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Terça-feira,
20/3/2018
40 anos sem Carpeaux
Celso A. Uequed Pitol
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Em 1938, milhares de europeus refugiados das guerras que assolavam a terra natal aportaram no Brasil. Um deles era o austríaco Otto Maria Karpfen: jornalista combativo, ligado ao conservadorismo católico que dava sustentação ao governo de Engelbert Dolfuss, defendia a independência cultural e política da Áustria em oposição aos ímpetos pan-germanistas do nazismo, que via o seu país como parte integrante do "espaço vital" alemão. Logo após a anexação da Áustria pelo Reich alemão, Karpfen e outros opositores foram perseguidos e obrigados a sair do país. Ao ingressar no Brasil, mudou de nome- segundo dizem, em respeito à francofilia reinante no país que o recebeu. Karpfen tornou-se Otto Maria Carpeaux.
A adaptação à nova terra foi total - e o seu ingresso na vida brasileira, um verdadeiro presente. Na sua Áustria natal, escrevera pelo menos dois ensaios importantes - "Caminhos para Roma" e "A missão europeia da Áustria" -, que já demonstravam cabalmente o talento e a combatividade do jovem intelectual; no Brasil, sua atuação jornalística e literária formou uma geração inteira de leitores, seja pelos seus milhares de artigos e ensaios publicados na imprensa local, seja pela sua obra magna, a "História da Literatura Ocidental", cujos oito volumes constituem, até hoje, referência obrigatória no tema neste país. O promissor homem de letras europeu tornar-se-ia um intelectual de primeira linha no país que o receberia.
A Europa, claro, não ficaria para trás: estava presente em todas as suas referências culturais. Mas Carpeaux só voltaria para o continente natal em 1953, em viagem pela França, Bélgica, Áustria e outros países onde vivera. Já não se sentia emocionado, dizia ele: "emocionado", confessava então, " fiquei, sim, ao rever o Rio de Janeiro".
O Brasil perderia Carpeaux em 1978. Há mais ou menos quinze anos teve início um revival de sua obra. Revival muito bem vindo, mas um tanto atrasado – afinal, foi preciso esperar duas décadas para que, sob o comando de Olavo de Carvalho, fosse publicado o primeiro volume dos “Ensaios Reunidos” pela editora Topbooks. O lançamento foi um imenso sucesso e, com toda a justiça, tratado pela imprensa como um marco na vida cultural brasileira da virada do milênio.
Mas as coisas não pararam por aí. No afã de recuperar o tempo perdido foi elaborado um projeto grandioso, delineado no excelente texto introdutório elaborado por Olavo para os “Ensaios” e que incluiria, além dos estudos literários e da monumental “História da Literatura Ocidental”, os escritos dos tempos de Europa, inéditos em português e esquecidos pelo público europeu. O próprio Carpeaux, depois que chegou ao Brasil, em 1942, nunca fez questão de realçar estes estudos, referindo-se a eles em dado momento como “superados” ou então cobrindo-os com um silêncio misterioso, como se tivesse algo de muito grave a esconder.
O tempo passou e, infelizmente, o plano original de publicação das obras de Carpeaux pela Topbooks foi deixado de lado. A editora ainda lançaria o segundo volume dos “Ensaios” em 2005, já sem a presença de Olavo na coordenação (e contando com um belo ensaio introdutório de Ivan Junqueira). Anos depois, a Editora do Senado Federal encampou o projeto de republicação da “História da Literatura Ocidental” em quatro volumes. A esta edição seguiu-se uma outra, por iniciativa da Livraria Cultura. Em 2013, por fim, saiu a “Historia Concisa da Literatura Alemã”, pela editora Faro. O processo de retomada de Carpeaux seguia e com grande força, mas sem os escritos europeus, que continuavam a ser aguardados pela multidão de leitores que, nestes anos todos, formaram-se como tais a partir das obras recém-descobertas do mestre austríaco.
Neste 2018, os leitores europeus ganharão a chance de conhecê-lo: a “História da Literatura Ocidental”, obra maior do autor, acaba de receber uma tradução francesa.
Os europeus o desconhecem – e quem o admite são os próprios responsáveis por esta edição francesa, em seu texto de apresentação: “Desconhecido na Europa este volume, tradução de alguns capítulos de sua “História da Literatura Ocidental”, é uma homenagem à sua memória”.
A seleção dos trechos ficou a cargo do tradutor, o brasileiro Luiz Eduardo Prado de Oliveira, professor da Universidade de Paris 7 – Denis Diderot, e centrou-se no último volume da monumental “História”, dedicado à literatura contemporânea. Traz, ainda, a longa introdução que Carpeaux escreveu para a obra, explicitando o seu percurso metodológico.
A obra faz parte da coleção “Pour comprendre”, que tem como objetivo mostrar, em livros de tamanho diminuto (de 176 a 192 páginas) , um trecho da obra do autor escolhido, convidando o leitor a interessar-se pelo trabalho completo. É uma iniciativa espetacular, e tanto a editora como o tradutor responsável merecem todos os aplausos. E esperamos que esta grande notícia inspire o início de outro trabalho, ainda maior do que este: a tradução completa da “História da Literatura Ocidental” para o francês.
Celso A. Uequed Pitol
Canoas,
20/3/2018
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