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COLUNAS
Quinta-feira,
10/9/2015
Nos brancos corredores de Mercúrio
Elisa Andrade Buzzo
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Subo as esteiras rolantes do novo shopping, e não a escadaria em pedra nobre da finada mansão do grande industrial. O ambiente e os propósitos são como que outros, mas sinto alguma familiaridade nessas trajetórias separadas por construções e demolições em tão poucos anos. Antes não podia, mas agora poderia estar ali, estava a percorrer os corredores brancos e vidrados porque a glória passara; mas a divindade do comércio ultrapassava os tempos.
Como um templo, claro e luminoso, lá está ele como numa homenagem tardia à Mercúrio. Temos pista de corrida, a larga avenida transitada; temos uma zona financeira e cada vez mais comercial nos entornos. E os deuses deste mundo de hoje precisam ser exatamente assim, como ele, um deus veloz, que personifique o comércio e o grande deslocamento. Se no centro velho da cidade vemos tantos exemplares desse deus em requintada arquitetura eclética ou déco de antigos bancos, o Mercúrio do centro novo é praticamente esquecido em sua representação figurada, no entanto onipresente.
Sob influência mercurial, erro pelos corredores um pouco vazios, subo e desço suas escadas, indistintamente, pois tanto faz estar acima ou abaixo, se dentro se está, se tudo é mercadoria pronta para levar. Entro nas lojas só para olhar e discernir que naquela quarta-feira aqueles objetos são os mesmos de sempre, só que vestem a roupagem dos nossos tempos. A comida está em embalagens plásticas tecnológicas, porém ainda pode ser identificada como alimento, vinho ainda é servido em cálices de vidro.
Com uma grande bolsa e sandálias, vejo-me no alto, por trás de uma grossa parede de vidro diante do mundo exterior. Triste avenida de asfalto e de ferros contorcidos, de edifícios em riste. Uma chuvarada de pedestres executa seus passos ensaiados na melhor pose para a mais célebre faixa da cidade. E em que instabilidade se encontra esta cidade temperamental, que não se cansa de soerguer pesados labirintos de concreto e vidro, para nosso enlouquecimento e divertimentos dos deuses.
Elisa Andrade Buzzo
São Paulo,
10/9/2015
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