Chutando bexiga de boi | Eduardo Carvalho | Digestivo Cultural

busca | avançada
68515 visitas/dia
2,1 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Nouveau Monde
>>> Agosto começa com música boa e grandes atrações no Bar Brahma Granja Viana
>>> “Carvão”, novo espetáculo da Cia. Sansacroma, chega a Diadema
>>> 1º GatoFest traz para o Brasil o inédito ‘CatVideoFest’
>>> Movimento TUDO QUE AQUECE faz evento para arrecadar agasalhos no RJ
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Two roads diverged in a yellow wood
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
Colunistas
Últimos Posts
>>> As Sete Vidas de Ozzy Osbourne
>>> 100 anos de Flannery O'Connor
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> A crise dos 28
>>> Cidades do Algarve
>>> E Foram Felizes Para Sempre
>>> Inesquecíveis aventuras
>>> Caiu na rede é theremin
>>> Caso Richthofen: uma história de amor
>>> O hiperconto e a literatura digital
>>> Se eu fosse você 2
>>> Dentro do Tom
>>> A Trilogia de Máximo Górki
Mais Recentes
>>> Medos, Fobias E Pânico de Lourdes Possatto pela Lúmen (2010)
>>> O livro dos segundos socorros de Doutores da Alegria pela Panda Books (2001)
>>> The Interactive Class: Using Technology To Make Learning More Relevant And Engaging In The Elementary Classroom de Joe Merrill e Kristin Merrill pela Elevate Books Edu (2020)
>>> E Eles Queriam Contar de Luzia Faraco Ramos Faifi pela Atica (2012)
>>> O Caso Das Bananas de Nilton Célio de Oliveira Filho pela Brinque-book (2003)
>>> A Conquista Da Matemática - 7º Ano de José Ruy Giovanni pela Ftd (2019)
>>> Ciencias Da Natureza 7 - Versão Alfa de Armênio Uzunian e Outros pela Harbra (2020)
>>> Dinheiro Compra Tudo?: Educação Financeira Para Crianças de Cássia D'aquino pela Editora Moderna (2016)
>>> The Three Little Wolves And The Big Bad Pig de Eugene Trivizas pela Margaret K. Mcelderry Books (1993)
>>> Coração Esperto de Angela Leite De Souza pela Nova Fronteira (2014)
>>> A Bola De Barbante de Mauro Martins pela Dimensão (2005)
>>> Ideias: Da Cultura Global A Universal de Sergio Paulo Rouanet pela Unimarco (2003)
>>> Cais de Alberto Martins pela Editora 34 (2002)
>>> Notes On Grief de Adichie Chimamanda pela Harper Collins (2021)
>>> Razão Mínima de Luiz Paulo Rouanet pela Unimarco (2004)
>>> A Pessoa Em Questão de Vladimir Nabokov pela Companhia Das Letras (1994)
>>> Contemplação E Ação de Norberto R. Keppe pela Proton (2004)
>>> Ladrao De Luz de David Ramus pela Record (1997)
>>> Sonhos Em Amarelo. O Garoto Que Não Esqueceu Van Gogh de Luiz Antonio Aguiar pela Melhoramentos (2007)
>>> O Fantástico Mistério De Feiurinha de Pedro Bandeira pela Ftd (1999)
>>> Cova 312 de Daniela Arbex pela Geração Editorial (2015)
>>> Ensino De História. Fundamentos E Métodos de Circe Maria Fernandes Bittencourt pela Editora Cortez (2004)
>>> Venha Ver O Pôr-do-sol E Outros Contos de Lygia Fagundes Telles pela Ática (2008)
>>> Confissoes De Um Vira-lata de Orígenes Lessa pela Nova Fronteira (2003)
>>> Para Ler, Ouvir E Assistir: Contos Classicos - Historias Narradas Em Cd de Ciranda Cultural pela Ciranda Cultural (2012)
COLUNAS >>> Especial Copa 2002

Segunda-feira, 17/6/2002
Chutando bexiga de boi
Eduardo Carvalho
+ de 10100 Acessos
+ 1 Comentário(s)

A história do futebol brasileiro - assim como a da arquitetura, da alimentação, da música -, continua mal contada, como se tudo que fosse importante precisasse ser, necessariamente, chato: como se, enfim, as únicas histórias relevantes fossem a econômica e a política.

(Pois a influência marxista no ambiente acadêmico brasileiro parece incorrigível, hoje em dia: em vez de produzir História, analisando documentos e reescrevendo o passado, a maioria dos historiadores está mais preocupada em reler Marx & Cia e, à sua simples e ultrapassada luz, interpretar o presente. Afora competentes e marginalizados acadêmicos, que de fato existem, então, a própria História do Brasil vem sendo ultimamente recontada por jornalistas ou gente simplesmente culta e dedicada, sem o ranço que cansa ou a ideologia que envenena.)

Tostão: o futebol divulgando uma imagem do Brasil É sempre admirável, portanto, uma iniciativa como a do historiador José Moraes dos Santos Neto, que lançou recentemente pela editora Cosac & Naify o bonito livro "Visão do jogo - Primórdios do futebol no Brasil". O livro é parte da coleção Zona do Agrião, dedicada a livros sobre o esporte mais popular no Brasil, e pretende, como o nome indica, descrever como, afinal, o futebol chegou ao Brasil, e como ele foi se popularizando a ponto da seleção brasileira ser - e ter sido - talvez nosso mais importante instrumento de representação diplomática.

José Morares conta que, já no início da década de 1880, uma variação do futebol, o "bate bolão" - sem traves, times ou campo definido -, já era praticado por padres jesuítas e seus alunos no Colégio São Luís de Itu. O padre José Mantero, ainda antes de ser reitor do colégio, trouxe de uma excursão pela Europa duas bolas com câmara de borracha envolvida por uma capa de couro. As câmaras das ballon anglais, como essas bolas eram chamadas, com o uso e o tempo, desgastaram-se - e foram adequada e criativamente substituídas por bexigas de boi.

Em 1894, conta o autor, Luís Yabar, que havia jogado futebol pelas escolas européias, tornou-se o novo reitor do colégio, e introduziu regras no futebol praticado no São Luís basicamente como as que conhecemos hoje: dois times, campo dividido, traves de madeira, etc. Foram esses alunos desse tipo de escola religiosa - Arthur Ravache, Valdemar Junqueira, Vicente de Almeida Sampaio, entre outros -, e especialmente os do São Luís, então, que espalharam o futebol pelo Brasil - de São Paulo a Salvador, de Uberaba a Sorocaba. E não, como reza o senso comum, Charles Miller, que, apesar do nome, nasceu em São Paulo mesmo, filho de um engenheiro escocês, em 1874 - muito pouco antes, repare, do bate-bolão começar a divertir o pessoal em Itu.

Que Charles Miller tenha apresentado o futebol ao Brasil é um mito insistente e conveniente, mas um erro histórico que precisa ser desfeito. Miller, depois de uma temporada dedicada aos estudos na Inglaterra - onde se destacava como atacante rápido e driblador habilidoso -, voltou ao Brasil em 1894, acompanhado de um livro de regras do association football inglês, de um par de bolas e um de chuteiras. Nos clubes paulistanos que freqüentava - como o São Paulo Athletic Club, fundado por ingleses - ensinou ao pessoal o futebol que conhecia, e animou-os a montar times competitivos. Os três primeiros foram de altos executivos de empresas inglesas, a São Paulo Railway, a São Paulo Gás Company e o London Bank. A intenção de Miller nunca foi divulgar o futebol pelo Brasil inteiro, nem mesmo pela São Paulo proletária e periférica, que ele não conhecia, mas torná-lo mais praticado e competitivo dentro do próprio grupo social a que pertencia. Ele é, de fato, em grande parte responsável, ainda que não o único, pelo futebol começar a ser praticado fora de escolas religiosas - mas a verdade é que, no Brasil, os primeiros a baterem uma pelada foram mesmo os jesuítas e os seus alunos, chutando bolas improvisadas em campos enlameados.

O futebol dentro dos clubes - São Paulo Athletic Club, Associação Atlética Mackenzie, Sport Club International, Clube Atlético Paulistano -, esse incentivado por Miller, jogava entre si, mas não se misturou rapidamente com o que vinha sendo praticado, em bairros operários da cidade, por trabalhadores imigrantes europeus. Havia também alguns times de negros e mulatos, que ganhavam a vida no mercado informal da cidade, igualmente desprezados. Até 1905, os times de elite jogavam nos mesmos campos que os populares, até que, em parceria com a prefeitura, o Clube Atlético Paulistano transformou o Velódromo municipal em um campo particular. E os clubes populares, sem outra opção, mantiveram-se, entre outras regiões, na Mooca, em Cambuci e, principalmente, na várzea do Carmo - e passaram, assim, a ser conhecidos como varzeanos.

Charles Miller, o de bigode: popularização para poucos Em 1901, foi organizada a primeira competição paulista de times de futebol, mas que reuniu apenas os cinco times da elite, desprezando o futebol de qualidade jogado pelos times da várzea. Em 1912, porém, com os times populares cada vez melhores e mais importantes, a Liga acabou aceitando a participação do Ipiranga Futebol Clube. Em um episódio hoje considerado vergonhoso, Miller e sua turma do São Paulo Athletic Club desistem do campeonato, e o Paulistano, também em resposta a essa iniciativa democrática - que agredia a pose pretensiosamente aristocrática dessa elite provinciana -, abandona o grupo. Quando o Sport Club Corinthians, a melhor equipe do futebol da várzea, foi aceita na Liga, então, aí a LPF se rachou definitivamente, e foi fundada, em 1913, a Associação Paulista de Esportes Atléticos, que pretendia perpetuar a tradição do futebol inglês iniciada com Charles Miller.

Além de corrigir esse engano repetitivo, que é o de atribuir a Miller o ingresso do futebol no Brasil, José Moraes esclarece as diferenças entre a escola de dribles e a de passes. Quando o futebol, no início do século XIX, era praticado na Inglaterra, as jogadas eram muito simples e individuais. Chutava-se para frente e corria-se atrás da bola, em um esquema como o dos recreios de escolas primárias, em que jogam 25 alunos para cada lado em um campo apertado. Mas os escoceses, no último quarto do mesmo século, lembra o autor, descobriram a eficiência do toque de passes, em que a bola corre mais rápida e mais segura. Só assim foi possível organizar os jogadores em campo de uma forma inteligente, com laterais e atacantes escolhidos e treinados para a função. Claro: o futebol escocês passou a bater o inglês com facilidade - e a fazer piada dele.

No Brasil, foi o jornalista Mário Cardim que, atualizado sobre as novas tendências do futebol mundial, já em 1904 defendia a escola escocesa, apesar do modelo trazido por Miller e aderido pelos jogadores, baseado em jogadas pessoais (foi Miller, vale lembrar, que inventou o drible da vaca), só ser repensado por volta da década de 30 - e, convenhamos, ainda hoje não descartado completamente.

Leônidas, o inventor da bicicleta: a impressionante criatividade do jogador brasileiro Foi também Mário Cardim que, em 1914, fundou a Federação Brasileira de Futebol. Em 21 de julho do mesmo ano, a primeira seleção brasileira entrou em campo nas Laranjeiras para jogar contra a equipe profissional inglesa Exeter City. O estádio estava lotado, mas o árbitro também era inglês: Friedenreich, nosso principal craque, perdeu dois dentes, machucou o joelho e saiu de campo todo ensangüentado. Ainda no primeiro tempo, porém, os brasileiros conseguiram marcar dois gols e garantir a vitória nacional. Começamos com o pé direito - mesmo que, sob a condescendência do árbitro inglês, ele tenha quase se torcido.

Mas é na detalhada recomposição dos primeiros jogos entre Brasil e Argentina que José Moraes revela uma inegável vocação para historiador, narrando - com o mesmo mérito de quem descobre uma fundamental batalha esquecida - um jogo de futebol decisivo para a formação do estilo brasileiro de se jogar bola.

O jogo da Copa Júlio Roca, disputada exclusivamente entre os dois países, foi marcado para o domingo de 20 de setembro de 1914, em Buenos Aires. Mas o navio em que a seleção brasileira viajou, com data de chegada prevista para a véspera, se atrasou, e chegou em Buenos Aires no dia mesmo do jogo. A partida oficial foi adiada, mas foi marcado para o mesmo dia, apesar do cansaço dos jogadores brasileiros, um amistoso entre as duas equipes. Entre uma chuva forte e um campo alagado, a equipe brasileira perdeu de 3 a zero, mas impressionou o público argentino com a habilidade individual dos jogadores e o entrosamento técnico do time. E com razão.

A Copa Roca tinha sido marcada para o domingo seguinte, dia 27 de setembro. É impressionante como José Moraes narra minuto por minuto o jogo, em todos os seus movimentos - ataques perigosos, defesas assustadas, passes controlados e, claro, o único gol da partida, do brasileiro Rubens Salles. Foi o primeiro título disputado pelo Brasil, e o primeiro a ser conquistado. Talvez, podem argumentar os argentinos, porque Maradona ainda não estava em campo. É verdade: em uma disputa na área brasileira, Leonardi marcou o que seria o gol de empate argentino com a mão, não tivesse Galup - também argentino - assumido para o árbitro que o gol tinha sido ilegal. E recebeu aplausos de ambas as torcidas. "Não se fazem mais sportsman como antigamente", lamenta o autor. Nem torcedores.

Mas as bolas, pelo menos, acho que agora são melhores.





Eduardo Carvalho
São Paulo, 17/6/2002

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Existem vários modos de vencer de Fabio Gomes
02. Copa do Avesso de Adriano Maesano
03. Impropriedades políticas de Bruno Garschagen


Mais Eduardo Carvalho
Mais Acessadas de Eduardo Carvalho em 2002
01. Com a calcinha aparecendo - 6/5/2002
02. Festa na floresta - 9/9/2002
03. Hoje a festa é nossa - 23/9/2002
04. Todas as paixões desperdiçadas - 23/12/2002
05. O do contra - 11/3/2002


Mais Especial Copa 2002
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
21/6/2002
22h06min
Gostei muito deste texto de Eduardo. Traz informações valiosas sobre a história do futebol desde a época em que se chamava football e corrige enganos históricos como o de apontar Charles Miller como o primeiro responsável pela chegada do futebol nestas terras. Aproveitando a carona do futebol vamos até a Rússia de Tolstoi. Também sou fã dos livros da Cosac & Naify - edições muito bem cuidadas e que merecem ser colecionadas. De todos até agora publicados, o mais incrível, em minha opinião é um livro de Tolstoi com uma seleção de contos muito tocantes, especialmente a estória de uma nota de dinheiro falso que é passada adiante e origina os mais horíveis crimes e as mais edificantes conversões e o relato de uma história de vida inteira, narrada pelo protagonista, um cavalo malhado. Imperdíveis.
[Leia outros Comentários de Elisa Ulhôa Cintra]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Atividade Física Adaptada
Eliane Mauerberg-de-castro
Tecmedd
(2005)



Brás, Bexiga e Barra Funda
Antonio de alcantara
Villa rica
(1994)



Convivendo Com o Ego Masculino no Ambiente de Trabalho
Sandra Grymes e Mary Stanton
José Olympio
(1996)



Livro Administração Marketing Descomplicado
Edmundo Brandão Dantas
Senac
(2005)



Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica
Fausto Martin de Sanctis
Saraiva
(1999)



Anjos Rebeldes 524
J. Modesto
Sem



Treinamento de Força na Saúde e Qualidade de Vida
Roberto Simão
Phorte
(2009)



Índice de Formação Integral: Escola Particular
Maria Helena Pádua Coelho de Godoy
Libretteria
(2018)



Nossa Vida de Imigrantes no Brasil 1941-1983
Ilza Czapsks
Do autor
(1983)



Rafaela Kaeesemodel Vida Minha História
Rafaela Kaeesemodel
Colmeia
(2017)





busca | avançada
68515 visitas/dia
2,1 milhões/mês