Há alguns meses, uma cliente me perguntou quanto custava o meu pacote de ensaio fotográfico. Quatrocentos reais, respondi, esclarecendo a seguir que ela receberia todas as fotos produzidas, sem limite. Ah tá, mas eu quero só umas sete fotos, assim assim assado, ficaria quanto?, quis saber ela. Fiz algumas perguntas para entender bem o que ela queria, e orcei em R$ 250. Evidentemente que ela de imediato fez duas contas: a de que por "apenas sete fotos" eu cobraria mais que a metade do valor do ensaio, e de que ela estaria pagando mais de R$ 35 por foto. Concordei que, matematicamente, ela estava certa, mas que a questão não era esta. A questão é que, quisesse ela 7 ou 70 fotos, da mesma forma eu precisaria estar com o equipamento carregado, ficando X horas à disposição dela, mais aproximadamente Y horas editando o material, e que nem em sonho eu faria apenas 7 cliques - a chance de todos eles saírem "geniais" é tão mínima que pode ser considerada nula.
Evidentemente esta não foi a primeira (nem a última) vez que isto aconteceu, o que tem me feito pensar a respeito do assunto. Concluí que há um certo descompasso entre o que os clientes esperam (produto) e o que o profissional da fotografia entrega (serviço).
Tradicionalmente, a economia foi sendo estruturada pelo ser humano com base em produtos. Antigamente, mesmo antes de existir dinheiro, se fazia o escambo: um agricultor trocava parte da produção dele de trigo por algumas cabeças de gado de um fazendeiro vizinho, ficando este com trigo para fazer seu pão e o outro com carne para comer e couro para vestir ou fazer tapetes. A criação do dinheiro gerou um parâmetro confiável de troca, já que ficava difícil a cada vez decidir quanto trigo equivalia a quantas reses. A população também ia aumentando, e com ela surgindo novas demandas e as especializações das funções. Em vez do pecuarista receber trigo em troca de seu gado e ele mesmo ter que fazer seu pão, ele passou a receber dinheiro, com o qual ia à padaria adquirir pães.
Então o pecuarista quando compra pão está adquirindo um produto, não é? Sim e não. Ou, melhor dizendo, ele está adquirindo um produto também. Inseparavelmente, ele também está pagando por um serviço. Se antes o pecuarista recebia trigo como escambo e ele mesmo fazia seu pão, agora está pagando para alguém - o padeiro - que vai atrás de trigo bom e a um preço razoável para fazer pão quentinho de hora em hora ao longo do dia. Sendo grande a demanda, só o padeiro e sua família não dão mais conta de tocar a padaria sozinhos, e então o padeiro precisa contratar outras pessoas que façam pão, cuidem do caixa, entreguem pão na vizinhança etc etc. Então o pecuarista, você, eu, todo mundo que compra pão está pagando pelo pão (produto) + pelos serviços que o padeiro nos presta (resumidamente, gerir todo esse sistema que nos garanta que a qualquer hora que cheguemos a seu estabelecimento haja pão quentinho), e no fim de tudo isso o padeiro ainda precisa ter lucro, do contrário não conseguirá manter essa roda girando.
Então, a rigor, em quase tudo o que a gente compra está incluído o fator
serviço. Algumas vezes ao serviço está acoplado um
produto, ou seja, um objeto. Como não faz mais que quinze, vinte anos que a cultura digital passou a ser forte em nosso mundo, é natural que, ao efetuar um pagamento, boa parte das pessoas (ainda) espere receber algo material. Penso que este é um dos fatores que levaram à volta dos discos de vinil (os LPs) ou mesmo a explicação da longevidade da preferência pela foto em papel (
já abordada por mim em outro artigo).
É fácil entender o raciocínio da minha cliente, descrito no parágrafo de abertura deste texto. Antes de haver fotos digitais, você tinha que revelar todas as poses de um filme (havia os de 12, 24 e 36 poses) e o cliente escolhia quantas queria, e eventualmente se queria mais de uma cópia de determinada imagem, e aí o fotógrafo voltava ao laboratório para encomendar (ou eventualmente ele mesmo revelava). Eu mesmo trabalhava assim até por volta de 1993.
Esta cultura era tão forte que, mesmo na fase da foto digital, eu segui raciocinando nesses termos por algum tempo. Cheguei a fazer centenas de fotos de um show e levar ao artista para que ele escolhesse as fotos com as quais iria ficar - o que significa que precisei antes editar as centenas de fotos. Ou seja, eu mesmo seguia pensando em termos de produto. Esta experiência, e outras, acabaram me mostrando que o correto é tratar o trabalho de um fotógrafo como serviço. Não faz sentido ir cobrir um show, contratado pelo artista que o realiza, e depois vender as fotos individualmente para ele - sendo uma encomenda, você nem pode oferecer estas fotos para outra pessoa.
Parei então de pensar em termos de fotografia como
produto e passei a me considerar como um
prestador de serviço. Tanto que em meu blog informo, no
post de como encomendar um ensaio comigo, que a entrega das imagens se dará em formato digital; se o cliente preferir outro modo, que gere custos - por exemplo, que as fotos sejam impressas e dispostas num álbum -, terei que acrescentar estes custos ao valor orçado.
Pensando bem, como em praticamente todos os casos o fotógrafo produz as imagens especialmente para o cliente, hoje em dia só faz sentido pensar na venda de foto como produto se o cliente quiser adquirir fotos do acervo que o fotógrafo já possui - o que, convenhamos, é raríssimo.
A foto que ilustra o post foi feita em Maceió, no ano passado.