Leitura, curadoria e imbecilização | Ana Elisa Ribeiro | Digestivo Cultural

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Sexta-feira, 11/9/2015
Leitura, curadoria e imbecilização
Ana Elisa Ribeiro
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Fábrica de Chocolates


Você sabe o que é curadoria? Quem selecionou os filmes, as novelas, as músicas e os livros que você, porventura, tenha lido? Faça um esforço de memória e responda - para si: quais livros você leu quando estava na quinta série? Quantos livros literários - mas verdadeiramente literários - você teve - a sorte - de ler até, digamos, o segundo grau (atual ensino médio)?

Para sair dos livros, vamos aos filmes: quem são as pessoas que "aplicam" os filmes que você vê na TV, no Netflix ou quando resolve ir ao cinema? Talvez a sala de cinema dependa ainda mais de curadoria, não sei. E os programas da TV? Quem ajuda você a decidir? Quem é que disse que você não poderia assistir ou ler alguma coisa? E qual era a alegação? Conteúdo impróprio? Palavrões? Temas difíceis?

Certamente, você pensa que a escola seja um dos espaços - no Brasil, por favor - mais importantes para se aprender a ler. Presumo que você tenha lido alguma pequena lista de livros enquanto foi estudante. Talvez os tenha adquirido, mas muito provavelmente, não. Havia uma biblioteca lá? Que sorte! E quem fazia a curadoria? Você soube, naquela época, ou sabe, agora, como os livros chegavam à biblioteca da escola onde você estudou? E à faculdade? E às bibliotecas públicas da sua cidade - se houver ao menos uma.

Nas aulas de História, você chegou a assistir a algum filme? Sobre o quê? Grandes Guerras? Ditadura? O que mais? Lembro de passar Cinema Paradiso para alunos de sétima série, mas não me lembro mais qual era a discussão. Sei que eles terminaram por gostar, mas foi difícil. É que eles só conheciam filmes americanos de ação. São ruins? Necessariamente? Não. Mas eles não seriam apresentados a mais nada.

Você é, constantemente, apresentado a coisas que não conhece? Você é capaz de gostar dessas coisas? E você encontra pessoas com quem conversar sobre o que lê, ouve ou vê? Que sorte! Nem todo mundo consegue.

Bom, vejamos quantas vezes tive boas curadorias na vida: uma tia jovem que emprestou tudo da estante de livros do quarto dela; uma avó cheia de clássicos estrangeiros e que jamais me negou um empréstimo; a coleção inteira do José de Alencar, por pura curiosidade; uns professores que indicavam livros "paradidáticos" para driblar a complexidade das coisas; uma mãe que olhava, meio de soslaio, o que andava pela minha cabeceira, mas que jamais me negou a compra de um livro; um pai que não tinha nem ideia do que eu estava fazendo, muito menos lendo; mas eu segui firmemente em direção a uma biblioteca.

Tive biblioteca escura na escola pública onde estudei até o segundo grau; tive biblioteca pública no bairro ao lado, mas fui lá apenas duas ou três vezes, para fazer "pesquisa escolar" - não existia internet; tive biblioteca boa na faculdade; mas gostava mesmo era de juntar dinheirinho e comprar livros.

Quem definia o que eu compraria e leria? Ninguém. Quem me dizia sobre o que era bom? Um ou outro amigo, depois que virei adulta. Como eu ficava sabendo das coisas: pelos papos, pelas boas interlocuções e, prin-ci-pal-men-te, por meio das próprias leituras. Sem elas... o mundo me chegaria bem, bem, bem, bem menor. E pior, provavelmente.

Muito boas coisas estão por aí, mas soterradas e silenciadas. Boas coisas estão na superfície, sem dúvida, mas há muito lixo também. Muito, muitíssimo. O importante é atentar para que: (a) não saberemos de boas coisas se elas não nos forem apresentadas por certas instâncias, pessoas, agências. O que chega fácil, geralmente, abafa um universo de outras possibilidades. A pior faixa do disco é a que toca no rádio, entende? Não adianta comprar o disco da novela. É preciso ter a curiosidade de comprar o CD da banda - ou baixar - para ouvir o que mais há ali.E essa curiosidade está em falta. Ou não pode aparecer. E (b) como vou saber o que é lixo e o que não é? Saramago dizia algo assim - perdoem a imprecisão: para conhecer algo, é preciso dar-lhe a volta inteira.

Li Lucíola na escola. Fiz algum trabalho sobre ele. Você leu esse livro? Provavelmente. Disseram que era chato, que era velho, que era ruim. Mas eu anotava essas impressões no mesmo caderno em que anotava a lista de compras para o lanche. Daí eu ia lá ler Lucíola, inteiro, para depois dizer o que achei, senti, pensei. E eu até gostei. E sabe do que tratava o livro? De uma prostituta, entre outras coisas. Qual foi o problema? Nenhum.

É impossível ler certos autores sem passar pela linguagem, pela intensidade, pelas mazelas do mundo, pelos temas difíceis e pelas palavras duras, tesas e tensas. Literatura é assim. Há textos para o deleite sem surpresas. Há textos para o paladar iniciante. Há textos para a falta completa de gosto. Há. E eles precisam existir. Mas há a literatura. Aquela que procura o impacto, a intensidade, o ritmo. Aquela que se preocupa com a linguagem & com a história. Literatura não é só historinha.

Swift falou palavrão. Alencar fez uma puta de protagonista (ah, perdoem a contemporaneidade da palavra). Machado pôs um morto a falar sobre traição. Drummond tem um livro inteiro de poemas eróticos. Adélia também tem poemas eróticos. Morreu de susto? Não em diga. Que pena. Isso nunca me assustou.

Eu fui uma leitora épica. Eu me tornei uma professora intensa, com alunos instigados. Eu sou uma escritora incansável. Eu sinto que tenho muita liberdade com a língua portuguesa. Consegui isso lendo, lendo muito. Escrevendo bastante. E sem que ninguém viesse fazer escândalo na minha escola para dizer que não se pode emprestar a Hilda Hilst a uma adolescente.

Eu faço a curadoria das leituras e dos filmes com que meu filho toma contato. Eu não faço censura idiota e nem tenho medo de palavrão. Eu falo "porra" quando ele me enerva. E ele xinga "puta merda" quando perde no jogo. Eu explico ao meu filho o que é uma prostituta. E eu sugiro a ele que leia livros bons e que conheça filmes que podem mudar seu modo de ver o mundo. Porque para ver como a maioria nem é preciso que eu exista na vida dele. Mas eu posso me aventurar a fazer essa curadoria por uma razão muito simples: eu sou, de fato, leitora, consumidora de cultura, sei de bons filmes, sei de discussões interessantes. Se eu não soubesse de nada e só fosse na onda maior, eu não poderia dizer nada disso a ele. E provavelmente estaria xingando a escola nas redes sociais dos meus conhecidos histéricos que têm medo de palavrão.

Se meu filho chegar da escola com um livro literário bacana, eu vou ler com ele. Vamos discutir. E vamos comparar. Mas vamos comparar porque temos com o que compará-lo. Não porque sejamos muito limpos, cordatos e hipócritas. Mas, é uma pena. Talvez isso aconteça muito raramente. Lamentei muito que a escola tenha pedido uma lista de livros em que constava um "paradidático" sobre ecologia. Nada de literatura. Só "ensinamento". Muito útil, claro, mas não era literário. Uma lástima. Isso é uma lástima verdadeira. Bom, mas eu não dependo tanto da escola - que anda prensada entre o que ela precisa fazer, abrir os horizontes de milhares de pessoas sem curadores, e o que ela não pode fazer, porque foi eleita como espaço do sagrado e do limpinho.

Se a escola só pedir que meu filho leia livros que passaram pelo crivo de quem confunde sala de aula com igreja, não haverá tanto problema. Eu me encarrego de mostrar a ele os contrapontos, os complementos, os excessos e os transbordamentos. E já me orgulho. Por enquanto, o que posso dizer nas reuniões, com maioria de boçais, é o seguinte: "meu filho tem um puta vocabulário".


Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 11/9/2015

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