Quando a literatura ouve os ecos da realidade | Marcelo Spalding | Digestivo Cultural

busca | avançada
63210 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Lenna Baheule ministra atividades gratuitas no Sesc Bom Retiro
>>> “Carvão”, novo espetáculo da Cia. Sansacroma, estreia no Sesc Consolação
>>> “Itália Brutalista: a arte do concreto”
>>> “Diversos Cervantes 2025”
>>> Francisco Morato ganha livro inédito com contos inspirados na cidade
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
>>> Mané, Mané
>>> Scott Henderson, guitarrista fora-de-série
>>> Information Society e o destino da mídia
>>> Horowitz na Casa Branca (1978)
>>> Calligaris, o fenômeno
>>> Aflições de um jovem escritor
>>> Noturno para os notívagos
>>> As garotas do Carlão
>>> Cuba e O Direito de Amar (3)
Mais Recentes
>>> Alfabetização com as boquinhas de Renata Savastano; Patrícia Thimóteo pela Pulso (2008)
>>> Pontos de vista em diversidade e inclusão de Neuza Rejane W. Lima; Cristina Maria C. Delou pela Abdin (2016)
>>> Ou isto ou aquilo de Cecíclia Meireles pela Civilização Brasileira MEC (1977)
>>> O Sapato Que Miava - Coleção Primeiras Histórias de Sylvia Orthof pela Ftd (2007)
>>> O Coelhinho Que Não Era De Páscoa de Ruth Rocha pela Salamandra (2009)
>>> Meu Primeiro Livro Sobre O Corpo Humano de Angela Royston pela Girassol (2010)
>>> Vila Sésamo o Livro das Perguntas - O Universo de Cuatro Media Inc pela Cuatromedia (2007)
>>> Escutando O Rumor Da Vida, Seguido De Solidões Em Brasa de Urbano Tavares Rodrigues pela Dom Quixote (2013)
>>> As Caras Da Violência de Edson Gabriel Garcia pela Ftd (2014)
>>> Edicão Do Corpo Tecnociencia Artes e Moda de Nizia Villaca pela Estaçãoo Das Letras (2007)
>>> Capitães de areia de Jorge Amado pela Record (1995)
>>> Raízes Do Brasil de Sergio Buarque de Holanda pela Companhia das Letras (1997)
>>> O verdadeiro rosto de Jesus de La Casa de la Biblia pela Paulinas (2002)
>>> Os Assassinatos Da Rua Morgue de Edgar Allan Poe pela Peirópolis (2017)
>>> As Caras Da Violência de Edson Gabriel Garcia pela Ftd (2014)
>>> Batuque De Cores de Desnoettes/hartmann pela Companhia Das Letrinhas (2009)
>>> Bibliotecas infantis Um programa para pequenos leitores de Rede de Bibliotecas Parque pela Secretaria de Cultura Governo do Estado do Rio de Janeiro (2015)
>>> A Polegarzinha - Volume 3 de Mauricio De Sousa pela Girassol (2008)
>>> Navegando Pela Mitologia Grega de Douglas Tufano pela Moderna (2014)
>>> Amazônia. Quem Ama Respeita ! de Fernando Carraro pela Ftd (2006)
>>> O Duende Da Ponte de Patricia Rae Wolff pela Brinque Book (1999)
>>> Guerras E Batalhas Brasileiras Revista história Biblioteca Nacional de bolso 1 de Luciano Figueiredo pela Editor Sabin (2009)
>>> O Rei Artur de Rosalinf Kerven pela Companhia Das Letrinhas (2000)
>>> Lá Vem História Outra Vez de Heloisa Prieto pela Companhia Das Letrinhas (1997)
>>> A Hora Da Estrela de Clarice Lispector pela Rocco (1998)
COLUNAS

Terça-feira, 2/5/2006
Quando a literatura ouve os ecos da realidade
Marcelo Spalding
+ de 4600 Acessos

Última página. Você está quase no fim, no último ponto final, mas ainda não conseguiu descobrir se aquela história é verdadeira ou não. Pode ser... os detalhes das descrições, das informações, a proximidade das personagens com as que você vê na rua, nos jornais, tudo isso indica que a história seja real. Mas você torce para que não: a brutalidade dos acontecimentos, a animalização do homem e a sensação de falta de sentido para a vida são pesadas demais. Duras demais. Exageradas, até.

Eu poderia estar falando de O Cortiço (1880), de Aluísio Azevedo, clássico romance naturalista brasileiro. Ou de Vidas Secas (1938), de Graciliano Ramos, digno representante do chamado neorealismo. Ou ainda de Feliz Ano Novo (1975), de Rubem Fonseca, conto definitivo da prosa urbana. Mas escrevo sobre Subúrbio (Objetiva, 296 págs.), romance de Fernando Bonassi que, nas palavras de seu apresentador, "atualiza a prosa urbana da década de 70 com cores ainda mais sombrias".

A síntese feita pelo apresentador de Subúrbio, Manuel da Costa Pinto, só é possível porque foi publicada nesta segunda edição da obra, uma edição consciente da importância de seu texto como marco de uma geração, da retomada do realismo e da prosa urbana, um texto que "abriu caminho para uma série de ficcionistas que fizeram da São Paulo e do Rio de Janeiro suburbanos uma metonímia da tragédia brasileira" (o romance Cidade de Deus, de Paulo Lins, tornou-se o exemplo mais célebre).

Publicado em 1994 e revisto pelo autor doze anos depois, a história suburbana centra-se em um casal de velhos, ele aposentado de uma fábrica, ela dona de casa, um casal que no tempo da história já não conversava há 18 anos. As descrições são econômicas (e nesse sentido há uma grande diferença, ou se diria um avanço, do realismo/naturalismo originais) mas dão um tom de decadência, miséria e desilusão ao velho, à rua, aos vizinhos, ao subúrbio. Em toda a primeira parte as personagens são apresentadas como subprodutos daquela realidade definitiva: Naldinho é menos um menino que o mais temido bandido do bairro; a vizinha trai o marido desde que este foi acometido por grave e escatológica doença; no barbeiro, todos caçoam e humilham o velho chamando-o de broxa; no bar, todos gastam o pouco dinheiro em bebidas e conversas; na fila do banco, um homem que perdera o braço na revolução de 32 surta e é espancado pelo segurança. Um ambiente em preto e branco, um grande vírus que vai impregnando todos, e não apenas o casal de velhos.

Na segunda parte, surge uma cor neste mundo em preto e branco. Uma pessoa em meio aos brutos. Há vida, e a vida é uma menininha muito bonitinha (sempre descrita com diminutivos pelo narrador) que o velho encontra quando ela ia para a escola (e ele, para o bar). Os dois tornam-se amigos, uma amizade improvável e revigorante para o velho, que passa a fazer exercícios, aparar a barba, beber menos. A menina encontra, no velho, um pai, já que o seu trabalhava à noite como vigia e dormia durante o dia. E também um amigo: brincam de casinha, de comidinha, de boneca. O leitor já deve ter imaginado onde vai parar esse encontro da brutalidade com a candura, do velho lobo com a menininha.

A menina, assim, é ao mesmo tempo o centro da tragédia que encerra o livro e o ponto de partida para entendermos este Subúrbio aqui animalizado, um mundo de seres não apenas explorados mas excluídos pela sociedade, seres sem nome (apenas o bandido tem nome no livro de Bonassi), sem esperança, sem perspectivas, sem forças. Seres para quem a morte é, enfim, o descanso.

Afora questões técnicas e estilísticas a respeito do texto de Bonassi, que para este resenhista parece contundente, funcional e claro, o livro reaviva uma polêmica mal resolvida na literatura que é a sua relação com a realidade. Já Platão e Aristóteles discordavam sobre a função da poética, se era imitar ou representar a realidade. E se até os anos 60 o conceito de poesia enquanto representação perdurou, a partir de Roland Barthes não se pode mais falar em representação da realidade por ser impossível captarmos essa realidade. Palavras do mestre: "a função da narrativa não é de representar, é de constituir um espetáculo que permanece ainda para nós muito enigmático".

Contrário senso, nas palavras de outro teórico, um dos supostos efeitos da convenção estética é que determinados assuntos polêmicos são mais bem tolerados pelos leitores quando apresentados na literatura (ficção, poesia), do que no mundo "real". E se trazemos a este texto tantos teóricos é para mostrar como Bonassi consegue equilibrar-se nesta tênue linha entre realidade e ficção, não se furtando a expôr um mundo que a sociedade tenta excluir, um mundo desconhecido e, a partir deste mundo, tratar de um tema extremamente sério, difícil e mais comum do que se imagina, o abuso sexual infantil.

Valendo-se da ficção, Bonassi fez mais pelo combate a esta tragédia brasileira do que centenas de pesquisas científicas, ainda que tenham sido as pesquisas fundamentais para a tomada de consciência do problema pelo escritor. E fez mais porque expôs este assunto polêmico não para sugerir o extermínio do subúrbio mas para chamar a atenção da sociedade. Por outro lado, Subúrbio não se pretende definitivo nem fidedigno à realidade suburbana brasileira, tampouco a paulista. Menos pretensioso que Cidade de Deus nesse sentido, Subúrbio limita-se à história de um casal de velhos e seus vizinhos, à relação de um velho e uma menina como exemplares de uma sociedade.

Decerto a crítica foi e ainda será pesada contra o movimento que Bonassi, não propositadamente, inaugurou, um movimento de retomada da preocupação social na literatura. Não poucos acusarão obras deste tipo como sensacionalistas, exageradas, preconceituosas, até. Mas outros, quiçá muitos, olharão debaixo do tapete, olharão além das estatísticas e descobrirão rostos, vidas, gentes, meninas que um dia serão as mulheres e as velhas do mundo que não queremos enxergar. Do mundo que a Literatura (com L maiúsculo) por vezes finge não existir.

Para ir além






Marcelo Spalding
Porto Alegre, 2/5/2006

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Casamento atrás da porta de Adriane Pasa
02. Networking para crianças? de Raquel Oguri Ribeiro
03. O ponto final da escrita cursiva de Vicente Escudero
04. Eu não uso brincos de Ana Elisa Ribeiro
05. Um raio-x da violência de Fabio Silvestre Cardoso


Mais Marcelo Spalding
Mais Acessadas de Marcelo Spalding em 2006
01. O centenário de Mario Quintana, o poeta passarinho - 8/8/2006
02. Um defeito de cor, um acerto de contas - 31/10/2006
03. Romanceiro da Inconfidência - 10/1/2006
04. A literatura feminina de Adélia Prado - 25/7/2006
05. As cicatrizes da África na Moçambique de Mia Couto - 5/12/2006


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




O Livro da Prece
La Martine Palhano Jr.
Lachãtre
(2008)



Ação Administrativa Integrada
Francisco Jose Mendonça Souza
Livros Tecnicos e Cientificos
(1985)



Livro Literatura Estrangeira Lorde Jim
Joseph Conrad
Abril Cultural
(1980)



O espaço geográfico: ensino e representação
Rosângela Doin de Almeida
Contexto
(2000)



Os Cisnes Selvagens (Coleção Fábulas Encantadas - 7)
H. C. Andersen
Abril Cultural
(1970)



Introdução à Análise Envoltória de Dados - Teoria, Modelos e Aplicaçõe
Carlos Maurício de Carvalho Ferreira; Adriano Prov
Ufv
(2009)



Piedade
Jodi Picoult
Planeta
(2011)



Aculturação Indígena
Egon Schaden
Pioneira
(1969)



Livro Literatura Brasileira O Mundo é Bárbaro e o Que Nós Temos a Ver Com Isso
Luis Fernando Verissimo
Objetiva
(2008)



O Mui Desassossegado Senhor General
Sergio Bruni
Fgv
(2010)





busca | avançada
63210 visitas/dia
1,7 milhão/mês