A fada do dente sou eu | Ana Elisa Ribeiro | Digestivo Cultural

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Sexta-feira, 7/9/2012
A fada do dente sou eu
Ana Elisa Ribeiro
+ de 4600 Acessos

Meus dentes caídos não foram jogados no telhado. Não me lembro de como saíram de minhas gengivas, mas minha mãe os guardou e, mais tarde, fez "pezinhos" de ouro para cada um, tornando-os pingentes. Dois desses penduricalhos estão comigo, guardados, na gaveta das joias (que quase não tenho), mas confesso ser avessa a usá-los. Dão-me a impressão de uma moda meio primitiva, um colar de dentes de javali ou de elefante, sei lá.

Jogar os dentes no telhado trazia sorte, acho. Havia uma lenda qualquer nisso. Ou algo de bom acontecia, podia-se fazer um pedido especial, não sei. Jogar o dente no telhado era boa coisa, mas nunca os joguei, temendo que minha dentadura ficasse à mostra, à minha revelia, num sorriso espalhado pelo mundo.

Só que as crianças e os telhados de hoje não são mais os mesmos. Uma tal "fada do dente" surgiu no cenário mitológico das fases transitórias. Não sei a origem da lenda e nem me preocupei em procurá-la, mas essa fada deve ser norte-americana ou algo assim, moderninha como é, rica e poderosa, já que traz dinheiro para cada dente caído. Embora eu ache uma má compra, investimento esquisito, um pouco nojento, o trabalho dessa fada consiste em catar dentes deixados sob travesseiros, largando ali uma moedinha bem-feitora.

Meu filho, no áuge de sua troca de dentição, quase nos deixa pobres. Cada peça solta vale um ou dois reais, com cotação mais alta para incisivos. Houve ocasião em que a "fada" deixou lá uma nota de cinco por um dente de leite. Haja prejuízo.

A história da "fada" veio da escola, numa tarde amena, quando o primeiro dentinho caiu. O guri, já com a "janelinha", contou-me de uma tal "fada do dente", que vinha buscar o incisivo de leite embaixo do travesseiro, durante a noite ou sei lá. Nem sei bem por quê, embarquei na cena e fui lá fazer a compra do dente. Um real por um ossinho sujo. Por razões afetivas, guardei a peça entre as joias também.

Só que são muitos dentes. Os reais vão sendo trocados e a família inteira tornou-se "fada". Hoje vivo numa verdadeira convenção de "fadas do dente", cada uma com suas preferências. A fada sou eu, mas também é o avô, a avó, a tia, o pai, etc., sem distinções de cor, credo, idade, sexo, salário ou time de futebol. É como jogar batata quente: quem estiver presente no dia em que o dente cair acaba sendo a "fada do dente".

Só que um dia a casa cai (além do dente) e a verdade aparece. Só aí compreendi melhor por que razões entrei, um dia, nessa brincadeira. A decepção nos olhos do guri quase se converte em lágrimas, não fosse minha habilidade em desfazer mal-entendidos com pessoas queridas.

Dia desses, após a queda do quinto ou sexto dente da frente, meu menino chegou da escola com um canino enrolado em um algodão. A professora havia feito o serviço de extração, assim meio de surpresa, mas o dente precisava ser urgentemente colocado embaixo do travesseiro, em casa. Sabe lá se fada gosta de escola.

Só que algum colega mais desiludido abriu o bico: "ah, cara, a fada do dente é sua mãe!". E então o guri chegou em casa disposto a uma conversa séria, quase um acerto de contas. Em tom grave, veio me dizer:

"Mãe, é verdade que a fada do dente é você?"

Confesso que fiquei desconcertada. Será que eu conto? Já é hora? E esse tom de decepção? Decidi por manter a cena:

"Não, não. Ela existe!".

E disparei a argumentar sobre os momentos em que surgiu dinheiro embaixo do travesseiro, sem que eu estivesse em casa. E ele quase se convenceu. Saiu da sala e pareceu satisfeito, mas não estava. Logo surgiu de novo pela porta, com cara de poucos amigos, e disse:

"Mãe, pode me contar. Já está na hora de eu saber a verdade."

E então decidi ser franca:

"Então senta aqui perto. Precisamos ter uma conversa".

Foi assim que tirei a "fada do dente" de cena. Expliquei como trocávamos o dente por dinheiro. Contei do avô, da tia, do pai. Falei que éramos nós os benfeitores. Isso enquanto o garoto fazia cara de quem rememora. Ao final da conversa, tive dó do meu menino tão decepcionado, enganado e desiludido.Passados uns segundos, perguntei a ele:

"Tá triste? Preferia que a fada existisse?".

Ao que ele, sabiamente, me respondeu:

"É... eu tinha esperança de que um dia ela me pusesse debaixo do travesseiro uma nota de cem".

Menino inteligente. Ele sabe que agora as chances de ganhar seus cem contos são zero. Dei a ele uma nota de dois, só para manter a tradição, só que agora sem fake. A "fada do dente" já era.


Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 7/9/2012

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