Café-com-leite | Daniela Sandler | Digestivo Cultural

busca | avançada
85620 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Inscrições | 3ª edição do Festival Vórtice
>>> “Poetas Plurais”, que reúne autores de 5 estados brasileiros, será lançada no Instituto Caleidos
>>> Terminal Sapopemba é palco para o evento A Quebrada É Boa realizado pelo Monarckas
>>> Núcleo de Artes Cênicas (NAC) divulga temporada de estreia do espetáculo Ilhas Tropicais
>>> Sesc Belenzinho encerra a mostra Verso Livre com Bruna Lucchesi no show Berros e Poesia
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
>>> Ser ou parecer
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Borges: uma vida, por Edwin Williamson
>>> Why are the movies so bad?
>>> Histórias de gatos
>>> Microsoft matando o livro
>>> A TV paga no Brasil
>>> O Presépio e o Artesanato Figureiro de Taubaté
>>> Change ― and Positioning
>>> Retrato de corpo inteiro de um tirano comum
>>> Arte e liberdade
>>> Literatura em 2000-2009
Mais Recentes
>>> Dignidade! de Mario Vargas Llosa e outros pela Leya (2012)
>>> A Noiva de Kebera - contos de Aldino Muianga pela Kapulana (2016)
>>> O Príncipe da Privataria - Coleção História Agora 9 de Palmério Dória pela Geração Editorial (2013)
>>> Jardim Do Diabo de Luis Fernando Verissimo pela Objetiva (2005)
>>> O Estrangulador de William Landay pela Madras (2012)
>>> Tirando Os Sapatos. de Nilton Bonder pela Rocco (2008)
>>> Contos da Ilha Grande de Renato Buys pela Eduerj (2010)
>>> Ponto de Impacto de Dan Brown pela Sextante (2010)
>>> O Desafio da Subversão de A. J. Paula Couto pela do Autor
>>> O Livro Das Religiões de varios Autores pela Globo (2016)
>>> Trabalho Domestico - Um Guia Pratico Para Empregadores E Empregados de Afonso Pacileo Neto pela Sensus (2013)
>>> Biblia Da Princesinha de Sheila Walsh pela Thomas Nelson (2012)
>>> A Virgem do Sol - os quatro cantos do mundo Tahuantinsuyo de Ana Cristina Vargas pela Boa Nova (2005)
>>> Morro Dos Ventos Uivantes - O Amor Nunca Morre! de Emily Bronte pela Lua De Papel (2009)
>>> Noz De Ouro de Catherine Cooper pela Bertrand Brasil (2012)
>>> Pearl Harbor de Randall Wallace pela Ediouro (2001)
>>> Curso de Preparação para Ministéios Leigos de Equipe diocesana de pastoral para os ministerios leigos pela Pau lus (2007)
>>> Historia Concisa Do Brasil de Boris Fausto pela Edusp (2016)
>>> Um grito na garganta de Mara Mangorra pela Fontenele (2018)
>>> O Presente de Spenser Johnson pela Record (2004)
>>> Aikido - a arte marcial do 3º milênio de Makoto Nishida pela On Line
>>> O Menino do Dedo Verde de Maurice Druon pela José Olympio (2006)
>>> A Marca de uma Lágrima de Pedro Bandeira pela Moderna (2012)
>>> A Vênus Platinada de Irving Shulman pela Eldorado (1965)
>>> Missão: Matar! de Robert L. Fish pela Record
COLUNAS >>> Especial Politicamente Incorreto

Segunda-feira, 14/5/2001
Café-com-leite
Daniela Sandler
+ de 6100 Acessos
+ 3 Comentário(s)

Quando vim morar nos Estados Unidos, uma das primeiras coisas que me espantaram foi o clima de "patrulha ideológica" que permeia todos os aspectos da vida por aqui: da piada que se conta entre amigos aos temas de estudo na universidade. No Brasil essa história de politicamente correto nunca pegou, a não ser como motivo de piada (exceção feita a alguns movimentos militantes que adotaram o discurso e o jargão, no mais das vezes sem refletir sobre seu significado no contexto brasileiro).

Aqui não. Fala-se o tempo inteiro em direitos das minorias, "identity politics" (luta pela afirmação identitária de grupos, por exemplo, mulheres, homossexuais, negros, "chicanos"), reconhecimento das identidades individuais, e por aí vai. O feminismo, que começou como a justa reivindicação de direitos políticos, econômicos e sociais para as mulheres, virou receptáculo de toda sorte de rancores, no mais das vezes pessoais. Um dia eu estava dirigindo com umas amigas canadenses. Levei uma fechada de uma mulher numa via de alta velocidade e, no susto, soltei: "Só podia ser mulher"! O carro gelou, minhas amigas ficaram quietas, e eu percebi na hora que havia cometido uma gafe quase imperdoável.

Comecei a me policiar o tempo inteiro. Pelo menos, pensava, eu também vou ter meus direitos como minoria respeitados. Deve haver um lado bom no politicamente correto. Se essa atitude corresponde a uma visão libertária da sociedade, em que há abertura para a ação e os direitos de todos, o que pode haver de errado?

Bom, politicamente correto não é nada disso. Não é democrático, não é libertário, e - pior - é movido por preconceito, ignorância e rancor. Os afro-americanos, por exemplo (termo p.c. para negros) - ninguém aqui quer saber se você é racista. Você é branco, você é mau. O clima é quase hostil. Claro que há exceções, especialmente na universidade, mas de uma forma geral - e mesmo nos ambientes acadêmicos - há uma dinâmica de reconhecimento/aliança entre iguais e hostilidade aos demais. Eu fiquei espantada de ver, na universidade, grupos compostos somente por alunos negros. Também não é raro ver bandos de gente loira de olho claro. Mulato, moreno, aqui não existe...

Eu, como branca, senti o politicamente correto como a vingança dos oprimidos: não o desejo de emancipação, mas de trocar de posição com os opressores. Da mesma forma aconteceu em relação a opções sexuais. Pela primeira vez na vida, eu, heterossexual, me vi como minoria! No meu departamento, sei lá por quê, a maioria dos homens e mulheres é gay. No começo achei o máximo o fato de todo mundo se assumir sem muitos problemas, até eu perceber que eu estava sendo vítima de discriminação! O reconhecimento dos "iguais" funciona como uma senha - você é gay, você é automaticamente incluído. Você é straight (hetero), você tem de provar que, apesar disso, você é legal.

Há exceções? Claro. Quase todos os meus (bons) amigos gays são totalmente contra o politicamente correto. Os mais hostis são também aqueles que rezam pela cartilha de "política de identidade", traduzida, no caso, por disciplinas acadêmicas com o nome de "Queer Studies" e "Gender Studies".

Já estava certa de que o politicamente correto não tinha nada de correto, até o belo dia em que parei no sinal vermelho ao lado de uma reluzente BMW (eu estava dirigindo o meu Chevrolet 91). Ao volante, um jovem negro, vistoso, bonito, elegante. Essa cena não tem nada de incomum por aqui, e foi exatamente isso que me ocorreu naquela hora. Negros com carros novos, belas casas, bons empregos - isso se vê a toda hora por aqui. Na universidade em que faço pós (com bolsa integral e ajuda de custo), os alunos de graduação pagam quase 30.000 dólares por ano. Há quase tantos alunos negros quanto brancos. Quantos alunos negros havia na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, onde me formei? Eu me lembro de dois - dois estudantes de intercâmbio africanos. Dois em quase mil alunos.

Fiquei pensando: alguma coisa deve haver de correto nesse sistema em que, apesar dos preconceitos, do histórico de escravidão, das desigualdades, há possibilidade de ascensão social e material (o que, no sistema capitalista, se traduz em emancipação…) A luta pelo reconhecimento dos direitos dos negros, historicamente intensa e mobilizada por aqui, está na raiz tanto da conquista de direitos materiais quanto do politicamente correto, que apareceu depois, como uma de suas ramificações.

O politicamente correto, por aqui, não é o anti-racismo - é o racismo exacerbado, o direito de ser racista estendido às vítimas de discriminação. Os Estados Unidos são terrivelmente racistas. E não estou falando só desse racismo "de vingança". Os brancos são racistas, as pessoas não se misturam, os loiros ficam cada vez mais loiros, não há mulatos, morenos, meio-termo; não há ambigüidades, transição, indefinição. O politicamente correto é xiita, injusto, muitas vezes imbecil; mas, por outro lado, os Estados Unidos precisam disso para controlar a violência "intrínseca" da sua sociedade. Se existe o politicamente correto, é porque existe algo de incorreto a ser controlado. Às vezes, ouço comentários ou piadas que escapam ao controle e penso como isso aqui seria sem esse tipo de "patrulha". Basta ver o que é que os opositores do politicamente correto têm a dizer. A maioria desses opositores corresponde à ala mais conservadora, exclusivista, injusta e discriminatória da sociedade norte-americana. Criticam o politicamente correto não pelos direitos que ele tolhe: para eles, o problema são os direitos que ele fez possível.

Bom, se é essa a alternativa, prefiro a patrulha ideológica...

Por fim, fiquei pensando no Brasil. A gente tem um povo todo misturado, e dizer que se tem um pé na cozinha virou moeda social (vocês devem se lembrar do FHC…). Tudo bem, na FAU não havia negros, mas havia um montão de mulatos, de gente com ascendência indígena, negra, européia, quatrocentona… a gente cresce junto, tudo igual e tudo diferente ao mesmo tempo. Aqui nos EUA, os morenos são imediatamente "classificados" (como negros ou hispânicos). Há racismo no Brasil, mas não há um décimo da hostilidade aberta e onipresente daqui.

Não sei até que ponto a miscigenação no Brasil compensa a discriminação velada, pela qual os negros acabam sendo também os pobres. Não sei se a rigidez social dos EUA, a ausência de mistura e a hostilidade aberta funcionaram, dialeticamente, como motivação para as lutas de emancipação. Mas o meu lado otimista me diz que os dois países teriam muito a aprender um do outro - aprender das conquistas e também dos defeitos -, e que, nessa história de politicamente (in)correto, nada é totalmente claro e definido como, digamos, preto no branco...


Daniela Sandler
Rochester, 14/5/2001

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Cuba E O Direito de Amar (2) de Marilia Mota Silva
02. Paris branca de neve de Renato Alessandro dos Santos
03. O Voto de Meu Pai de Heloisa Pait
04. O dia que nada prometia de Luís Fernando Amâncio
05. Livrarias de Ricardo de Mattos


Mais Daniela Sandler
Mais Acessadas de Daniela Sandler em 2001
01. O primeiro Show do Milhão a gente nunca esquece - 8/8/2001
02. Quiche e Thanksgiving - 21/11/2001
03. A língua da comida - 29/5/2001
04. Notícias do fim-do-mundo - 24/10/2001
05. Mas isso é arte??? - 29/8/2001


Mais Especial Politicamente Incorreto
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
5/6/2002
12h41min
OI DANIELA SANDLER, ESTOU NO 3 PERIODO DE JORNALISMO ELI SOBRE SUA MATERIA SOBRE O POLITICAMENTE CORRETO.ACONTECE QUE ACHEI O MAXIMO COMO VOCE SE COLOCOU DIANTE DE TAL ASSUNTO.GOSTARIA QUE SE POSSIVEL VOCE ME ENVIASSE MAIS SOBRE O MESMO.TENHO UM TRABALHO PRA ENTREGAR NA UNIVERSIDADE SOBRE " O QUE É O POLITICAMENTE CORRETO COMO E ONDE SURGIU,SE É UMA QUESTAO DE ETICA,ENFIM CONTO COM SUA AJUDA TA. BEIJINHOS. SYNNARA RECIFE,05/06/2002.
[Leia outros Comentários de SYNNARA RODRIGUES ]
14/6/2002
11h36min
SOi Daniela Sandler,estou no 3 período de comunicação social, lê e gostei muito da sua matéria do politicamente correto, gostaria de ficar recebendo por e-mail qualquer "assunto" na ária que estou estudando. Um abraço.Andréa Karla Recife-15/06/2002
[Leia outros Comentários de AndréaKarlaSantana ]
12/9/2006
03h11min
Ola! Estava lendo a historia do "Digestivo Cultural" e acabei na pagina do seu texto! Estou fazendo faculdade de jornalismo nos EUA ha' 7 meses e ja' tinha reparado em td o que vc disse, mas nunca tinha achado expressoes para descrever o "movimento" que aqui funciona "inconscientemente". Muito bom! Abraco
[Leia outros Comentários de Paulina Vespasiano]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




A Ponte para o passado
Ivan Jaf
Atual
(1993)



A Estrela Que Nunca Vai Se Apagar
Esther Earl; Lori Earl; Wayne Earl
Intrínseca
(2014)



Livro Gibis Tenjho Tenge Volume 3
Oh! Great
Jbc
(2009)



13 dos melhores contos de Vampiros da literatura universal
Flávio Moreira da Costa
Ediouro
(2002)



Comics Star Wars - Clássicos 1
Vários autores
Planeta DeAgostini
(2015)



Caixa de Pássaros - Não Abra os Olhos
Josh Malerman
Intrínseca
(2015)



Parva Naturalia
Aristóteles
Edipro
(2012)



O Connaisseur Acidental - uma Viagem Irreverente pelo Mundo do Vinho
Lawrence Osborne
Intrinseca
(2004)



Anne da Ilha 418
Lucy Maud Montgomery
Pé da Letra
(2020)



The Eyes Have It: a Self-help Manual For Better Vision
Earlyne Chaney
Samuel Weiser
(1990)





busca | avançada
85620 visitas/dia
2,0 milhão/mês