COLUNAS
Quinta-feira,
12/12/2002
Circo e teatro se unem em espetáculo
Nanda Rovere
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Está em cartaz em São Paulo mais um texto do dramaturgo Alcides Nogueira, A Ponte e a Água de Piscina.
Alcides ganhou o Prêmio Shell 2002 pela autoria de Pólvora e Poesia que trata do relacionamento amoroso entre os poetas franceses Rimbaud e Paul Verlaine e foi um dos maiores sucessos da temporada teatral paulistana de 2001 e 2002.
A Ponte e a Água de Piscina, que faz temporada no Centro Cultural Banco Brasil, é mais uma parceria entre Alcides e o diretor teatral Gabriel Villela.
Em 1996 Gabriel dirigiu Ventania. O espetáculo era uma homenagem de Alcides e Gabriel a José Vicente, autor de textos teatrais que fizeram sucesso nos anos 70 como Santidade e Hoje é Dia de Rock.
Ventania falava dos sonhos e valores dos jovens nos anos 60 e 70 através da história de uma família fragmentada em virtude da dificuldade de diálogo entre os seus membros.
Já em A Ponte e a Água de Piscina, Alcides mergulha intensamente no amor, na loucura e na solidão dos seres humanos.
Num lugar assolado pela seca e pela guerra, a ex-prostituta Sóror Justina, interpretada por Walderez de Barros, e sua ingênua filha Pia (Vera Zimmermann), habitam um mosteiro abandonado (transformado em sanatório por Sóror) e sobrevivem vendendo pó de ossos de animais.
O cotidiano tedioso das duas se modifica com a chegada de Nil, um jovem que sonha em construir uma ponte em cima de uma piscina (sem água) existente no lugar.
Sóror Justina transita entre a loucura e a solidão e não consegue aceitar a paixão que nasce entre sua filha e o forasteiro.
Justina se informa sobre o que acontece no mundo pela Internet e usa a tecnologia para dominar as pessoas. O real e o imaginário se misturam.
É via computador, por exemplo, que ela ressuscita Maria do Canto (Nábia Villela), uma ex-freira que vaga pelo convento e entoa belas canções.
O mundo em ruínas pode ser qualquer lugar onde a guerra, a solidão e a falta de perspectiva de mudanças dominam, inclusive, o Brasil, como uma bandeira do Brasil que faz parte do cenário, nos induz a pensar.
O amor de Nil e Pia, por sua vez, é a esperança de um mundo mais harmonioso e ele só poderá ser alcançado com a construção da ponte. A relação entre Pia e Nil não suporta, no entanto, as pressões (eles são meio irmãos e Justina não aceita a relação amorosa entre os dois), mas um fio de esperança renasce com a morte dos amantes.
Talvez seja um dos trabalhos onde Alcides Nogueira mais alçou altos vôos.
A concepção cênica do Gabriel entrou em perfeita sintonia com a obra de Alcides, pois expressa brilhantemente as idéias contidas no texto.
Para contar essa história Gabriel Villela escolheu o estilo circense, a interpretação não-realista (a qual tende para o melodrama e para o humor tragicômico, que muitas vezes beira o ridículo).
Algumas cenas encantam pela criatividade do diretor e envolvem o espectador pela sua beleza plástica e riqueza de detalhes. Fantoches, por exemplo, são manipulados pelos atores e enriquecem a ação dramática.
Mesmo quem não aprecia o seu estilo de encenação, certamente não deixará de concordar que um dos méritos de Gabriel é contar com uma equipe técnica de muita qualidade em todos os seus trabalhos, a qual colabora em suas produções há bastante tempo.
No elenco somente a atriz Walderez de Barros nunca havia sido dirigida por Gabriel. Ela está hilariante no papel de Sóror Justina e é responsável por momentos marcantes no espetáculo. As atuações de Claudio Fontana, Vera Zimmermann e Nábia Villela também estão impecáveis.
O figurino, assinado por Gabriel, prima pela beleza e faz um contraponto ao cotidiano árido e tedioso dos personagens.
O cenário de JC Serroni (o qual já foi parceiro do diretor nas montagens de Ópera do Malandro, Os Saltimbancos e Gota D'Água) é muito interessante e remete o público a um circo, a um sanatório, ou até mesmo, a um bordel.
O desenho de luz criado por Guilherme Bonfanti (o iluminador também participou de Ópera do Malandro, Os Saltimbancos e Gota D'Água) ressalta o misto de imobilidade e esperança, alternando cenas de iluminação intensa e, outras, de pouca luz.
A trilha sonora, elemento importantíssimo em todas as montagens de Gabriel, é um destaque à parte. Nábia, com sua voz privilegiada, interpreta, à capela, canções antigas como um trecho de Hino ao Amor (que já foi gravada por Edith Piaf e Dalva de Oliveira), Meu Primeiro Amor e Lágrima (de Amália Rodrigues), muitas delas esquecidas por nós e revividas com maestria; ora expressando melancolia, ora inserindo um pouco de vida e lirismo ao mosteiro/sanatório.
Romeu e Julieta, Tristão e Isolda, Abelardo e Heloísa, Pia e Nil... Criações literárias que enriquecem a arte e retratam seres obstinados na busca da conquista dos seus ideais.
O espetáculo sairá de cartaz em virtude das festividades de final de ano, mas voltará para uma curta temporada em janeiro de 2003.
A Ponte e a Água de Piscina é um texto extremamente metafórico e permite ao espectador várias interpretações!
Só é possível entender a complexidade e atualidade da A Ponte e a Água de Piscina prestigiando essa belíssima montagem.
Para ir além
A Ponte e a Água de Piscina
Autor: Alcides Nogueira
Direção e figurinos: Gabriel Villela
Cenário: JC Serroni
Elenco: Walderez de Barros, Claudio Fontana, Vera Zimmermann, Nábia Villela e Eduardo Reyes (substitui Cláudio Fontana em algumas apresentações)
Local: Centro Cultural Banco do Brasil
R. Álvares Penteado, 112 - Tel.: (11) 3113-3651
Ingresso: R$ 15,00
Horários: de quinta a domingo, sempre às 19h30
Nanda Rovere
São Paulo,
12/12/2002
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