As Vacas de Stalin, de Sofi Oksanen | Ricardo de Mattos | Digestivo Cultural

busca | avançada
64082 visitas/dia
2,5 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Eudóxia de Barros
>>> 100 anos de Orlando Silveira
>>> Panorama Do Choro
>>> Eduardo Freire lança livro e promove imersão em Project Thinking na Bett Brasil 2025
>>> Renan Inquérito celebra 10 anos do álbum “Corpo e Alma” de forma gratuita em SP
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
>>> Marcelo Mirisola e o açougue virtual do Tinder
>>> A pulsão Oblómov
Colunistas
Últimos Posts
>>> Pondé mostra sua biblioteca
>>> Daniel Ades sobre o fim de uma era (2025)
>>> Vargas Llosa mostra sua biblioteca
>>> El País homenageia Vargas Llosa
>>> William Waack sobre Vargas Llosa
>>> O Agent Development Kit (ADK) do Google
>>> 'Não poderia ser mais estúpido' (Galloway, Scott)
>>> Scott Galloway sobre as tarifas (2025)
>>> All-In sobre as tarifas
>>> Paul Krugman on tariffs (2025)
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Era uma casa nada engraçada
>>> Romário
>>> O mau legado de Paulo Francis
>>> Abraços Partidos, de Pedro Almodóvar
>>> Leituras, leitores e livros – Parte III
>>> Ceravolo e a velha internet
>>> Felicidade: reflexões de Eduardo Giannetti
>>> Promoarte 2001
>>> A Promessa de Nicholson e o bem-acabado Desmundo
>>> Apresentação autobiográfica muito solene
Mais Recentes
>>> A Esposa Silenciosa de Karin Slaughter pela Harper Collins (2020)
>>> Dominador de Tess Gerritsen pela Record (2013)
>>> O Predador de Tess Gerritsen pela Record (2015)
>>> Reliquias de Tess Gerritsen pela Record (2012)
>>> Desaparecidas de Tess Gerritsen pela Record (2011)
>>> Corrente Sanguinea de Tess Gerritsen pela Record (2011)
>>> A Ultima Vitima de Tess Gerritsen pela Record (2015)
>>> Gelido de Tess Gerritsen pela Record (2013)
>>> Garota Silenciosa de Tess Gerritsen pela Record (2014)
>>> Ciladas Da Diferença de Antonio Flavio De Oliveira Pierucci pela Editora 34 (2000)
>>> Vida Assistida de Tess Gerritsen pela Record (2012)
>>> New Left Review 215: Carnivores and Capitalists de by on Christopher Lasch; others Fred Inglis, Alexander Cockburn, on A Short History of Meat, Goran Therborn, on 20th c. Marxism, Jim McGuigan, on Raymond Williams, Aidan Rankin pela New Left Review (1996)
>>> Latin America: Economy And Society Since 1930 (cambridge History Of Latin America) de Leslie Bethell pela Cambridge University Press (1998)
>>> O Homem Desenraizado de Tzvetan Todorov pela Record (1999)
>>> Da independencia de Portugal à origem das sesmarias e terras devolutas de Orlando Rodrigues Pereira e Irlan Celestino Pereira pela JM Grafica e Editora (2018)
>>> Matemática Aplicada À Economia E Administração de L. Leithold pela Harbra (2001)
>>> Bwoufallo Bill ? - Vol. 24 de Roba pela Dargaud Benelux (1995)
>>> Um Estudo Em Vermelho - Edição Definitiva - Comentada e Ilustrada de Arthur Conan Doyle pela Zahar (2009)
>>> Levante-se o Véu! - Reflexões Sobre o Exercício da Justiça Em Portugal de Álvaro L. Lúcio; José A. Barreiros; José Braz pela Oficina do Livro (2011)
>>> Você, Eu e os Robôs - Pequeno Manual do Mundo Digital de Martha Gabriel pela Atlas (2018)
>>> O Que Aconteceu Com Annie de C. J. Tudor pela Intrinseca (2019)
>>> Catalogo da Cidade do Salvador 1949 de S/a pela G. Rigaud - A. Cedro (1949)
>>> Harry Potter E O Cálice De Fogo de J. K. Rowling pela Rocco (2001)
>>> Livio Xavier: Politica e Cultura: um Breve Ensaio Biografico de Alexandre Barbalho pela A casa (2003)
>>> O Retrato De Dorian Gray de Oscar Wilde pela Civilização Brasileira (2022)
COLUNAS

Segunda-feira, 10/2/2014
As Vacas de Stalin, de Sofi Oksanen
Ricardo de Mattos
+ de 7400 Acessos

"A vaca de Stalin é um bode". (Sofi Oksanen)

Pode-se dizer que aquele que não gosta de ter seus defeitos, vícios e doenças mencionados por outrem apresenta dois principais motivos para seu desgosto. Primeiro, porque já sabe por si mesmo, conscientemente ou não, mais a respeito de suas mazelas do que seria confortável. Segundo, porque sente-se totalmente nu diante de quem apenas admirou seu calcanhar.

Certo provérbio maçom afirma que "um homem com Deus forma a maioria". O crente sabe que a extensão de sua sombra é de conhecimento divino, o que já é desconforto suficiente. Portanto, mais gente além d'Ele informada sobre o conteúdo pétreo de seus sapatos é a multiplicação deste desconforto. "Si a maioria já sabe, que mais quereis: declaração de próprio punho?".

A tarefa mais difícil do ser humano talvez não seja conhecer-se, mas reconhecer-se. Reconhecer-se naquele que fala em demasia (!), no que trapaceia, no que inveja, no que tira vantagem até em festa infantil, no que se soterra sob mecanismos de defesa. Poderia ser a tarefa mais fácil, pois o sujeito desta pesquisa está ao permanente alcance: desnecessário marcar hora para entrevistá-lo. Vá tentar surpreendê-lo, contudo... Escorre pelos dedos e torna-se necessário descobrir seu novo esconderijo.

O indivíduo poderia ser sua melhor companhia. Devido a certo masoquismo sobre o qual ainda não nos detemos, prefere ser sua pior companhia, concentrando-se em seus aspectos desfavoráveis. Pensamos naquele jogo da memória, em que as cartas ou figuras são viradas para baixo, cabendo ao participante desvendar os pares. Fulano levanta a primeira carta e descobre um defeito. Levanta a segunda e descobre outro. Então queda-se depressivo: "Eu não presto!". Por que, em vez de ficar miando e atormentando aqueles que lhe são próximos, não levanta as demais cartas para ver quais qualidades também estão ali ocultas?

Sendo-nos lícito, de nossa experiência revelamos que encarar e aceitar nossos defeitos mais fortaleceu-nos que nos abateu. Houve sua parcela de incômodo, evidente. Passada a turbulência, si não fizemos deles nosso cartão de visitas, não aceitamos em nossa caixa ovos que não são nossos.

Terminamos a leitura de As vacas de Stalin, da escritora finlandesa Sofi Oksanen (1977). É o primeiro livro por ela escrito, o segundo traduzido no país. Precedeu Expurgo na forma, ou seja, na narrativa sem linearidade cronológica. O período abrangido, entretanto, vai da década de quarenta do século passado à entrada da atual centúria. Dir-se-ia que foi escrito conforme a personagem lembrava ou tinha conhecimento dos fatos. Fechado o livro, percebe-se o todo, ainda que circular. Nossa preferência segue a ordem de publicação: primeiro Expurgo, depois As vacas de Stalin. Não são leituras para estômagos frágeis. Todavia, também não são para glutões. O leitor afeito a detalhes eróticos saberá que a personagem Anna, jovem bulímica, mantém relações sexuais com o namorado e até com estranhos, mas nãoo que ela faz durante as relações. Primeiro porque, neste sentido, o explícito parece não fazer parte do trabalho de Oksanen. Segundo, porque a frigidez decorre da doença e dos remédios por ela tomados, de forma que as relações não primam pelo entusiasmo. Terceiro, porque os detalhes são reservados ao que ela chama suas "sessões": comer pantagruelicamente e depois devolver tudo. Pode se perguntar: "um livro inteiro sobre uma garota vomitando?". Caro leitor, não seja simplista. N'As vacas de Stalin Oksanen reforçou aqui e descuidou ali. Há cenas fortes e há pontos entediantes. Por isso dissemos preferir Expurgo, muito mais pesquisado e equilibrado.

No primeiro livro que escreveu, Oksanen descreveu o passado próximo e o "médio", por assim dizer. Próximo no que se refere à vida da personagem. "Médio", por incursionar na história da Estônia, porém sem ir muito longe. Tanto a escritora quanto a personagem são filhas de pai finlandês e mãe estoniana, o que sugere certo conteúdo autobiográfico. Eis, inclusive, ponto interessante do livro. Em dado parágrafo, ou mesmo em dada frase, a narrativa muda da primeira para a terceira pessoa sem aviso prévio. E não se trata da fala d'outro personagem em discurso indireto. O "eu" cede ao "ela" de forma que, si conteúdo biográfico há, talvez seja a forma de distinguir a ficção da realidade; o limite entre a criadora e a criatura, feita a sua imagem e semelhança, com ela não se confundindo.

A que vacas refere-se o título? Trata-se, ao que parece, de um esforço de humor dos prisioneiros - políticos ou não - egressos da Sibéria, que diziam ter visto por lá a raça bovina desenvolvida por Stalin. O desmentido revela o chiste: "A vaca de Stalin é um bode". Portanto, algo aquém ou completamente diverso do esperado. No começo da leitura, como há referência à negação da prostituição no território soviético, imaginamos que "vaca" envolveria a referência às prostitutas pelas autoridades do regime. Os negros trazidos à força ao Brasil não eram referidos como galinhas d'Angola, o que rendeu nome ao porto nordestino? O desacordo entre o que se espera e o que se tem parece mais conforme. O que se esperava do regime político não se cumpriu. O que se esperava da mudança de país, também não. Cidadãos foram convertidos em números e manejados dentro do país como gado dentro da fazenda. Os excedentes ou problemáticos são abatidos. Tornando ao conhecimento ou reconhecimento de si. O que um profissional da saúde demoraria dias, semanas, meses, anos (?!) para levantar, a personagem entrega pronto. E não, ele nada teria a acrescentar-lhe: "Eu também sabia tudo o que era possível sobre distúrbios alimentares, tendo lido sobre tudo, estudado tudo. Eu não precisava de suas aulas sobre bulimia e seus nutricionistas - talvez tivesse precisado disso dez anos atrás, porém agora não mais". Repetir o que se sabe enfada. O que vem depois?

Os dados sobre Anna e sua família são graduados. Muito sobre ela, sua mãe e sobre a Estônia. Menos sobre o pai. Menos ainda sobre a avó e os demais. Na crueza da narrativa, a personagem não estabelece relações de causa e efeito entre sua vivência e sua doença. O leitor atento perceberá sozinho os liames.

A partir das lembranças de Anna, a Estônia adquire fisionomia humana. Equivale a parente querido que se conheceu o suficiente para amar, mas do qual foi obrigada a afastar-se e mesmo negar. Anna nasce na Finlândia, e seu contato com o país de origem dá-se através das constantes viagens maternas. Katariina, a mãe, cumpriu a praxe de então para sair de país do bloco soviético em busca de melhores oportunidades: casou-se com um finlandês. Não foi bem sucedida sentimental nem financeiramente. Podemos ver seu constante ir e vir de contrabandista como tentativa de amenizar o prejuízo.

Muitas vezes a tentativa de amenizar implica em agravar. Com todos seus defeitos, na Estônia Anna identifica sua origem. Localiza o ponto de apoio que o país de nascimento não oferece. Na Finlândia, ela é alguém a mais, cuja origem deve ser cuidadosamente resguardada, pois considera-se prostituta toda mulher de origem soviética. Isto é algo de que ela demonstra consciência, pois refere-se mais de uma vez a homens que pensam ser sua mãe a sua cafetina. Por outro lado, na sua querida Estônia, ainda que precária e maltratada pelo regime político absurdo, ela é vista como a "princesinha" estrangeira. Logo, não consegue a imersão desejada.

Princesinha submetida à tirania de um Senhor: seu corpo. Cremos que Viktor Frankl não consideraria absurdo o seguinte raciocínio: as enfermidades atingem o indivíduo na dimensão noética - ou espiritual -, na dimensão psíquica e na dimensão física. Todavia, o que ocorre na dimensão física, na maioria dos casos, é expressão, consequência ou manifestação do que ocorre na dimensão noética, certo efeito de cascata. Além dos conflitos com o passado e com o presente, Anna estabelece no corpo os limites de sua individualidade. Poderia repetir com Hitchens: "Eu sou meu corpo". Mal sabendo de onde veio, ignorando para onde vai e limitada ao perecível, disto resulta a degradação e a estagnação. Pode ser esta a causa da narrativa começar e terminar com a personagem falando de bulimia. Apesar de minada pelo flagelo auto-imposto, nada indica que ela deixou ou deixará o estágio em que se encontra.


Ricardo de Mattos
Taubaté, 10/2/2014

Mais Ricardo de Mattos
Mais Acessadas de Ricardo de Mattos em 2014
01. Memórias de um caçador, de Ivan Turguêniev - 17/3/2014
02. Sobre a Umbanda e o Candomblé - 23/6/2014
03. As Vacas de Stalin, de Sofi Oksanen - 10/2/2014
04. Lares & Lugares - 18/8/2014
05. Por que o mundo existe?, de Jim Holt - 28/4/2014


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Os Caminhos de Dom Helder - Perseguições e Censura
Marcos Cirano
Guararapes
(1983)



Convite à Prosperidade - Vol. 1
Masaharu Taniguchi
Seicho no Ie
(1997)



Medicina no Planalto de Piratininga
Duílio Crispim Farina
São Paulo
(1981)



Niños del Milagro
Katiuska Blanco; Alina Perrera; Alberto Núñez
Casa Abril
(2004)



Guerra Secreta
Brian Michael Bendis Gabrielle Dell`Otto
Panini
(2013)



Contos Classicos Peter Pan
Brasileitura
Brasileitura



Xamã
Noah Gordon
Rocco
(1993)



A Short History of French Literature
Laurence Bisson
Pelican Books
(1943)



A Última Viagem do Malteza S
Valmir Guedes Júnior
Copiart
(2010)



Terceiro Milênio e Seus Movimentos
Isolde Pflug
Hemalu
(1989)





busca | avançada
64082 visitas/dia
2,5 milhões/mês