Mas sem só trapaças: sobre Sequências | Ronald Polito | Digestivo Cultural

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Segunda-feira, 28/8/2023
Mas sem só trapaças: sobre Sequências
Ronald Polito
+ de 3700 Acessos

O novo livro de poemas de Júlio Castañon Guimarães, Sequências (São Paulo: Círculo de poemas, 2023), provavelmente se situa entre os importantes lançamentos de poesia neste ano no Brasil. Trata-se de um trabalho complexo, o que já se enunciava em seus últimos livros, dos mais exigentes entre nós. E essa complexidade se define pela orientação de tomar poemas, antes de tudo, como problemas, o que confere ao conjunto um notório teor abstrato.

Dividido em nove partes, sua ordenação indica, desde o início, o rumo pretendido. Ao abrir o volume com “Em viagem”, seção que reúne 13 poemas, não apenas nos convida ao trajeto a ser percorrido como adverte que mais importante que os pontos de partida e de chegada é o percurso, o caminho que se trilha.

Nisso já se insinua uma questão que percorrerá todo o livro: o “como” um poema pode ser escrito. E longe de qualquer pretensão de estabelecer regras, o que se tem é, pelo contrário, um rol de dificuldades para sua execução, as perplexidades que deveriam estar no horizonte de quem acha ainda ser possível fazer poesia.

Alguns títulos e primeiros versos dos poemas e de seções do livro sinalizam isso: “Se dispersão”, “Deriva”, “Quase elementos”, “Aqui, é quase...”, “Perdem-se em...”, “Ou quase construção”, “Esboço de cena”.

A insistência, também, em algumas palavras e expressões ao longo do percurso reafirma os embaraços da escrita poética. São muitos os exemplos, dos quais a primeira palavra do primeiro poema é iluminadora: “talvez” (e muito recorrente ao longo do livro). Um rol não exaustivo ainda recolheria: “possível”, “quem sabe”, “não se sabe” (repetida e com algumas variantes: “nem se sabe”), “quase” (com diversas ocorrências) no campo de condicionantes e dúvidas.

Em outro conjunto, aquilo que se efetua e as circunstâncias: “deslembranças”, “fragmentos”, “dispersos” “dissonâncias”, “desacordos”, “instável”, “a dúvida/ ou a espera/ como prática”, “impreciso”, “se dispersarem”, “talvez consonância”, “sugestão”, “interrogações”, “deslugares”, “vaguear e precário”, “se desordena”, “sem saber”, “especulações”, “desnorte”, “desterro” desolação”, “desconcerto”, “rascunhos”, “resquícios”, “mal percebendo”, “conjecturas”, “inacabamento”, “desandada”, “hipótese”, “incertezas”, “ensaios”, “querer mas não querer”, “indefinição ou imprecisão”, “instabilidade”, “extravio”, “inesperado”, “estudo”, “fiapos de indagações”, “descambo”, “solavancos”, “pirambeira”.

Note-se a recorrência dos prefixos “des-” e “in-”, de um horizonte existencial arruinante e de formulações de poemas não como objetos acabados, mas exatamente o contrário, sua condição de tentativas mais ou menos bem-sucedidas.

Um exemplo contundente disso é o poema “Hoje à tarde”, com o verso “fluidificando, se adensando”, seguido por um asterisco que remete a uma nota de rodapé: “* Variante: por fluidez, por saturação”, transferindo para o leitor a escolha, a meditação sobre a possibilidade de um verso sempre poder ser outro.

Essas condições instáveis, de incompletude, experimento, teste vão muito além das palavras e expressões citadas. Elas estão encarnadas de forma mais profunda nos próprios poemas em seus torneios e titubeios sintáticos. É neles que se reafirmam de forma terminante as difíceis condições em que um poema pode passar a existir, como nesta estrofe: “e não limites definição/ onde nem uma nem outro/ já que passos passagem/ pode ser que onde ou não se sabe”.

Em outro poema, a hesitação é ainda mais incisiva: “(...) uma frase se começa/ e a quanto se arrisque/ que talvez ainda se volte/ e reveja e quase nada e sequer/ de onde o próprio começo.”. Por outro lado, talvez elas também se encarnem na grande variedade de formas adotadas pelos poemas, quando as palavras podem se soltar no espaço da página, se organizar em forma de coluna, se apresentar como poema em prosa, ou mesmo, com versos monossilábicos, testar a verticalidade no espaço, jogando, desse modo, com diversas tradições da modernidade poética, particularmente as experimentais.

Esses percalços, no entanto, não impedem essa poesia de tentar constituir imagens, antes a instruem para evitar o banal. Já se disse de sua natureza reflexiva, o que é preponderante, e os fragmentos citados no parágrafo anterior atestam bem isso.

Em um segundo plano, seu desejo de alcançar representações verossímeis, sobretudo quando a poesia almeja ser pintura. As imagens e as artes plásticas há muito estão no horizonte dessa poética, basta ver seus livros anteriores. O que também se confirma pelos seus textos críticos sobre artistas visuais. Mas neste novo livro esse traço se releva.

Alguns títulos de poemas já o enunciam: “Horizonte”, “abismo”, “Um desenho” (sobre Vieira da Silva), “Então, o cinema”, “Retrato”, “Em desenho”. Sobretudo, duas seções inteiras são dedicadas a écfrases de obras plásticas: a seção 4, sobre dois quadros de Cézanne (um dos pontos altos do livro), e a seção 6, sobre o trabalho de Manfredo de Souzanetto, o que também demarca o interesse do autor pelos construtivismos, quer em seus “precursores”, quer em seus desdobramentos contemporâneos.

Por vezes, o impulso de constituir imagens é tão forte que prescinde do que lhe seja exterior, de alguma figura do mundo que lhe sirva de ponto de partida. O delicado poema “Em desenho” ilumina esse aspecto:

Em desenho
Resumidas em alguns traços,
(ou) preto sobre branco ― conformadas
assim em síntese quase inidentificável
não fosse o título; e só este,
por recuperá-la, inunda de cor,
quase ácida, e sua luz, estas frutas,
que desta folha de papel fazem
fragmento de um fundo de quintal.

O título, que aqui funciona também como exposição do processo, revela simultaneamente como diante de nossos olhos uma imagem se configura, como uma folha de papel se torna um pedaço da natureza, deixa de ser simples suporte de palavras e se transforma em lugar da representação e representação de um lugar, no caso, o intimista quintal. É quando o desenho em preto e branco se manifesta como a forma mais reveladora das cores.

Não há como negar o grande desconforto que nos tolhe diante de tudo: da realidade e da linguagem ao buscar cercá-la com algum sentido. A hipógrafe escolhida reafirma esse incômodo estrutural: “Ficou apenas/ o áspero rumor distante da máquina/ do mundo. Que funciona mal.” (Manuel Gusmão, Pequeno tratado das figuras).

Não importa, não há desânimo diante de tais circunstâncias. Há até humor para lidar com isso. Se, ao longo do livro, aqui e ali, o tema da própria escrita se insinuava, é sobretudo na seção de encerramento que ele assume o proscênio. E creio que não por acaso.

Perquiridas várias instâncias, da realidade, dos objetos, das lembranças, dos lugares, dos afetos, das viagens, do tempo, da ruína de tudo, da insolvência das tentativas, dos desacordos, das dispersões, das imagens, da música (outro campo de interesse do autor neste livro e ao longo de sua obra), do rol de termos recorrentes que caracterizam essa poesia, Sequências enfrenta, em sua última seção, “Esboço de cena”, as próprias condições de possibilidade de um poema (daí a modéstia de se tentar um “esboço”, não um desenho concluído). Um tema tão desgastado nas últimas décadas e que aqui, no entanto, se renova.

Trata-se de um longo poema, coisa não comum na obra de Júlio Castanõn, dividido em 14 ou 15 partes. Esse “ou” é pela ambiguidade de certa passagem, quando apenas um “e” pode se constituir como estrofe autônoma.

Não há somente esse traço “experimental”. Outra passagem, com algum grau de comicidade, também adota procedimentos “radicais”. Cito os versos: “talvez, mesmo,/ apesar, de, tudo, hoje,/ ou, amanhã, retomar,/ falta, de, incompreender,/ o, que, ontem,/ mas, de, fato, todos,/ ou, nenhuns, ou, quem, ou,/ se só, o, que, não, resta,/ nem, será, a, desistência,”.

Tantos titubeios não paralisam o poeta. De chofre, ele prossegue: “― Inúteis esses solavancos, se não olharmos adiante (...)”.

Talvez o verso mais intrigante e difícil do poema seja: “Mas sem só trapaças.”, como alerta de que a arte não admite a fraude, o logro. Não apenas a arte recusa o engodo, o ludíbrio, ela também precisa deixar de fora os caminhos e soluções já desgastados, precisa oferecer algum tipo de resposta, mesmo que provisória, ao extravio de tudo, ao arruinamento que recobre todas as coisas, ainda que as mais bem protegidas, pois “sequer sabemos muito bem/ onde nem não estamos”, tal a dificuldade de nos darmos conta de nossa própria “situação”.

Talvez uma saída seja, algo comicamente, “como que grasnar”, à procura de alguma ordenação, uma “arrumação” que não impedisse os movimentos do que lhe escapa. É preciso manter o humor como antídoto ao veneno que é viver. Que então se mantenha o foco: “sem tragédia, não nos esganemos”, esse quase trocadilho tão divertido. É assim que talvez “venha/ o som mais áspero/ a desancar desnorteios”.

A conclusão do livro não poderia ser mais necessária. A última estrofe, esboçada a cena, é todo um programa:



Perigo de queda do precipício sempre há, mas em meio a tanta dissolvência, há algo que mantém sua solidez, aquilo que persiste, ainda que nossas inquietações possam se expressar hoje de forma tão tênue, em meio ao emperramento geral. E as duas últimas palavras diagramam as grandes possibilidades que se abrem ou fecham: o estado de mudez, talvez reafirmado na ausência da pontuação final (nem ela pôde se efetivar dado o silêncio), mas principalmente confirmado pelo restante da página em branco, que funciona também como uma precisa solução para a ideia de esboço como incompletude; e nossa condição, afinal sempre concebível, de mudar, o que é um tipo de salvaguarda, uma promessa de salvação, quando o poema pode percorrer um novo caminho, pode ser outro. Creio que poeta ainda está longe de atingir o silêncio, por incapacidade de dizer ou prêmio. O mais provável é que ele se mude e descortine outras veredas, outras paisagens, outras matérias, inscrições.



Ronald Polito
Juiz de Fora, 28/8/2023

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