O lado louco de Proust | Andréa Trompczynski | Digestivo Cultural

busca | avançada
83554 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Drama da pandemia em Manaus é tema da peça Desassossego
>>> 14º Rio Festival Internacional de Cine LGBTQIA+
>>> Lenna Baheule ministra atividades gratuitas no Sesc Bom Retiro
>>> “Carvão”, novo espetáculo da Cia. Sansacroma, estreia no Sesc Consolação
>>> “Itália Brutalista: a arte do concreto”
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Ludopédio em Pindorama
>>> Para o Daniel Piza. De uma leitora
>>> Os Doze Trabalhos de Mónika. 8.Heroes of the World
>>> Fim dos jornais? Desconfie
>>> Blogwise
>>> Site de Rafael Sica
>>> Reid Hoffman por Tim Ferriss
>>> Suspense, Crimes ... e Livros!
>>> Entrevista com Chico Pinheiro
>>> Mi casa, su casa
Mais Recentes
>>> Curso De Direito Do Trabalho Aplicado - Parte Geral - Vol.1 de Homero Batista Mateus da Silva pela Campus (2009)
>>> O Homem Que Amava Os Cachorros de Leonardo Padura pela Boitempo (2015)
>>> Basic Economics A Common Sense Guide To The Economy de Thomas Sowell pela Basic Books (2007)
>>> Hereges de Leonardo Padura pela Boitempo (2015)
>>> O Homem Que Calculava de Malba Tahan pela Record (1995)
>>> Promessa de Richard Paul Evans pela Lua de papel (2011)
>>> O Relatório Popcorn Centenas De Idéias De Novos Produtos, Empreendimentos E Novos Mercados de Faith Popcorn pela Campus (1993)
>>> Vaticano e os Judeus de David I. Kertzer pela Rocco (2003)
>>> Ação Renovatória de J. Nascimento Franco pela Malheiros (1994)
>>> Ditadura ontem e hoje de Maurice Latey pela Novo tempo (1980)
>>> Por Que A Gente E Do Jeito Que A Gente E ? de Eduardo Ferraz pela Planeta Estratégia (2022)
>>> Para Viver um Grande Amor de Vinicius de Moraes pela Jose Olympio (1989)
>>> Uma Questao de Honra o Mordomo de Lady Di Conta Toda a Verdade de Paul Burrell pela Ediouro (2003)
>>> 1808 : A Corte No Brasil. de Ismênia Martins; Márcia Motta pela Universidade Federal Fluminense. Uff (2010)
>>> Fábulas De La Fontaine - Um Estudo Do Comportamento Humano de Francisco do Espirito Santo Neto e Hammed pela Boa Nova (2015)
>>> Corsário: Uma Invasão Francesa No Rio De Janeiro Diário de bordo de Du Guay-Trouin; tradução Carlos Nougué pela Bom texto (2002)
>>> O anarquismo e a democracia burguesa de Malatesta; Bakunin; Kropotkim; Engels; D. Guérin pela Global (1979)
>>> A natureza da pobreza das massas de John Kenneth Galbraith pela Nova Fronteira (1979)
>>> O Propósito Da Família de Luciano Subirá pela Orvalho (2013)
>>> Manual de Saúde e Segurança do Trabalho - Vol 1 de Sebastião Ivone Vieira pela Ltr (2005)
>>> Chefiar Ou Liderar? - Seu Sucesso Depende Dessa Escolha de John Adair e Peter Reed pela Futura (2005)
>>> Mulher e A Rádio Popular - Manuais de Comunicação 11 de Maria Cristina Mata coordenadora pela Paulinas (1997)
>>> Problemas da Criança Normal - Educaçao e Saude de Caleb Elias do Carmo pela Juerp (1985)
>>> Escola Cidada - Questoes da Nossa Epoca nº 24 de Moacir Gadotti pela Editora Autores Associados (2001)
>>> Avaliação Educacional - Fundamentos e Práticas de Isabel Cappelletti pela Articulação Universidade (1999)
COLUNAS

Quinta-feira, 22/9/2005
O lado louco de Proust
Andréa Trompczynski
+ de 12400 Acessos
+ 3 Comentário(s)

"A tarefa do artista é transformar o acidental em imutável."
Gustave Flaubert

Marcel Proust, ainda pequeno, visitava os aposentos do tio Amiot, que, com cascas de coco esculpidas, esteiras africanas, cachimbos e narguilés, tentava reconstruir a África onde vivera por muitos anos. Neste refúgio, havia algo mais que impressionou e influenciou Proust por toda a vida: muitas fotografias, que tio Amiot passava longas horas contemplando e meditando em sua mocidade. Era a sua maneira de buscar o tempo perdido. Transformou, mais tarde, o tio Amiot em duas personagens: o sr. Abert de Jean Santeuil, e, um velho capitão reformado de um texto publicado na Revue Blanche, em 1893, que, debruçado sobre seus dias gloriosos, vive de recordações, sobretudo "fotografias danificadas a despeito das precauções, como aquelas relíquias desgastadas pela própria devoção dos fiéis: beijam-nas com excessiva frequência".

Mas a sra. Proust também teve seu bocado de influência. Proust foi fotografado quatro vezes, em "sessões de pose", com roupas principescas, o que deve ter deixado suas marcas. Na idade adulta, sua aparência era de total desleixo, vestindo casacos surrados um por cima do outro e levando a mãe a admoestar aquele homem, já com trinta e três anos, a cortar o cabelo. Apesar da saúde frágil, entrou no exército apenas por seu gosto pela fotografia. Imaginava retratos de si próprio em "uniforme tão resplandecente", e, o que aconteceria se pudesse oferecê-los à noiva de Gaston, por quem estava apaixonado. No mesmo dia, faz-se fotografar em quatro poses diferentes, diante de um muro.

Quando era convidado para jantares, levava consigo sua coleção, seus álbuns, o que, muitas vezes, causava bocejos na platéia. Todos os amigos de Proust relataram o mesmo: o eterno desempacotamento de fotografias. Chegava até mesmo a mentir, como quando foi convidado por Lucien e Léon Daudet: "Tentarei encontrar uma velha fotografia de Goethe patinando em Frankfurt". Goethe morreu em 1832, a fotografia foi inventada em Niepce em 1824, mas seu nascimento efetivo data de 1839, impossível então Goethe ter sido flagrado patinando!

O hobby torna-se, então, doença. Proust, incansável, obstinou-se em conseguir retratos daqueles que resisitiam a se desfazer deles. Em Proust e a fotografia, de Brassai, onde toda esta história se desenrola, ele escreve ao duque Armand: "Quanto à sua fotografia, é pouco gentil tê-la me prometido e não a dado." Depois de conseguida a foto, transforma-se o duque num gentleman: "É preciso agradecer-lhe sempre, uma vez que o senhor foi sempre muito gentil. Recebi a bela fotografia, muito fiel, preciosíssima para fixar as lembranças de um esquecido". Montesquiou, que havia recusado o pedido primeiramente, também não suportou a pressão e chantagens de Proust e cedeu, enviando-lhe a fotografia. Mas era pouco, Proust pensou que a dedicatória era simples demais para tão importante figura e pediu que fosse refeita, bajulou Montesquiou o quanto pode e, novamente, conseguiu o que queria.

Cada encontro, cada verão, cada passeio, estava ligado a uma troca de fotografias. Apaixonava-se pelas figuras ali retratadas. Buscava nelas as personagens de seus livros, inspirava-se nelas, sofria, quando, apresentado pessoalmente ao retratado, decepcionava-se por não ser glamouroso como pensava. Por não ter os ares que tinha na fotografia. Por não ser mais a personagem de sua fantasia. Mendigava ilusões aqui e acolá, disse certa vez a Montesquiou: "Se o senhor possuir alguma fotografia poética, algum objeto sensível que possa me emprestar para eu me divertir e sonhar, seria bem precioso para mim em minha vida tão triste".

As observações de Proust sobre o sadismo, em suas correspondências, são tão porfundas quanto foram as sobre o ciúme e o amor. Na Recherche, há uma cena que causou escândalo na época da publicação do livro, do ultraje cometido contra o retrato de Vinteuil. O sr. Vinteuil havia morrido e sua filha, olhando seu retrato, diz: "sabe o que tenho vontade de fazer com essa velharia horrorosa?" (...) "Não. Não me atreveria a cuspir em cima disso. Disso?". Vários traços característicos da sra. Proust são encontrados no personagem de Vinteuil, seu extremo pudor, seu rigor moral, sua negação das tendências homossexuais do filho. O amor de Proust por sua mãe é um amor magoado, e quem poderia invejar o papel dela? Como suportar aquele filho hipersensível, suscetível, violento, hipocondríaco? Numa de suas cartas há um trecho em que ele escreve: "você põe tudo abaixo até que eu me sinta novamente mal". Para depois, convalescê-lo, com ternura e indulgências infinitas, num ciclo de sadismo.

No final de janeiro de 1907, um ano após a morte da sra. Proust, Gaston Calmette, o diretor do Figaro, pede-lhe com toda urgência um artigo para o jornal sobre um suicida que assassinara a própria mãe. Proust, num artigo que assustara a todos, faz uma apologia do parricídio, dizendo ser "um crime e uma expiação dignos de permanecerem ilustres" e que "o túmulo de Édipo em Colono e o de Orestes em Espartas eram os mais sagrados e mais dignos de veneração". Dizia que os assassinos de Laio e Clitmnestra tinham sido punidos, mas "os gregos quiseram que sua memória fosse honrada".

Segundo Maurice Sachs, nos anos 1917-18, a mania de exibir fotografias na frente dos amigos já assumira um aspecto perverso. No palacete Marigny, ele teria estendido um dia um maço de fotos a um dos jovens açougueiros que lhe faziam companhia a fim de que ele cuspisse sobre retratos de amigas célebres. E ele próprio teria cuspido sobre o da sra. Proust.

A fotografia
A imagem inerte, a pose, as mãos, os olhos do fotografado, quantas obssessões são geradas a partir de uma fotografia. Que amores, que paixões! Quantas personagens nascem, quantas histórias se imagina. E quando mostramos a alguém o objeto de nosso amor, aquele nem sequer vê um pingo dos encantos que vemos. Como Proust, que só despertava bocejos. Mas, pode o instantâneo vencer a passagem do tempo? Proust se apegava mais à eles do que às pessoas, as desprezava, por ver nelas as rugas, a decadência. Como o tio Amiot voltava à África, no seu quarto, em meio às suas recordações, e, passou a amar mais o quarto do que a própria África: podia ser jovem e viril novamente. As fotografias de Proust eram toda a sua companhia, eram seus convivas, à sua volta, como ele queria que fossem, em gestos de estátua que ele amava e deles imaginava as conversações com as quais escreveu seus livros.

A loucura
Já não me surpreendo com detalhes sórdidos acerca de gênios. Que adjetivo mais posso usar para quem escreveu Em Busca do Tempo Perdido a não ser gênio? Todo o sadismo, toda a obsessão, ah, que fosse muito mais, eu nunca o julgaria. Graças a Deus Proust teve aquela mãe sádica e cuspiu na fotografia dela, graças a Deus se vestia como um bêbado, graças a Deus implorava, mendigava, objetos e fotografias de fetiches, em prazeres bissexuais, louco a caçar afeições num papel. Ou nunca teríamos Em Busca do Tempo Perdido, No Caminho de Swann, À Sombra das Raparigas em Flor, e outros, muitos outros, que um contínuo de escritório, pagador de impostos, frequentador de missas, virtuoso cidadão e respeitador da mãe nunca escreveria.

"A obra do escritor não é senão uma espécie de instrumento óptico que ele oferece ao leitor a fim de lhe permitir discernir o que, sem aquele livro, ele talvez não tivesse visto em si mesmo."
Marcel Proust

Para ir além






Andréa Trompczynski
São Mateus do Sul, 22/9/2005

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Rinoceronte, poemas em prosa de Ronald Polito de Jardel Dias Cavalcanti
02. Mulheres fantásticas e futuristas de Carla Ceres
03. Paixão: dor e êxtase de Jardel Dias Cavalcanti
04. Perguntas sagradas de Larissa Pontez
05. Blogueiros versus Jornalistas, o falso embate de Alexandre Inagaki


Mais Andréa Trompczynski
Mais Acessadas de Andréa Trompczynski em 2005
01. A Auto-desajuda de Nietzsche - 13/10/2005
02. Há vida inteligente fora da internet? - 9/6/2005
03. O lado louco de Proust - 22/9/2005
04. Se o Lula falasse inglês... - 28/7/2005
05. Para amar Agostinho - 26/5/2005


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
22/9/2005
18h10min
Andréa – Fantástico. Vou descer agora e comprar o livro sobre Proust. Ando cada vez mais fascinado por ele. Parabéns pelo texto!
[Leia outros Comentários de Eduardo Carvalho]
23/9/2005
10h04min
Quando li Proust, no final dos anos 80, fiquei encantado com aquela literatura do resgate da consciência, da memória e do fazer presente. O antológico beijo de sua mãe ou a ausência dele, os detalhes, os paragrafos sem ponto. Ele conseguiu com sua literatura transformar o cotidiano em arte, em época, em lembranças, em ação na literatura. Realmente é tarefa para gênio. Volta e meio, releio Proust. É um prazer.
[Leia outros Comentários de Roberto Andrade]
21/3/2007
10h36min
Gostaria muito de saber qual o nome da doença que acometeu nosso Proust...
[Leia outros Comentários de Tiago Noel]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




O Grande Conflito: Acontecimentos Que Mudarão o Seu Futuro
Ellen G White
Casa Publicadora Brasileira
(2004)



Lapa do Desterro e do Desvario
Isabel Lustosa
Casa da Palavra
(2001)



Livro Administração A Menina Do Vale 2
Bel Pesce
Leya
(2014)



Pure
Rose Cartwright
Unbound
(2018)



Revista Coleção Arte Fácil Bonecas Nº 02
Adriana Bonone
Minuano



Histoire Générale Du IV Siècle a nos Jours- Tomo VI Louis Xiv
Ernest Lavisse e Alfred Rambaud
Armand Colin
(1895)



Espiando o Mundo pela Fechadura
Laé de Souza
Eco Arte
(2009)



Tomorrows Cancer Cures Today
Allan Spreen
Health



A Filhinha do Papai
Mary Higgins Clark
Record
(2004)



Jogada Turca
Boris Akunin
Objetiva
(2003)





busca | avançada
83554 visitas/dia
1,7 milhão/mês