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Segunda-feira, 11/6/2018
Um Furto
Ricardo de Mattos
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Os ladrões de bens particulares passam a vida na prisão e acorrentados; aqueles de bens públicos, nas riquezas e nas honrarias” (Catão).

No final da tarde de ontem, quatro de junho de 2018, eu acompanhava a companheira dos meus dias em suas compras num supermercado. Andávamos aqui e ali e reparei num rapaz. Ele vestia shorts e jaqueta. Olhei seus pés e reparei que estavam imundos, calçando chinelos igualmente sujos. No conjunto, equiparava-se aos inúmeros moradores de rua que vejo por aqui. Não sou hipócrita, caro leitor, portanto reconheço o alerta íntimo. Entretanto, como as redes sociais apresentam diversos vídeos de pessoas bem vestidas furtando bolsas em restaurantes e produtos em farmácias, segui com a Lily e suas compras. Sequer comentei algo com ela.

Realizando o típico roteiro feminino que, representado graficamente resulta em novelo embaraçado, acabamos por entrar numa seção. De onde eu estava, tornei a ver o rapaz uma seção adiante. Entre o corredor que paramos e o que ele estava, apenas um corredor transversal. A reta entre nós e ele garantiu-me visão desimpedida. Lily verificava produtos de limpeza e o rapaz mexia nas prateleiras de produtos de higiene masculina. De repente, comento com ela: “Isto tinha que acontecer na minha frente mesmo...”. Ela virou-se para saber o que eu falava e completei: “Aquele rapaz acabou de tirar produtos da prateleira e enfiar dentro da jaqueta”.

O que fazer, caro leitor? Correr atrás dele pelo estabelecimento gritando “peguem o ladrão”? Fazer todo um alvoroço, talvez conseguindo sua apreensão por algum segurança e a revelação de seu furto? Ou “seus furtos”? Chamar a atenção sobre mim e garantir cinco minutos de fama como herói de supermercado? Estimular comentários como “o mundo está perdido”, ou, “eles fazem isso para trocar por droga”? Nada... Ele saiu e nós seguimos.

Daqui a pouco deitarei para dormir e continuarei com a consciência tranquila. Passei a ser um defensor de ilícitos? De forma alguma. Fosse um sobrinho ou amigo e eu agiria de outra forma. Um sobrinho estaria sob minha responsabilidade e eu não o permitiria dizer que realizou furtos com minha leniência. Um amigo que expressasse dificuldade a ponto de aceitar a possibilidade da subtração indevida receberia de mim a oferta daquilo que precisasse. Todavia, o que fazer com o rapaz que furtou? Nada. Nunca encontramo-nos antes e, caso isto ocorresse, não há garantia que algo dito ou falado por mim tirasse-o “do mal caminho”. Não nos encontraremos mais, ou isto dificilmente ocorrerá, de forma que nenhuma relevância terá mencionar um ato abrigado pelo pretérito. Que ele siga no encadeamento de suas escolhas.

Ele poderia ter escolhido não furtar? Poderia. Sinto muito, caro leitor, mas não aceito falar que ele é um “fruto do meio”, um “resultado do ambiente”. O homem possui o livre arbítrio justamente para decidir o que fazer em cada uma das situações de sua vida. Ele não teve que furtar. Ele furtou. Contudo, minutos de permanência num estabelecimento comercial e o testemunho da ação lamentável não são suficientes para traçar um perfil que releve quais decisões ele encadeou em sua jornada existencial até chegar ali. Ele trocaria o produto furtado por alguma substância entorpecente, como certamente alegaria algum experto de ocasião? Como saber? Seguindo-o?

Dominado por algum segurança e revelado seu ato, seria liberado sob xingamentos ou detido até a polícia vir busca-lo? Receio que me seria vexaminoso sair do supermercado com a compra feita e vê-lo acossado em algum canto. Talvez o pó de café de marca diferente da habitual, comprado para experimentar, resultasse numa beberagem amarga. “Por isso que o país está perdido! As instituições não são respeitadas, os vagabundos são protegidos e o crime acaba compensando”, poderá alegar aquele senhor saudoso da época em que os trens cumpriam seus horários. “Compensa não”, respondo. Crime é feio. Degrada o humano. Não quero cometer crimes e não quero que pessoas próximas cometam-nos. Mexesse o rapaz da jaqueta preta com alguma criança, ou avançasse contra a integridade física de quem quer que seja, então sim, eu interviria como possível e ele que se virasse com as consequências.

Digito esta coluna em meu quarto, à escrivaninha coberta com livros queridos, descobertos e adquiridos um por um. Ouço uma seleção das músicas de Jean-Baptiste Lully. O rapaz da jaqueta preta estará onde? Dormindo em algum canto da cidade, a céu aberto, sob o frio crescente? Em algum moquifo? Providenciando o reencarne de outro indivíduo que precisará superar dificuldades inimagináveis para sobreviver? Não é desgraça suficiente? É preciso agravar o que já é lastimável e transferi-lo para um moquifo oficial, gradeado e irrelevante para sua “recuperação”? Alguma ordem seria restabelecida?

Caro leitor, declaro-me apolítico, mesmo que isto repugne suas convicções. Uma das atribuições da Administração Pública é gerir e preservar o patrimônio público. Todas as informações que nos chegam das diversas fontes indicam que este patrimônio não está sendo gerenciado dignamente, seja qual for a pessoa acusada de promover que isto ocorra, seja qual for o partido político envolvido. Partidarismo político, no Brasil, limita-se a situação e oposição: uma quer que a outra saia para então poder fazer exatamente aquilo de que a acusa. Não acredito na descoberta de verdades e no esclarecimento categórico de quem fez o que. Enquanto isso, a sociedade padece com a inexistência de Educação e de Saúde. Padece da redução dos valores a artigos de perfumaria teórica e submetidos ao relativismo raso. Impotente perante um status abrangente, serei eu a bancar o herói às custas de um miserável?


Ricardo de Mattos
Taubaté, 11/6/2018

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