Morte e vida de Charlie St Cloud 526
Ben Sherwood
Novo Conceito
(2010)



A Coragem de Ser
Paul Tillich
Paz e Terra
(1976)



Improvisação para o Teatro
Viola Spolin
Perspectiva
(2015)



Só o Amor Liberta
Célia Xavier de Camargo
Petit
(2007)



Educação a Distância - uma Visão Integrada
Michael G. Moore - Greg Kearsley
Thomson Pioneira - Abed
(2007)



Gibi Semanal - Volume 36
Diversos autores
Rge
(1973)



Indústria Cultural E Sociedade
Theodor Adorno
Paz E Terra
(2002)



Só Há Paz Onde Há Amor
Celso Santos
Lar Frei Luiz
(2019)



Cartas Inglesas tratado de metafísica dicionário filosófico o filósofo ignorante 576
Voltaire
Abril Cultural
(2024)





busca | avançada
37550 visitas/dia
2,0 milhões/mês