A inteligência, por Sandy & Junior | Paulo Polzonoff Jr | Digestivo Cultural

busca | avançada
39923 visitas/dia
2,0 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Inscrições abertas para o Festival de Cinema de Três Passos
>>> Lenna Bahule e Tiganá Santana fazem shows no Sons do Mundo do Sesc Bom Retiro
>>> CCBB Educativo realiza oficinas que unem arte, tradição e festa popular
>>> Peça Dzi Croquettes Sem Censura estreia em São Paulo nesta quinta (12/6)
>>> Agenda: editora orlando estreia com livro de contos da premiada escritora Myriam Scotti
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
Colunistas
Últimos Posts
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
>>> Claude 4 com Mike Krieger, do Instagram
>>> NotebookLM
>>> Jony Ive, designer do iPhone, se junta à OpenAI
>>> Luiz Schwarcz no Roda Viva
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Breu e 21, do Grupo Corpo
>>> Your mother should know
>>> Redescobrir as palavras, reinventar a vivência
>>> A mitologia original de Prometheus
>>> Senhor Amadeu
>>> Clóvis de Barros Filho na Escola São Paulo
>>> Dias de Sombra e de Luz
>>> Entrevista com Pedro Doria
>>> Dona do Umbigo
>>> Quem é (e o que faz) Julio Daio Borges
Mais Recentes
>>> Dogma e Ritual da Alta Magia Vol Primeiro de Eliphas Levi pela O pensamento (1924)
>>> Fisioterapia ortopédica de Mark Dutton pela Artmed (2006)
>>> O Capital livro 1 Capa Dura de Karl Marx pela Boitempo (2023)
>>> Canais De Acupuntura de Giovanni Maciocia pela Roca (2008)
>>> O Homem Que Fazia Chover (col. : Boa Companhia) de Carlos Drummond De Andrade pela Boa - Companhia Das Letras (2025)
>>> Coleco Physio 1 Fisioterapia Pratica Coluna Vertebral de Howard W. Makofsky pela Guananara koogan (2006)
>>> Leu O Livro Do Chico? de Marcio Moraes Valença pela Boitempo (2004)
>>> Zuckerman Acorrentado: 3 Romances E 1 Epilogo de Philip Roth pela Companhia Das Letras (2011)
>>> Man In The Dark de Paul Auster pela Faber And Faber (2008)
>>> Coleco Physio 1 Fisioterapia Pratica Coluna Vertebral de Howard W. Makofsky pela Guanabara koogan (2006)
>>> Travels In The Scriptorium de Paul Auster pela Faber & Faber Ltd. (2025)
>>> Como Se Tornar Sobrenatural de Dispenza pela Citadel Grupo Editorial (2021)
>>> Sunset Park de Paul Auster pela Companhia Das Letras (2012)
>>> Applied Folk Linguistics (aila Review) de Antje Wilton, Martin Stegu pela John Benjamins Publishing Company (2011)
>>> Integrating Content And Language In Higher Education de Ute Smit, Emma Dafouz pela John Benjamins Publishing Company (2012)
>>> Sexo, Drogas, Rock´n´roll... E Chocolate de Vários Autores pela Vieira & Lent (2009)
>>> Coaching Educacional: Ideias E Estrategias de Graça Santos pela Leader (2012)
>>> Amiga Genial de Elena Ferrante pela Biblioteca Azul (2025)
>>> Mulheres Sem Nome de Martha Hall Kelly pela Intrínseca (2025)
>>> Seja O Lider Que O Momento Exige de Cesar Souza pela Best Business (2019)
>>> Meu Nome é Emilia Del Valle de Isabel Allende pela Bertrand Brasil (2025)
>>> Direitos Humanos Nas Entrelinhas Das Crônicas De Carlos Drummond De Andrade de Luiza De Andrade Penido pela Blucher (2022)
>>> Poemas Que Escolhi Para As Crianças de Ruth Rocha pela Salamandra (2013)
>>> Ou Isto Ou Aquilo (edicao 2012) de Cecilia Meireles pela Global (2012)
>>> Deus, Uma Biografia de Jack Miles pela Companhia Das Letras (1997)
COLUNAS

Quarta-feira, 31/10/2001
A inteligência, por Sandy & Junior
Paulo Polzonoff Jr
+ de 3500 Acessos
+ 1 Comentário(s)

A felicidade dela é tão genuína, que não tenho como criticar. Fico aqui pensando, chorando em frente à televisão, numa atitude meio sádica, no caminho que escolhi, tão diverso deste. Olhe para ela: trancinhas no cabelo, com um sorriso largo que é o exato oposto de minha cara tosca quando chorando. Sou, no mínimo, tão patético quanto ela. Meu choro, entretanto, vai desaparecer amanhã, enquanto a felicidade dela, expressa naqueles dentes tão brancos, vai permanecer provavelmente para o resto da vida, sabendo, como sei, que estas pessoas geralmente não mudam seus gostos.

Impossível foi não correr para o computador para escrever sobre isso. Pena que não tenha os recursos de imagem para retratar o que vejo. Tampouco tenho a paciência necessária para descrever a meu leitor a mentira sob os holofotes, com nome e sobrenome, mentira esta que já é dinastia, por assim dizer. Aqui estou eu, olhando para a janela, fumando um cigarrinho ilusório agora, querendo um uísque (garçom, por favor um uísque!), pensando seriamente no que podem pensar aqueles que estão acostumados a me lerem comentando coisas mais “altas”.

Voltando à felicidade da fã. Uma mulher já, que um homem desejaria facilmente, não fosse a carinha de criança que a torna mais e mais infantil na medida em que vai deixando escorrer seu conhecimento inútil para dentro de meu ouvido que já agora tenho por ferido. Mulher, como é que você foi parar aí, deixando-me aqui todo perdido, jogado num canto, me sentindo um lixo só porque tenho um volume pesado demais sobre o colo, enquanto você responde às perguntas sobre seu objeto de adoração como se falasse algo deveras relevante para este país, que neste momento chamo pacificamente de merda?

Este país é uma merda, caros, mas não sei se tenho culpa nesta merda. Muito provavelmente. Como um intelectual — como me chamam, mas nego veementemente — devo ter minha parcela de culpa, ao deixar que isso viesse a acontecer.

Que este texto diminua ao menos um pouco de minha culpa sobre esta merda que nós chamamos sem nenhum orgulho de Brasil. Há quem se vista de verde-amarelo, quem ache o Hino Nacional uma grande canção; há até quem beije esta terra, achando que aqui somos abençoados por um Deus que tem passaporte verdinho. Mais do que nunca hoje sinto vergonha, do país e de mim. Não quero, entretanto, parecer um homem cheio de autocomiseração. Olho para o lado, vejo a estante cheia de livros e não posso deixar de dizer simplesmente que este foi o caminho que escolhi. A mim cabe pagar o preço, se o preço for chorar ou viver nessa vidinha pequena que estou vivendo, enquanto vejo pessoas semi-analfabetas ganhando milhões. Pago.

A mentira se expõe. Como será que vocês não vêem isso? Basta abrir o olho e os ouvidos. Não precisa ser genial; eu não sou genial. Por que não se põe as cartas na mesa? Ou será que é justamente isso que se quer: não ver? A mentira está ali, ao vivo, por favor. Calem-na por um instante.

Depois do choro, sinto náusea. Será que é Sartre, a quem desprezo hoje, impondo-se? Nojo, enjôo diante da mentira.

Volto ao início deste texto, contudo: a felicidade da fã é tão genuína, como é que posso criticar? Não posso, ao menos não sem me criticar também. Afinal de contas, eu fico aqui escrevendo este monte de palavras, veja só, preocupado que você, leitor, não saiba que a mentira, até aqui, se chama Sandy & Junior, que a fã se chama Monalisa, e que o programa a que assisto é Domingão do Faustão, por força da ocasião, já que agora não posso ter TV a cabo. É... ou você acha que eu só sei me debruçar sobre autores franceses, diretores italianos, cantoras de jazz negríssimas gravando Cole Porter? Sim, meu caro amigo: o lixo cultural também existe neste meu cerebrozinho.

Vamos colocar em outros termos, ok? Em vez que chamarmos Sandy & Junior e esta farsa toda de mentira e lixo cultural, já acho que é hora de nós, fãs ou “intelequituais”, pensarmos neste tipo de produto, de que se valem tantos outros tubarões, como apenas seres humanos. É uma tentação dizer o contrário, tentação a que incorro muitas vezes, mas que tem de acabar, porque só assim posso deixar de achar que este país é realmente uma merda, para achar tão-somente que é um país primitivo, feito de seres humanos primitivos, intelequituais ou fãs ou ídolos populares.

Pois é, meu amigo, cujo nome oculto por pudor à sua inteligência, tenho me debruçado, neste fim-de-semana, sob a questão dos ídolos populares. Na sexta, assistindo ao Ratinho, percebi, por mais que ache isso impossível, beleza naquelas mulheres gordas e feias e quase todas negras e certamente todas pobres, aquelas mulheres que se sentavam no sofá, esperando ou pedindo um teste de DNA, para certificarem-se ou não que homens, também negros e pobres em sua maioria, e feios também em sua miséria que costuma a nos chocar só porque estamos acostumados a um padrão de beleza classe-média, são os pais de seus filhos. Sim, meu amigo, há beleza, sim. Uma beleza tão rústica que extrapola estes sentimentos pretensamente sofisticados a que estamos acostumados. Beleza de fêmea resguardando o futuro de sua cria. Algo que não cabe em João Antônio ou Dalton Trevisan.

Depois, sem querer, me deparei com coisa assustadora: o humor do A Praça É Nossa. Você, como outras pessoas inteligentes que conheço, não suportam cinco minutos do programa semanal. Para dizer a verdade, eu mesmo não agüentei nem dois minutos. O minuto e meio, porém, que vi do programa, foi-me suficiente para identificar uma falha nossa. Não é o humor que é ruim, a piada sem graça; é que tudo ali é tão ingênuo, tudo tão parado num tempo em que as pessoas consideravam palavras como chato um palavrão, que nos constrange. A sisudez tirou nosso humor — a culpa é de quem?

Hoje passei a tarde em casa. Nada pior do que domingo à tarde em casa, com chuva lá fora, sem TV a cabo. Um mundo de descobertas, porém, me foi apresentado hoje. Primeiro, logo depois do almoço, com um tal “quadro da princesa”, com um pagodeiro cujo nome me foge agora. A idéia é simples: pega-se alguém muito pobre, coloca-se numa limusine, e se dá um banho de loja na moçoila, a fim de fazê-la sentir-se uma princesa. Nada que dê prejuízo, claro. As lojas ganham publicidade e o apresentador, audiência dos pobres-diabos como eu. Não sei se é comum, mas neste domingo em que assisti ao quadro, uma moça começou a descrever sua vida. Pobre, sim, começava a estudar tarde. Tinha uma filha, fruto de um amor passageiro. Morava em Minas Gerais e foi para São Paulo à procura de melhores condições. Na cidade, entretanto, foi posta para fora por causa de um desentendimento qualquer e teve de dar a filha. Neste momento ela chorava copiosamente (viva os lugares-comuns!). Sabia eu já que ela iria ter tudo de volta, graças ao poder da televisão. Agora me diga, amigo, me responda com toda a sinceridade: não há beleza nisso? Nem ao menos no relato da mulher?

Até que desagüei no Sandy & Júnior, depois do jogo da seleção. Vi duas fãs se digladiarem numa disputa infantil para ver quem cantava com o Junior. Vim para o computador e comecei a escrever este texto. Lembrei das narrações de amigos de imprensa, que diziam que os seguranças da dupla, truculentos, batiam em crianças durante o show. Chamou-me a atenção mesmo foi a felicidade da fã ganhadora. O tamanho do sorriso. E o tamanho daquilo que eu considerava uma mentira.

Por fim, tenho de resignar-me. Olhar por trás de dois grossos vidros: o primeiro, da televisão, com sua ilusão de fácil constatação (eco, eco); e o segundo, o da falsa crítica, que se opõe à mentira criando outra mentira: a de que a cultura popular é feita por verdadeiras obras-primas da dramaturgia.

Oh, engano! Quanto mais simples o postulado, mais difícil para nós, “intelequituais”, é compreendê-lo. Não vou me debruçar sobre livros ou nomes de fraque e cartola para dizer algo que vi na emoção rasteira, na palavra — amor — usada assim irresponsavelmente, sem grandes sofismas. Não vou me apoderar de frases de Shakespeare, tiradas de uma cena obscura de uma peça mais obscura ainda. Nem tampouco vou recorrer às memórias de Proust, à linguagem cifrada de Joyce, à cólera de Céline, aos jogos lógicos de Wittgenstein, à tristeza de Nietzsche, à poesia quadrada de João Cabral. Vou ser simples e direto ao dizer que, meu caro, estou diante do ser humano;

e é o ser humano, assim despido de nossa pretensa inteligência, que me interessa.


Porque assim sou eutambém: humano, despido de toda a sua inteligência.


Paulo Polzonoff Jr
Rio de Janeiro, 31/10/2001

Quem leu este, também leu esse(s):
01. 2 leituras despretensiosas de 2 livros possíveis de Ana Elisa Ribeiro
02. estar onde eu não estou de Luís Fernando Amâncio
03. Quando (não) li Ana Cristina César de Ana Elisa Ribeiro
04. A mitologia original de Prometheus de Vicente Escudero
05. A vida subterrânea que mora em frente de Elisa Andrade Buzzo


Mais Paulo Polzonoff Jr
Mais Acessadas de Paulo Polzonoff Jr em 2001
01. Transei com minha mãe, matei meu pai - 17/10/2001
02. Está Consumado - 14/4/2001
03. A mentira crítica e literária de Umberto Eco - 24/10/2001
04. Reflexões a respeito de uma poça d´água - 19/12/2001
05. Deus - 25/7/2001


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
1/11/2001
21h00min
gosto dos textos do paulo pois ele faz o papel do advogado do diabo diante de situaçoes que a inteligencia de alguns poucos nao podem admitir como simplesmente verdadeiras, para um grupo que nao podem ampliar a inteligencia e a critica, como os que leem esta coluna.
[Leia outros Comentários de marta]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Les Confessions I e II
Rousseau
Gallimard
(1973)



Triste Fim de Policarpo Quaresma - Objetivo
Lima Barreto
Objetivo
(1998)



Livro Auto Ajuda A Mulher do Pai Essa estranha posição dentro das novas famílias
Fernanda Carlos Borges
Summus
(2007)



Lord Arthur Savile's Crime - penguin Popular Classics
Oscar Wilde
Penguin Books
(1994)



Livro O Touro da Língua de Ouro Coleção Tapete Mágico
Ana Maria Machado
Atica
(1994)



Livro A Garota No Trem
Paula Hawkins, traduzido por Simone Campos
Record
(2015)



Organização do Trabalho Pedagógico: Múltiplas Orelhas
Célia Regina Teixeira
Oikos
(2011)



Direito Processual - Enfoque Constitucional
João Antônio Lima Castro
Puc Minas
(2008)



Epm/Spdm: Histórias de Gente, Ensino e Atendimento à Saúde
Ana Lúcia Lana Nemi (Org.)
Unifesp
(2013)



Brincando Com o Seu Cão
Suellen Dainty
Pensamento
(2009)





busca | avançada
39923 visitas/dia
2,0 milhões/mês