Dias sombrios | Elisa Andrade Buzzo | Digestivo Cultural

busca | avançada
77099 visitas/dia
1,3 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Alice Caymmi canta Dorival no Manouche no Jardim
>>> 100/cabeças publica livro de ensaios de Walter Benjamin sobre Franz Kafka
>>> Feira de Tradições Pretas traz Teresa Cristina e Leci Brandão para Boteco da Dona Tati
>>> Os Piores Palhaços do Mundo, com Claudio Carneiro, Hugo Possolo e Márcio Ballas, estreia dia 8 em SP
>>> Izzy Gordon 'Rainhas do Jazz'
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
Colunistas
Últimos Posts
>>> All-In sobre o DOGE e o USAID
>>> Steve Vai e os 30 anos da Ibanez JEM
>>> All-In sobre DeepSeek
>>> L'italiana in Algeri par Georges Prêtre
>>> Le siège de Corinthe par Solti
>>> DeepSeek by Glenn Greenwald
>>> David Sacks no governo Trump
>>> DeepSeek, inteligência que vem da China
>>> OpenAI lança Operator
>>> Um olhar sobre Frantz Fanon
Últimos Posts
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
>>> Editora lança guia para descomplicar vida moderna
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Entrevista com Daniel Galera
>>> Amor aos pedaços
>>> O Livro das Cortesãs, de Susan Griffin
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> O altar das montanhas de Minas
>>> Crise da Democracia
>>> Yoani Sánchez no Brasil
>>> A Alma Encantadora das Ruas
>>> Vamos por partes
>>> Tons por detrás do rei de amarelo
Mais Recentes
>>> Resumo De Direito Administrativo Descomplicado de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo pela Método (2016)
>>> Viva O Povo Brasileiro de João Ubaldo Ribeiro pela Alfaguara (2009)
>>> A Vez e a Voz dos Vencidos - Militares X Militares de Hélio Silva pela Vozes (1998)
>>> Napoleão 2 volumes de Max Gallo pela ‎ Casa Jorge (2003)
>>> A Droga Do Amor de Pedro Bandeira pela Moderna (paradidaticos) (2014)
>>> Forte - Devocionais Para Uma Vida Poderosa E Apaixonada de Lisa Bevere pela Thomas Nelson Brasil (2020)
>>> Dialética da Família de Massimo Canevacci(org) pela Brasiliense (1981)
>>> Viagem Com Dante de Oscar Dias Correa pela Topbooks (2005)
>>> Nos Caminhos da Literatura- Fundação Nacional do Livro Infantil e Juve de Ana Dourado e Outros pela Best Seller (2008)
>>> Teoria e pratica em psicomotricidade de Geraldo Pecanha De Almeida pela Wak (2014)
>>> A Alegria Que Vem da Trapa de Bernardo Bonowitz pela Lumen Christi (2001)
>>> O Alienista de Machado De Assis/ Luiz Antonio Aguiar pela Ática (2008)
>>> O Feminismo é um Humanismo de Rachel Gutiérrez pela Nobel (1985)
>>> Federalismo E Competencias Ambientais No Brasil de Paulo De Bessa Antunes pela Lumen Juris (2007)
>>> O pequeno mentiroso de Mitch Albom pela Sextante (2025)
>>> Os Famintos de Thomas Mann pela Nova Fronteira (1982)
>>> Introdução Ao Budismo de Unknown pela Centro Budista (2015)
>>> Epistemologia Contemporânea de Jonathan Dancy pela Edições 70 (1995)
>>> Tudo é construído! Tudo é revogável! de Alipio Desousa Filho pela Cortez Editora (2017)
>>> Queria Que Você Estivesse Aqui de Jodi Picoult pela Tag (2024)
>>> A Marcha da Insensatez: de Tróia ao Vietnã de Barbara W. Tuchman pela José Olympio (1989)
>>> Autoestima blindada de William Sanches pela Academia (2019)
>>> Uma vida bela de Virginie Grimaldi pela Tag (2024)
>>> Tirza de Arnon Grunberg pela Rádio Londres (2025)
>>> Olhares Contemporâneos Sobre O Turismo de Célia Serrano pela Editora (2000)
COLUNAS

Quinta-feira, 7/7/2011
Dias sombrios
Elisa Andrade Buzzo
+ de 3300 Acessos


foto: Sissy Eiko

Ai dos paulistanos que dependem do nylon e do moleton neste inverno.
Estarão condenados ao frio eterno.
A paulistana que adora mostrar a bunda.
Nesta voragem facilmente ficará moribunda.

Chegou a hora... porque o paulistano nunca faz compras decentemente para enfrentar o frio, seja por preguiça, pela falta de grana ou pela certeza de que "tudo vai passar". Mais cedo ou mais tarde a primavera vai surgir e espalhar poesia. E assim, mais uma vez, chega o dia inexorável de abrir as gavetas mais profundas do guarda-roupa, sacar as malhas infestadas de bolinhas, reaver as naftalinas, praguejar o preço do cachemir, maldizer a falta de luvas, a perda das polainas, e de encontrar a moda esquisita e multicolorida que se vê nas ruas, em que o vestir-se se transforma em montar uma concha de retalhos a partir dos camelôs e da oferta medíocre das lojas de departamento.

Há de se pós-graduar na Sorbonne sobre os mistérios dos nós dos cachecóis, a arte do bem-vestir invernal, sobre as sobreposições e as camadas diversas que o inverno pressupõe ao corpo desnudo como passível de ser escultura, pois em matéria de vestimenta o paulistano facilmente passa do elegante ao assaltante. O fato é que uns pecam pela falta, outros pelo exagero. Como tudo na vida, enfim, mas no inverno, quando menos estamos preparados para ela, é que os disparates se sobressaem, a beleza e o feio se misturam a tal ponto que nada mais se classifica ou importa. O frio é democrático. E assim, veremos e apontaremos sem dó pelas ruas a combinação manga comprida e manga curta, à la ginasial, chapéus bizarros do tempo do onça, toucas da vovó, botas de prostituta e a necessidade contraditória de cobrir e mostrar o corpo. O paulistano é antes de tudo um criativo. Assim, não é por causa de uma frente fria que ele perecerá.

A bem dizer, o paulistano não se prepara para a chegada do inverno. É um Macunaíma que de repente se encontra face a face com um gigante. A estratégia de guerra, o próximo passo, sempre fica para adiante. O sonho desta noite durará apenas alguns dias, logo mais o sol vai aparecer e acordaremos refeitos. Ele o omite deliberadamente de seu calendário climático a partir do momento em que entende que as quatro estações do ano estão contidas num só dia. Seu céu, de cinza melancolia e poluição, passa a uma nuvem espessa recobrindo seus poros. E assim nos acostumamos ao grafite como se nada além dele fosse possível.

De uma vez, todos os carros estão pretos, em fúnebre cortejo e os cemitérios adquirem aquela tonalidade entre a ventania e o verde-musgo. Andamos atônitos como num filme de terror aguardando o anticlímax do golpe final. O nariz e os cabelos gelam e das bocas sai apenas o murmúrio "que frio". Ninguém entende o que acontece. E só se fala do tempo, nos elevadores, nas repartições, nos shoppings, nos laboratórios. Se antes as conversas frouxas giravam em torno dele, agora ele é o único assunto permitido.

Chegou a hora de andar com os braços cruzados e o coração apertado. A tarde é a mais fria do ano, as mãos se enlaçam, friccionam-se como se pudessem gerar fogo. Nunca se desejou tanto o calor, uma nesga de sol, a quentura de um corpo se procura com aflição - aquele mesmo calor que maldizemos como insuportável, quando desejamos um ar condicionado, um gelo entre a língua e os dentes. Os lábios se comprimem em silvo agudo. Entretanto, dessa sensação não se escapa e ela é boa, fortificante e dolorosa.

São necessários anos para se compreender de qual sutil e sombria matéria é feito o inverno paulistano. Tem personalidade de homem arredio. Sabe-se que ele vai chegar, mas somos pegos desprevenidos, como se estivéssemos nus, aparvalhados diante de sua súbita presença. E então o encontro seria sempre algo genuíno, surpreendente, beirando ao sublime, embora carregado de ingenuidade. Somos todos castos diante da intrusão do frio. Acompanhar uma cidade que se enconcreta e se enclausura, seja pela janela do apartamento constatando a falta de céu, não bastando que se enrole em mil cobertores, seja caminhando pelas ruas ou na proteção do ônibus nas linhas pelas mais belas e mal-afamadas ruas do centro da cidade.

A vida é uma constante aceitação se debatendo contra o desejo, um encher e esvaziar cálices e estantes, e o paulistano se acomoda bem diante das ambiguidades da existência. Equilibra-se no somatório das buzinas, dos motores, raps de celulares, espirros e de uma tosse débil, desacreditada da força da vida. Assim como se dá conta de que não pode se livrar do trânsito e da miséria onipresente, ele entende que o frio é uma praga passageira, motivo de altercação e piada. Daí largar seu corpo como que desapaixonado, que mergulha a esmo na escuridão, e parecer que não tem expectativa diante dos mínimos fatos cotidianos.

São dias em que nossas casas nos gelam e nos expulsam. Frio por frio melhor ficar na rua e se mexer, ver o mundo mal arranjado do inverno paulistano. A vida corre solta, displicente. De nada servirá lançar-lhe amarras. Anoitece, a neblina se espessa e a cidade cinza fica ainda mais cinza. Uma garoa fina não molha, antes envolve com frialdade os transeuntes, como gatos pardos, perdendo-se pelos caminhos.


Elisa Andrade Buzzo
São Paulo, 7/7/2011

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Esse Caro Objeto do Desejo de Adriane Pasa
02. As iluminações musicais de Rodrigo Garcia Lopes de Jardel Dias Cavalcanti
03. A novíssima arquitetura da solidão de Marta Barcellos
04. O Véu, de Luis Eduardo Matta de Fabio Silvestre Cardoso
05. Sabino e Nelson, muito obrigado de Rafael Rodrigues


Mais Elisa Andrade Buzzo
Mais Acessadas de Elisa Andrade Buzzo em 2011
01. Triste fim de meu cupcake - 17/2/2011
02. No tempo da ficha telefônica - 12/5/2011
03. Adeus, Belas Artes - 20/1/2011
04. Um mundo além do óbvio - 28/4/2011
05. Um lugar para o tempo - 29/9/2011


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




No Azul Do Céu : A Fotografia Aérea De Carlos Lorch
Carlos Lorch
Action
(2009)
+ frete grátis



Recordações 528
Jacira Lopes Rodrigues da Cruz
Mythos Books
(2011)



Empresas Alemãs no Brasil - o 7 x 1 na Economia
Christian Russau
Fundação Rosa Luxemburgo
(2017)



James / Dewey / Veblen Volume 40
Victor Civita
Abril Cultural
(1974)



The Little Tern : A Story of Insight
Brooke Newman
Publisher: Simon & Schuster Ltd
(2001)



Por Acaso
Ali Smith
Companhia Das Letras
(2006)



antologia imatura
Raul J F Roviralta
n/d
(1984)



Plano Estratégico de Marketing
Marcos Cobra
Atlas
(1989)



depois daquela viagem
Valéria Piassa Polizzi
Ática
(2011)



Gauguin
Ronald Alley
Paul Hamlyn
(1968)





busca | avançada
77099 visitas/dia
1,3 milhão/mês