Sobre o hábito de cutucar o nariz | Adriana Baggio | Digestivo Cultural

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Quinta-feira, 2/11/2006
Sobre o hábito de cutucar o nariz
Adriana Baggio
+ de 9900 Acessos
+ 1 Comentário(s)

A dinâmica da nossa sociedade é pautada pelo consumo. Muitos valores e instituições se estabelecem em função do processo de compra e venda, do "ter" para "ser". Conseqüentemente, o papel das empresas é preponderante neste cenário.

Talvez o mundo corporativo represente uma nova aristocracia. É um regime mais aberto e permeável que as cortes medievais ou absolutistas, mas, de alguma forma, também possui sistemas de hierarquia e códigos de conduta que prevêem uma certa "iniciação" por parte de quem deseja integrá-la. Tanto é que, muitas vezes, o bom desempenho na corte corporativa deve-se muito mais ao comportamento, ao "marketing pessoal", do que à competência em si mesma.

Com base nesse cenário, pode-se dizer que as empresas são sociedades sujeitas a padrões de conduta muito rígidos. Como existe uma forte interdependência entre seus membros, o controle das atitudes de cada um é permanente. Uma situação que o historiador Norbert Elias descreve em O processo civilizador - Volume 1: Uma história dos costumes (Jorge Zahar Editor, 1994, 280 págs.). Nessa obra, o escritor aborda o controle em relação ao processo de construção da auto-imagem do ocidente como um mundo "civilizado".

O conteúdo do livro ajuda a compreender a origem de alguns dos nossos hábitos mais arraigados. Por conta disso, também me ajudou a entender melhor um determinado incidente "corporativo". Antes de abordar as idéias do historiador, vamos ao fato, que aconteceu em uma editora de publicações de negócios.

Cutucando o nariz no trabalho
Apesar de ser um local de produção de idéias, o que sugere um ambiente corporativo mais maleável, o tratamento é o que se chama de "estilo chão de fábrica", duro e controlador. Certa vez, começaram a aparecer algumas substâncias na parte interna da porta do banheiro feminino. Após a limpeza, elas voltavam. Depois de alguns dias, as usuárias do toalete não podiam mais negar: aquilo era meleca de nariz. Mesmo com papel higiênico e lixo bem à mão, tinha uma pessoa que preferia depositar a "caca" em lugar visível.

Protestos de nojo e indignação correram a empresa. A diretoria resolveu colocar um aviso na porta, pedindo para que o resultado da limpeza das narinas fosse depositado no lixo. É claro que, na primeira oportunidade, apareceu uma nova meleca. Dessa vez, colada exatamente sobre o cartaz.

Não acredito que essa atitude fosse falta de higiene. Acho que era uma tentativa de protesto, uma vingança ou uma provocação. O que esta pessoa queria, na verdade, era demonstrar liberdade, independência, talvez reação ao controle exercido pela empresa. E ela fez isso retomando um hábito que era natural há alguns séculos, mas que a progressiva mudança no conceito de boas maneiras tornou nojento, asqueroso e condenável.

Mudança de hábito
A adoção geral desses valores de comportamento que caracterizam o conceito ocidental de civilização faz parte de um processo cujo início é difícil de determinar. Por questões metodológicas, o autor estabelece a Idade Média como ponto de partida para seu estudo. A preocupação com as boas maneiras não teria surgido apenas nesse momento da história. Porém, os acontecimentos que vêm desde então possibilitam, em 1530, a publicação de um tratado de boas maneiras, escrito por Erasmo de Roterdã: De civilitate morum puerilium (Da civilidade em crianças).

A obra é fruto de uma fase de transição, em que há um afrouxamento da hierarquia social medieval, mas ainda não havia se consolidado a aristocracia absolutista. Com a solidificação da nova aristocracia, a partir do século XVII, o controle social sobre os indivíduos da corte aumenta. As boas maneiras, que representam o caráter de diferenciação, são cada vez mais exigidas. Torna-se importante observar, reparar como as pessoas agem e, ao mesmo tempo, policiar as próprias atitudes. Há uma crescente compulsão pelo auto-controle e um aumento do patamar de embaraço e vergonha, sob a forma de "refinamento" ou "civilização". O reflexo pode ser percebido pela mudança na forma como as regras de boas maneiras são abordadas nos livros de diferentes épocas.

Norbert Elias cita vários deles, analisando as diferenças de conteúdo de acordo com o momento em que surgem. Os trechos selecionados pelo autor abordam desde o comportamento à mesa até o ato de dormir. Para exemplificar o processo de aumento da vergonha, e para ir voltando ao assunto do início do texto, reproduzo aqui as normas que se referem, obviamente, à limpeza do nariz. São extratos retirados de obras publicadas em diversos períodos e países:

a) Século XIII - De la zinquanta cortesie da tavola (Cinqüenta cortesias à mesa), de Bonvesin de la Riva.
"Quando assoar o nariz ou tossir, vire-se de modo que nada caia em cima da mesa."

b) Século XV - Ein spruch der zé tische kêrt
"É indelicado assoar o nariz na toalha da mesa."

c) Século XVI - e civilitate morum puerilium, de Erasmo de Roterdã
"Se alguma coisa cai no chão enquanto se assoa o nariz, deve-se imediatamente pisá-la com o pé."
"Assoar o nariz no chapéu ou na roupa é grosseiro, e fazê-lo com o braço ou cotovelo é coisa de mercador. Tampouco é muito mais educado usar a mão, se imediatamente limpa a meleca na roupa."

d) 1558 - Galateo, Della Casa
"Tampouco é correto, após assoar o nariz, abrir o lenço e olhar dentro dele como se pérolas e rubis pudessem ter caído da sua cabeça."

e) 1672 - Nouveau traité de civilité, de Courtin
"Evite bocejar, assoar o nariz e escarrar. Se for obrigado a proceder assim em lugares mantidos limpos, use o lenço, ao mesmo tempo virando o rosto e ocultando-se com a mão esquerda, e não olhe para o lenço depois."

f) 1714 - de uma Civilité francesa anônima
"Tenha todo o cuidado de não assoar o nariz nos dedos ou na manga, como criança. Use o lenço e não olhe para ele depois."

g) 1729 - de La Salle, Les règles de la bienséance et de la civilité chrétienne
"É muito indelicado esgaravatar as narinas com os dedos e ainda mais insuportável pôr na boca o que se tirou do nariz..."

h) Edição de 1774
"Todos os movimentos voluntários com o nariz, sejam feitos pela mão ou por outra maneira, são indelicados e infantis."

Da toalha ao lenço
Pode-se perceber uma progressão da norma de comportamento, que vai de um conselho sobre como realizar o ato, na Idade Média, até a proibição do ato e a utilização de eufemismos para se referir a ele, no final do século XVIII, quando o conceito de civilização é pleno.

É interessante observar que, na obra do século XIII, a sugestão para que a pessoa se vire ao assoar o nariz, de forma a não cair nada em cima da mesa, indica que, normalmente, caem coisas sobre a mesa. Depois, há uma mudança de comportamento (nas classes altas, é claro). O condenável passa a ser assoar o nariz na toalha, procedimento comum antes. Em seguida, na obra de Erasmo de Roterdã, as regras já são mais sofisticadas. Não se deve usar a roupa para limpar o nariz. O uso das mãos é permitido, desde que estas, por sua vez, não sejam esfregadas na roupas.

Erasmo não se preocupa em poupar o leitor de imaginar cenas que, hoje, nos causam nojo. A franqueza com que aborda as situações, porém, já não está tão presente nas seguintes. As versões desses códigos de conduta vão se tornando menos espaçadas, mostrando que as regras também estavam mudando com maior velocidade. No último exemplo apresentado, a substância que se tira do nariz ou os verbos específicos (assoar, esgaravatar, escarrar) nem são mencionados explicitamente, sendo substituídos pelo eufemístico "movimentos voluntários com o nariz".

Similarmente, os nossos atuais sentimentos de nojo e vergonha, por mais que possam estar relacionados à prevenção de doenças e à higiene, têm uma origem comportamental. Eles são fruto de uma dependência social, de um aspecto das relações humanas que tem a ver com diferenciação. Os hábitos de uma criança, se não forem corrigidos pelos pais ou espelhados nos gestos deles, serão muito parecidos com o que se considera incivilizado. Elas ainda não adquiriram o auto-controle necessário para a vida em uma sociedade civilizada como a que vivemos.

Com base nestas considerações, fica mais fácil compreender a atitude da moça que deixava suas melecas na porta do banheiro feminino da empresa. Ela nunca faria isso na frente dos outros pelas conseqüências que esse gesto acarretaria à sua posição. Afinal, ela é socialmente dependente dos colegas e dos patrões.

Porém, ao fazer escondido algo que há alguns séculos era perfeitamente natural, ao quebrar uma das normas de controle social, ela também estava se posicionando contra o controle exercido pela empresa ao seu trabalho ou ao seu modo de vida. Ao provocar nojo e repugnância nas pessoas, ela cutucou algo que está muito escondido dentro de cada um de nós (sem trocadilhos) e que, pelo bem de nossa vida em uma sociedade civilizada, é melhor que fique por lá.

Para ir além






Adriana Baggio
Curitiba, 2/11/2006

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
3/11/2006
15h46min
A Adriana é sempre agradável, talvez porque faça um jornalismo que fala do presente, com base no conhecimento do passado. Informação e conhecimento não se excluem nos seus textos, sempre cheios de luzes. Parabéns!
[Leia outros Comentários de daniel santos]
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