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Quarta-feira, 29/8/2012
Serge Daney: o cinema como espelho
Humberto Pereira da Silva
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Serge Daney, um dos grandes críticos de cinema francês, morreu há exatos vinte anos. Jovem, aos 48 anos, marcou presença nos Cahiers du Cinéma, no Libération e criou a Trafic, uma das mais prestigiosas revistas de cinema da atualidade. Nos Cahiers, ao lado de Serge Toubiana no início dos anos 70, rompe com a influência ideológica maoista predominante na revista de 1968 até 1972 e dá início a um processo de refundação, cujo lema basicamente era reatar a herança de André Bazin: uma revista de cinema presta-se a discutir filmes. Entre os anos de 1973 e 1981, quando esteve à frente da direção dos Cahiers, Daney foi o crítico de cinema mais em evidência na França. Por isso, para muitos, sua influência o coloca no mesmo patamar dos grandes críticos dos anos 40 e 50, notadamente Georges Sadoul e André Bazin.

Vinte anos sem Daney e duas instituições simbólicas do cinema francês lhe prestam homenagem. A edição de Junho dos Cahiers du Cinéma lhe dedica textos de Stéphane Delorme, "Daney aujourd´hui", Jean-Sébastien Chauvin, "Le plan manquant", Nicolas Azalbert, "Le visual devient-il schizo?", assim como uma entrevista que deu a Patrice Rollet e a republicação de uma crítica que fez a "Mauvais Sang", de Leos Carax. Além dos Cahiers, A Cinémathèque francaise abre suas portas de 21 de junho a 4 de agosto para lembrá-lo com um ciclo de conferências e filmes que ele viu e criticou, como "Di" e "A Idade da Terra", de Glauber Rocha. Sobre este último, tão questionado no Festival de Veneza, escreveu: "A Idade da Terra não se parece a nada de conhecido. Um filme torrencial e alucinado. Um óvni fílmico, nem mais, nem menos" ("La mort de Glauber Rocha", Libération, August 24, 1981).

Aqui no Brasil, textos do período dos Cahiers estão acessíveis com a publicação de "La rampe: cahier critique", que recebeu o título de "A rampa" - alusão ao espaço arquitetônico da "ribalta" nos antigos teatros transformados em cinemas - e foi editado pela Cosac&Naify e Mostra de Cinema em 2007. Nos textos de "A rampa", temas e cineastas que dão sentido à maneira como Daney entendia a critica de cinema. O livro é organizado em três blocos: plano geral, pontos de vista e perdas de vista. No plano geral, o exorcismo para salvar a tela da violência da publicidade, da lógica do mercado e da automatização; nos pontos de vista, o que há além no cineasta e que enseja discutir militância e moral; nas perdas de vista, um tipo de cinema na contramão das expectativas dominantes.

Em "A rampa", de fato, estão coligidos os pontos principais do pensamento de Daney sobre crítica de cinema. Mas quem quiser maior aproximação com suas ideias e intervenções, a melhor indicação é acorrer aos três caudalosos volumes de "La Maison cinema e le monde". Publicados pelas Editions P.O.L., neles todos os seus escritos, dos anos iniciais nos Cahiers no início dos 60 até os do Libération (aguarda-se um quarto volume sobre o período da Trafic, pouco antes de sua morte), foram organizados por Patrice Rollet.

As homenagens prestadas a Daney se justificam por duas razões principais: a importância que teve na reorientação dos rumos da critica de cinema num momento de fortes tensões políticas; o modo como ele fez crítica de cinema coloca em pauta a discussão sobre o sentido da própria crítica. Para que serve a crítica de cinema? Eis a questão de fundo implícita em seus escritos e intervenções. No que se refere ao embate com o dogmatismo maoista dos Cahiers, Daney se saiu bem e reconduziu os rumos da revista como lhe era oportuno em meados dos 70. Sobre a maneira como seus textos colocam questões para a crítica, valem algumas observações.

A expressão célebre com que Daney resume sua ideia de cinema é cine-fils, ou seja, "cine-filho". Com isso, designar literalmente que o crítico é filho do cinema. Essa relação umbilical entre crítico e cinema o leva a ver no crítico elementos presentes no filme criticado. Uma obra reafirma sua crença na função de espelho que o cinema desempenha ao projetar seu filme pessoal. Em Daney, portanto, o cinema é visto à luz da experiência pessoal, permeada por reflexões que aludem à política, assim como outras esferas da vida. Nisso, no entanto, nenhuma confusão com expressão subjetiva de si, ou com sensações intimas diante de um filme. Mas, sim, um entrelaçamento rigoroso entre vida pessoal e história do cinema.

A crítica, para ele, parte da experiência pessoal que o levou a se aproximar deste ou daquele cineasta, desta ou daquela cinematografia, a partir de sua própria formação cultural, suas inclinações políticas e experiências de vida. Não está em jogo, nesse sentido, a questão do gosto, ou do valor estético, de um filme específico. A escolha pressupõe uma disposição para encarar o cinema e, com isso, revelar uma visão de mundo: para Daney, fazer crítica é se revelar como um cine-fils. E isso ele o faz de duas maneiras: primeiro, nas críticas, propriamente, segundo, por meio de entrevistas e textos nos quais expõe seu pensamento sobre cinema. O que se coloca no fundo é que o gosto não passa de uma máscara que esconde como o crítico entende o cinema e a relação deste com suas experiências pessoais.

Ler Daney estimula uma reflexão que passa ao largo da crítica de cinema que se exime sobre o porquê de certos cineastas, ou cinematografias, serem mais ou menos apreciados. O gosto, com isso, resume-me à mera expressão de subjetividade: tal filme é bom, aquel´outro, não, sem que se reflita sobre o porquê dessa escolha. A estrutura de seus textos indicam caminhos para o leitor destrinchar questões de natureza ética num filme, antes mesmo que estéticas. Com isso, em sua escrita, um estilo que se caracteriza pela contundência de pontos de vista sobre cinema, aliado a um faro aguçado para o que há de mais atual e que se expressa frequentemente de modo dissimulado para leitores desatentos.

No seu estilo de escrita, então, três elementos inseparáveis: insolência, brio e gênio pedagógico. Esses elementos dão a senha para que se possa entender como ele entende o cinema, ao mesmo tempo em que revelam como suas críticas expressam sua trajetória pessoal. Insolência para bater de frente com formulas prontas e com afirmações de gosto. Isso tendo como base um humor cáustico, policiado pelo sentido de uma formula definitiva. O embate com o dogmatismo maoista mostra bem as escolhas de Daney e o sentido que dá a insolência.

Mas a insolência não é suficiente, por isso o brio e a preocupação de se dirigir ao público. Nele o brio é a ponta de lança para o desenvolvimento de seu pensamento, profundo, mas marcado pela concisão sintática e rapidez de intuições; portanto, sem elipses, ou sinuosidades estilísticas que desviam o foco. Como decorrência, sua maneira talentosa de compor retratos dinâmicos de cineastas ou de cinematografias, de problematizar a relação com os filmes e, sobretudo, criar um lugar para o leitor no seio de seus artigos. A concisão de sua expressão, assim como a qualidade sintética de seu pensamento, faz dele um crítico memorável. Seus textos são um reservatório a ser frequentemente procurado, donde uma fácil circulação pública de suas ideias.

As posições de Daney sobre crítica de cinema (ele não foi propriamente um teórico, mas, antes, um agitador, um ativista frequentemente inflamado) são principalmente balizas para quem escreve e acompanha o que se escreve sobre filmes. Balizas que dão um tom para se perceber a relação com o cinema num terreno mais pedregoso do que comumente o senso comum crítico costuma trafegar. Na medida em que essas balizas sejam ignoradas, perde-se muito do que o cinema oferece como arte e cultura. Cai-se no tédio dos chavões, das formulas prontas, na arrogância do veredito definitivo, nas prescrições sobre como um cineasta deve se conduzir, num vazio sobre o sentido do cinema como produto cultural. As ideias de Daney não precisam ser acolhidas e sim discutidas. Se isso for feito, as homenagens que lhe são feitas são plenamente justificadas: poucos críticos foram tão sensíveis aos rumos do cinema como ele. Ideias como as dele são ondas a serem captadas por radares atentos.


Humberto Pereira da Silva
São Paulo, 29/8/2012

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