Sincretismo imprevisível | Elisa Andrade Buzzo | Digestivo Cultural

busca | avançada
53754 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Água de Vintém no Sesc 24 de Maio
>>> Wanderléa canta choros no Sesc 24 de Maio
>>> Vitor Lopes e convidados no Sesc 24 de Maio
>>> Nilze Carvalho no Sesc 24 de Maio
>>> Choro Interior no Sesc 24 de Maio
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
>>> The Nothingness Club e a mente noir de um poeta
Colunistas
Últimos Posts
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
>>> Felipe Miranda e Luiz Parreiras (2024)
>>> Caminhos para a sabedoria
Últimos Posts
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
>>> Ser ou parecer
>>> O laticínio do demônio
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Sobre Jobs e Da Vinci
>>> Bom Bril: de volta na sua TV
>>> O Presépio e o Artesanato Figureiro de Taubaté
>>> De volta às férias I
>>> 21º de Mozart: Pollini e Muti
>>> O blog que ninguém lê…
>>> Ganha-pão
>>> O batom
>>> A máquina de poder que aprisiona o espírito
>>> Magnopyrol
Mais Recentes
>>> A Escolha - A Seleção Vol. 3 de Kiera Cass pela Seguinte (2014)
>>> Coaching de Grupo e Equipe - Meta-Coaching de L. Michael Hall pela Qualitymark (2014)
>>> O profeta (Pocket) de Khalil Gibran pela Lpm Pocket (2005)
>>> Diários Do Vampiro: Reunião Sombria de L .J. Smith pela Galera Record (2010)
>>> Coach de Ouro - Como Alcançar o Sucesso em uma Atividade Atraente e Rentável de Alan Weiss pela Bookman (2012)
>>> Mindfulness Para Crianças de Vitor Friary pela Sinopsys (2018)
>>> O amigo de infância de Maigret (Pocket) de Georges Simenon pela Lpm Pocket (2009)
>>> Tudo E Mais Um Pouco de Bonnie Fuller pela Academia de Inteligência (2007)
>>> Como Salvar Um Vampiro Apaixonado de Beth Fantaskey pela Arqueiro (2013)
>>> Os Segredos Das Mulheres Inteligentes de Julia Sokol; Steven Carter pela Sextante (2010)
>>> Manual do CEO - Um Verdadeiro MBA para o Gestor do Século XXI de Josh Kaufman pela Saraiva (2012)
>>> Os Hungareses de Suzana Montoro pela Rocco (2013)
>>> Coaching Com PNL de Andrea Lages, Joseph Oconnor pela Qualitymark (2004)
>>> A Declaração de Brian Moore pela Companhia Das Letras (1998)
>>> A Declaração de Brian Moore pela Companhia Das Letras (1998)
>>> É Preciso Pouco Para Ser Feliz: Os Doze Passos Para A Felicidade de Giuliano Milan pela Novo Século (2010)
>>> Tuareg (Pocket) de Alberto Vázquez Figueroa pela Lpm Pocket (2002)
>>> Trono Destruído de Victoria Aveyard pela Seguinte (2019)
>>> Livro Literatura Estrangeira se eu Ficar de Gayle Forman pela Novo Conceito (2014)
>>> A Mulher Do Mágico de Brian Moore pela Companhia Das Letras (2000)
>>> Como Se Tornar Um Bom Orador E Se Relacionar Bem Com A Imprensa de Reinaldo Polito pela Saraiva (1997)
>>> No Rastro De Chet Baker de Bill Moody pela Jorge Zahar (2002)
>>> Livro Literatura Estrangeira Um Dia Vinte Anos. Duas Pessoas. de David Nicholls pela Intrínseca (2011)
>>> Mais de 100 Histórias Maravilhosas de Marina Colasanti pela Global (2015)
>>> O Estado Jardim de Rick Moody pela Rocco (2001)
COLUNAS

Quinta-feira, 3/9/2009
Sincretismo imprevisível
Elisa Andrade Buzzo
+ de 3700 Acessos
+ 1 Comentário(s)

Da plataforma do trem já se vê a igreja, alta, acima das casas próximas à estação Sagrado Coração, na cidade paulista de Jandira. Aos poucos, subindo a íngreme avenida João Longo, a igreja vai se contornando amarela com arcos detalhados de tijolinho. Numa construção logo abaixo da escadaria que dá acesso à entrada da igreja, fica o ateliê de cerâmica ArtEVida. Vasos e pratos feitos com argila secam ao sol que cai em sua larga sacada. Lá está Davison da Silva, um dos cinco artesãos que fazem parte da cooperativa do ateliê. Sentado em um balcão de madeira, ele enfileira pacientemente folhas de argila colorida em ramos simétricos ― a decoração de um futuro tampo de mesa.

O ar dentro do ateliê está repleto de partículas minúsculas de pó branco, resultado de lixações constantes das peças de cerâmica. Dois artesãos trabalham frente a frente numa longa mesa ― Patrícia Leite separando pedacinhos de argila verde e Ângelo Aguiar moldando um prato, argila mole em suas mãos. Ao redor deles, há dezenas de vasos coloridos, luminárias, esferas, bustos e pratos, dispostos em longas prateleiras. O nome de algumas peças, como Busto Marajó e Vaso Belém, ao lado do Prato Roma, por exemplo, é indício de uma apropriação sincrética de estilos e culturas diversas.

O conceito de sincretismo ― voltado à cultura ― ainda em aberto devido à "incapacidade dele próprio se 'regular' ou de 'ser regulado'", como fala o antropólogo Massimo Canevacci no livro Sincretismos, caminha em direção a experiências de cruzamentos culturais, ainda que de forma aparentemente desordenada, como veremos.

"O Brasil e a sua gente é uma terra que fala de cores e transmite cores e sensações. Por isso, as nossas peças são todas muito coloridas, muitas vezes não precisam seguir um modelo padrão e se desenvolvem com mais liberdade", diz Cláudio Melioli, artista italiano que incentivou e orientou a abertura do ateliê em Jandira, em setembro de 2000.

Astrônomo de formação, Cláudio resolveu sair da Itália porque queria "fazer algo de novo, que não tivesse nada a ver com astronomia e também realizar algo em que acreditava". Exatamente o Brasil foi escolhido porque ele ouvia desde criança histórias da viagem que seu pai, o artista plástico Giuliano Melioli fizera até aqui, no final da década de 1960. Experiência que deixaria marcas na arte e vida de Giuliano, depois na de Cláudio e no próprio ateliê ArtEVida, em grande parte por causa do contato que tivera com a cerâmica marajoara.

As primeiras peças desenvolvidas pelos artesãos brasileiros foram a partir do catálogo do ateliê de Giuliano em Reggio Emilia, pequena cidade italiana próxima à Bolonha. Lá funciona o ateliê dos Melioli e de Cesare Ferrari, chamado Tarsíe, onde são produzidas peças artísticas de cerâmica. Como desdobramentos, ainda existem na cidade a Tarsíe Cooperativa, na qual "trabalham pessoas que têm problemas mentais ou depressões várias, coordenadas por meu pai", diz Cláudio; e "a sociedade Ars Vivendi, que produz o cocciopesto".

Os artesãos do ArtEVida aprenderam técnicas italianas ― a cerâmica embutida e o cocciopesto ― com Cláudio. "A maioria das peças hoje são criadas e pensadas por eles [os artesãos], eu só aconselho um pouco", conta Cláudio. A técnica da cerâmica embutida, patenteada por Giuliano Melioli, é uma espécie de marchetaria de argila colorida com uma fórmula de vários óxidos, que substitui o esmalte aplicado na cerâmica. A outra técnica italiana utilizada pelos artesãos brasileiros é o preparo da massa cocciopesto, que significa "caco de argila amassado ou moído". A massa é feita com "argila queimada e moída e uma espécie de cimento que serve para juntar a argila", explica Cláudio. É uma receita que tem origem na Roma Antiga, onde eram utilizados "cacos dos vasos e das ânforas quebradas e misturavam isso com cal para fazer pisos e revestimentos".

Como as primeiras peças feitas pelos artesãos do ArtEVida foram baseadas na cerâmica marajoara, que por sua vez fora apropriada e interpretada em peças italianas, "em seguida, o laboratório desenvolveu peças novas, com uma certa influência [marajoara], em algumas delas, mas mesmo sem saber exatamente se o que se está fazendo é um animal ou algo de abstrato", revela Cláudio. Desta forma, "os desenhos inspirados na arte marajoara são reproduzidos mais com um sentido abstrato e de harmonia de formas", completa.

Segundo a arqueóloga e pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Denise Schaan, "os motivos decorativos na cerâmica marajoara são em geral geométricos na forma e parecem abstratos para a maior parte dos observadores. No entanto, eles representam seres mitológicos, espelhados na fauna local." A cerâmica marajoara, segundo Denise, é um dos estilos mais sofisticados da Pré-História das Américas, com vasos que datam de 600 a 1200 depois de Cristo.

"Muitos objetos marajoara, principalmente os vasos, eram na verdade urnas para guardar as cinzas dos mortos, que depois eram enterrados. Hoje, muitas das nossas formas se inspiram nas formas dessas urnas", afirma Cláudio. Como essas peças foram criadas para ficar embaixo da terra, os artesãos tiveram que modificá-las a fim de que tivessem uma maior estabilidade. Assim, há uma reinterpretação tanto de formas, quanto de motivos dos desenhos na cerâmica sem uma "lamentação pela perda da origem", como define característica do sincretismo Canevacci. O elemento sincrético, no caso, se modula como um processo em formação, ainda não acabado e aberto a uma leitura contemporânea.

Já nas peças feitas na Itália, no ateliê Tarsíe, Cláudio acha que o que persiste hoje da cerâmica marajoara é "a filosofia que estava por trás da arte marajoara", ou seja, a representação do mundo "com traços muito simples e essenciais e do uso de vários pigmentos". O encanto de Giuliano pelo grafismo marajoara, que teve contato em viagem ao Brasil, se encontra nos significados de suas composições, "com um traço representa um animal, com uma forma representa uma mulher, com um ponto representa uma onça. Achei isso incrível e muito moderno. Foi aí que comecei a desenvolver meu novo estilo, misturando o clássico e os detalhes que sempre pintei, com formas e traços simples e sintéticos".

Denise afirma que "Há uma grande produção de cerâmica que utiliza o grafismo arqueológico assim como as formas dos vasos de maneira livre, descompromissada, mas sempre buscando a referência do significado arqueológico". Ainda segundo a arqueóloga, em texto do catálogo da exposição Brésil en France, há um processo atual da sociedade de apropriação de símbolos da cultura pré-colombiana. "Esta estética inspirada na arte nativa tem excelente aceitação, especialmente porque os motivos decorativos prestam-se a interpretações diversas, acomodação de desenhos a novas formas de suporte, e permite novas combinações de formas sem perder ritmo e simetria", explica. É o que pode ter acontecido nestas na formação das cerâmicas em questão.

Cláudio acredita que o "design [da ArtEVida] começou misturando a arte italiana com aquela marajoara, mas hoje a mistura, em algumas peças, é tão grande que não dá pra entender de onde vem o estilo". Como diz Canevacci, os sincretismos "brotam indisciplinados e incoerentes, de cada aspecto de nossa contemporaneidade; para subvertê-la ou, ao menos, surpreendê-la, às vezes também para confundi-la ou simplificá-la." As peças do ArtEVida, nesse mix de técnicas, formas e motivos, moldadas em mãos brasileiras, revelam um precioso sincretismo em formação.


(Matéria originalmente produzida para o Rumos Itaú Jornalismo Cultural, edição 2004/2005)


Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 3/9/2009

Mais Elisa Andrade Buzzo
Mais Acessadas de Elisa Andrade Buzzo em 2009
01. Inútil, o filme e a moda que ninguém vê - 22/1/2009
02. USP: 75 anos de histórias várias - 12/2/2009
03. A Mulher Invisível ou a literatura como salvação - 20/8/2009
04. A profundidade aparente do concreto - 30/4/2009
05. Polly - 28/5/2009


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
3/9/2009
22h45min
Querida Elisa, obrigado por este passeio pelo ateliê ArtEVida: tudo é poético, até mesmo o nome da cidade! Consigo sentir os cheiros, os perfumes que impregnam o ateliê ArtEVida. Uma autêntica aula sobre o talento dos cinco artesãos, uma notável aula de história. Ótimo o fato de você não editar nenhuma foto do local, farei o possível pra chegar em Jandira e lá conhecer tudo ao vivo! Parabénsss pelo achado do tesouro + texto! abs e bjs do Sílvio. Campinas, é quase primavera de 2009.
[Leia outros Comentários de Sílvio Medeiros]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Jogue Xadrez! Aprenda e Pratique
Antonio Carlos de Resende
Solis
(2013)



Filhos Selvagens - Reflexões Sobre Crianças Violentas
Jonathan Kellerman
Rocco
(2002)



O Problema do Destino
Léon Denis
Petit
(2000)



Livro de bolso Psicologia Lacan Folha Explica
Vladimir Safatle
Publifolha
(2009)



Direito Internacional e Relações Econômicas
Emerson Malheiro
Max Limonad
(2017)



Sistemas metodos e processos
Tadeu cruz
Atlas
(2003)



Charbonneau Ensaio e Retrato
Alberto Martins
Scipione
(1997)



Demian
Hermann Hesse
Civilização Brasileira
(2000)



A Confissão de Lúcio
Mário de Sá-carneiro
Nucleo
(1993)



A Teoria do Crescimento da Firma
Edith Penrose
Unicamp
(2006)





busca | avançada
53754 visitas/dia
2,0 milhão/mês