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Quarta-feira, 5/2/2014
Monticelli e a pintura Provençal no Oitocentos
Humberto Pereira da Silva
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Por do Sol
Adolphe Monticelli, Pôr do Sol, óleo sobre tela, 1882-4, 27,9 X 41,3 cm, The National Galery, Londres, Inglaterra


1.

Na correspondência com seu irmão Theo - pouco antes de se estabelecer em Paris em 1886 -, Van Gogh afirma estar seguro de que continuará a obra do pintor provençal Adolphe Monticelli (1824-1886). Com essa determinação em mente, tomaria para si sua causa, tanto no que se refere à obra quando na maneira de viver e morrer. Ora, Van Gogh é um dos artistas mais celebrados da história; Monticelli, no entanto, é praticamente desconhecido. A dívida do famoso holandês para com o provençal pode ser pensada de diversas maneiras. A aproximação entre esses dois artistas, de fato, dá margem a especulações e instiga curiosidades. Tendo isso em vista, vale destacar a exposição Van Gogh-Monticelli, que ocorreu entre setembro de 2008 e janeiro de 2009. Organizada no Centre de la Vielle Charité, em Marselha, reuniu e colocou lado a lado retratos, autorretratos, buquês de flores, paisagens que reivindicam afinidades entre os dois.

A exposição levou em conta, principalmente, que, entre as várias lendas ou anedotas que cercam a vida de Van Gogh, merece atenção a reverência dele a Monticelli: se há um dado inconteste que liga os dois é o fato de que hoje qualquer referência a Monticelli está quase sempre associada àquele que o "imortalizou" na correspondência com o irmão. Subtraída a reconhecida devoção de Van Gogh, Monticelli praticamente não teria registro de sua obra fora do ambiente provençal, mais precisamente em Marselha, onde nasceu e morreu.

A esse respeito, surpreendentemente no que se refere ao culto, à glória posterior, uma grande ironia. Van Gogh morreu praticamente ignorado; melhor, conhecido num círculo restritíssimo. Dono de temperamento difícil, excêntrico, sua obra não foi aceita, gerou incompreensões mesmo no universo artístico que lhe era mais próximo (é célebre sua diatribe com Gauguin): ele próprio não fez esforço para que ela circulasse, ainda que seu irmão tenha sido um influente marchant no competitivo universo parisiense do final do oitocentos. Morto, restou empilhada no apartamento do irmão e muitos outros lugares por onde errou. Monticelli, em contrapartida, era conhecido e reverenciado entre os artistas provençais; de fato, ele viveu e sobreviveu de sua arte, que circulou tanto em Marselha como em Paris ou Londres: seis de suas telas foram compradas por Theo, que teria negociado uma única tela do irmão.

Feitas as contas, vemos quão caprichosos os caminhos na história da arte. Estes ao mesmo tempo condicionam a glória e o esquecimento: ignorado, Van Gogh reclamava para si um artista ignorado pela história. Com isso, convém ressaltar, não há ajuizamento de valor, mas tão somente um dado sobre os insondáveis trajetos da fortuna.

2.
Desde 14 de dezembro último até 17 de março próximo no Atelier Grognard, em Rueil Malmaison, região da Île-de-France, o público pode ver a exposição Les peintres du paysage provençal: 1850-1920. Essa exposição tem entre os objetivos mostrar as experiências e as inovações da Escola de Marselha, que vigorou entre 1850 e 1880. E assim, destacar sua influência sobre a representação da paisagem na segunda metade do oitocentos. Tanto quanto os Impressionistas em Paris, a Escola de Marselha manifesta o gosto pela pintura em "plein air"; portanto, clara e luminosa, frequentemente espontânea, livre de convenções da academia. Destacam-se entre os grandes nomes da arte provençal da Escola de Marselha Émile Loubon (1809-1963), Paul Guigou (1854-1871), Félix Ziem (1821-1911), Raphael Ponson (1835-1904), Jean-Baptiste Olive (1848-1936), Joseph Garibaldi (1863-1941) e Adolphe Monticelli.

Artista de exceção, a obra de Monticelli ocupa uma posição complexa na segunda metade do século XIX. Por um lado, ela é um prolongamento do Romantismo, na medida em que seus temas são inspirados em alegorias do passado. Mas na mesma medida ela prefigura o Impressionismo, pela análise da cor e a vibração da pincelada, tanto quanto o Simbolismo, pela emotividade exotérica, e o Fauvismo, pelos tons carregados e o gosto pelo empastamento.

Monticelli viveu algum tempo em Paris, onde nos anos de 1860 se integrou à vida artística, cultivou ligações com Paul Cézanne, Camile Corot e se encantou com Antoine Watteau e suas fêtes galantes, com quem suas telas terão grande afinidade. A estada em Paris foi importante em seu processo de formação; contudo, apenas uma etapa, que termina com a queda do II Império e a derrota francesa na guerra franco-prussiana; ele então retorna a Marselha, onde efetivamente seu estilo se desenvolve, com a execução de uma obra fecunda e variada.

É nesse período que ele, com grande liberdade na utilização da cor, pinta retratos cujos rostos são tomados por uma luminosidade empastada, naturezas mortas e buquês com cores vibrantes, assim como paisagens saturadas pela luz solar. A esse respeito, os estudiosos da obra de Monticelli são categóricos: a cor é considerada em primeiro plano, associada a uma utilização vigorosa do tema. Seus quadros de fundos sombreados sobre os quais se espalham empastamentos de cor, seus tons quentes de ocre e marrom, os levam a entender o entusiasmo de Van Gogh por um Monticelli colorista.

A exaltação da cor nas pinturas de Monticelli é tão surpreendente que não faltou quem visse nela sintomas de uma hiperestesia sensorial, que o teria feito perceber exageradamente as cores. Diagnóstico, aliás, semelhante ao de Albert Aurier, que no artigo "Les Isolés", publicado no Mercure de France (primeira crítica à obra de Van Gogh), o considera "antes de tudo um hiperestésico, que percebe com suas intensidades anormais os imperceptíveis e secretos caracteres das linhas, das formas, e mais ainda as cores, as luzes...".

o semeador
Vicent Van Gogh, O Semeador, óleo sobre tela, 1888, 73,5 X 92 cm, Bührle Fundation, Zurique, Suiça


3.
Para um olhar irrefletido, diante de certas obras de Monticelli e Van Gogh a semelhança de estilos e temáticas é notável. Como também é notável a distância que separa a fortuna crítica que tiveram. Mais de século depois, as exposições recentes - de Monticelli e da Escola de Marselha no todo - visam lançar luz, expor e instigar devidamente o exame de obras realizadas à margem da convulsão parisiense. Nisso, contudo, certa condescendência que não se disfarça, ou mesmo mal estar pela fluidez de critérios de avaliação: implícito um juízo de valor, pois, que carrega sentimento de reparo, de tentativa de revisão.

Consideremos, contudo, que as semelhanças e ajuizamentos não são isentos de problemas. No confronto entre Monticelli e Van Gogh, a se pensar numa linha evolutiva, a filiação entre o segundo e Watteau teria de ser devidamente posta em pauta. A filiação é decorrência de afinidades partilhadas? A influência de Watteau sobre Monticelli não se faz sentir com a mesma intensidade em seu retorno a Marselha, quando ele se dedica principalmente à paisagem e à natureza-morta. É dessa fase de pinturas de tons quentes e luminosidade empastada que Van Gogh vai se deslumbrar. Mas essas características apenas foram radicalizadas em sua fase marselhesa: temperamento eclético, Monticelli mantém o "espírito" de Watteau. Por analogia, este também estaria nas telas de Van Gogh.

Mas não parece o caso. Melhor: entre Watteau e Van Gogh não só soaria estranho estabelecer filiação sem apreciação conceitual como, se possível, traria problemas quando se tem em vista a evolução da arte francesa do barroco ao pós-impressionismo. Ou seja, inevitável conjecturar, do ponto de vista da escolha de uma metodologia histórica, que em algum momento houve uma fratura, e que esta teria determinado momentos históricos distintos. Por conseguinte, escolhas artísticas com pesos e finalidades distintas na história da arte.

Um passo atrás, então, para refletir que a Escola de Marselha - tendo Monticelli como um de seus grandes representantes - bem podia se sustentar em propósitos semelhantes aos dos artistas antiacadêmicos de Paris, em meados de 1860. Mas a evolução desses espaços de realização artística não seria a mesma. Os pontos de convergência resultam de questões históricas, de autonomia de concepções artísticas e influências diversas, em razão das diferenças entre os condicionantes culturais.

Que Van Gogh tenha sido em grande parte impulsionado por Monticelli, isso não só parece claro quando se contrapõe obras dos dois na superfície, como reconhecido e reivindicado por ele. Ocorre que quando se trata de influência, aquilo que um artista declara pode gerar mais mal entendido que esclarecimento. As motivações e estímulos de um estão sujeitos a entrar em confronto com o que servia de guia para o outro. Ao reivindicar para si seguir Monticelli, talvez seja o caso de ponderar que Van Gogh tinha nele muito mais uma fonte de inspiração do que propriamente influência.

No modo de vida e escolhas dos dois, que se reflete evidentemente na arte que realizaram, não há de fato convergência. De Marselha, Monticelli vai para Paris, onde se embebeda com o clima cultural e artístico, mas corta os laços que o ligam a esse ambiente e retorna às suas origens. Concebe então uma obra que, em certo aspecto, é provinciana, pois afastada do burburinho de Paris. Nessa escolha certa despretensão, como se tivesse consciência de não ir além da província; o que corresponde à sequência dos acontecimentos: não saiu dela senão pela referência a Van Gogh.

Já Van Gogh, em contrapartida, que teria se inspirado no exemplo de isolamento de Monticelli, acorre ao sul, a Arles, mas jamais rompeu com Paris. Ainda, em seu trajeto, uma pintura que se inicia sob o peso da Escola de Haia, mas esse momento fica para trás, pois ele não volta às origens (sua pintura após a chegada em Paris em 1886 representa uma ruptura com a fase holandesa). Ou seja, e isso se reflete em suas telas, um anseio por novas experiências, por um desafio que possivelmente não se encontre em Monticelli.

4.
Não é fortuito, portanto, que Monticelli tenha atrás de si Watteau, mas dele não tenha se descolado e assim se mantenha preso ao século XVIII, enquanto a obra de Van Gogh se separa da de Monticelli e se abre para o século XX. Não se trata de saber se, por emulação, Monticelli faria jus a melhor fortuna do que a que teve quando se olha Van Gogh. Mas tão somente ressaltar que a obra deste último não se confinou nos arredores da província; ainda que, talvez equivocadamente, ele tivesse outro conceito sobre Monticelli.


Humberto Pereira da Silva
São Paulo, 5/2/2014

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