COLUNAS
Quarta-feira,
3/7/2019
Do inferno ao céu
Cassionei Niches Petry
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O jogo da amarelinha, do escritor argentino Julio Cortázar, romance fundamental na literatura latino-americana, recebe uma nova e belíssima edição no Brasil, desta vez com o selo Companhia das Letras, tradução de Eric Nepomucemo e textos complementares de, entre outros nomes importantes, Mario Vargas Llosa. É daqueles livros que lemos e relemos, anotando, sublinhando, colando post-its e, como sugere o autor, pulando capítulos, seguindo ou não a ordem (ou a desordem?) proposta por ele, jogando ou brincando com as personagens, indo da terra (ou inferno?) ao céu.
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Antes de começar a história, o leitor se depara nas primeiras páginas de O jogo da amarelinha (Rayuela em espanhol) com uma tabela de direção. Cortázar sugere duas formas de leitura: pode-se começar pelo capítulo 73 e depois voltar para 1, seguir ao 2, depois pular para o 116, retornar ao 3 e assim por diante; ou pode-se ler de forma linear, do capítulo 1 até o fim. Há ainda uma terceira forma: o leitor cria seu próprio roteiro de leitura. Ou ainda: não ter roteiro nenhum. “À sua maneira este livro é muitos livros.”
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Em outro livro, A volta ao dia em oitenta mundos, Cortázar nos mostra desenhos de uma espécie de máquina para facilitar a leitura de O jogo da amarelinha. Trata-se da “rayuel-o-matic”. Colocada ao lado da cama do leitor, é dividida por gavetas das quais, apertando-se um botão, saem os capítulos do romance na ordem em que se desejar. Logicamente, ela não existe, mas antecipa, de certa forma, a leitura através de hiperlinks no computador.
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A primeira parte de O jogo da amarelinha, “Do lado de lá”, se passa em Paris. Acompanhamos as andanças do protagonista, Horácio Oliveira, pelas ruas parisienses, seu relacionamento amoroso com Maga e os encontros do “Clube da serpente”. Oliveira é um intelectual e ela é uma mulher distante de qualquer conhecimento cultural e que, participando com o namorado dos encontros do clube, sente-se perdida em meio aos debates sobre literatura, pintura e música, principalmente o jazz. Há capítulos primorosos, como o 7, uma declaração de amor sensual como poucas na literatura.
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Na segunda parte, “Do lado de cá”, Horácio está de volta a Buenos Aires e vive com Gekrepten, que havia sido sua namorada antes da ida à Paris. Passa a trabalhar com seus amigos, o casal Traveler e Talita, em um circo e depois em um hospital psiquiátrico. Se antes ele era um flaneur pelas ruas parisienses, agora fica recluso nesses ambientes para se lembrar de Maga.
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Se ele tinha a companhia dos intelectuais e, portanto, racionais membros do Clube da Serpente, no manicômio vive com os loucos sem razão. Também começa a enlouquecer e confunde Talita com a amante de Paris. Em um dos inícios do romance o narrador havia questionado se Oliveira encontraria Maga. Sua busca continua na Argentina, como um Orfeo a resgatar sua Eurídice no Hades.
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A terceira parte, “De outros lados (capítulos prescindíveis)”, é composta por vários fragmentos que complementam a história: trechos de jornais e revistas, citações e anotações de Morelli, escritor e figura importante para a história. Não é necessário ler esta parte, mas ela contém elementos que podem iluminar as passagens do enredo. É onde também se localizam as discussões sobre o processo de criação de um romance, dando o caráter metaliterário para a obra.
Céu
Terminar a leitura do romance é alcançar o céu e com vontade de retornar. Voltamos a percorrer os capítulos aleatoriamente, pulando as casas e juntando as pedrinhas do caminho. A cada releitura, a emoção é diferente, como qualquer outro jogo em que participamos. Que tal jogar também, caro leitor?
Nota do Autor
Cassionei Niches Petry é professor de Literatura e escritor, autor de Os óculos de Paula e Cacos e outros pedaços. Mantém o blog Pedra e vidraça.
Nota do Editor
Para esta e outras edições de O jogo da amarelinha, de Julio Cortázar, consulte o Portal dos Livreiros.
Cassionei Niches Petry
Santa Cruz do Sul,
3/7/2019
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