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Quinta-feira, 19/12/2002
Thérèse Desqueyroux, de François Mauriac
Ricardo de Mattos
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A leitura da conferência O Romancista e Suas Personagens impede a conclusão imediata e taxativa, mas arrisco afirmar que o mesmo flagelo infligido por Voltaire à nobreza e ao clero setecentista é retomado por François Mauriac (1.885 – 1.970) contra a burguesia dos séculos XIX e XX. Certo não se encontrar nem o humor nem o deboche do filósofo, mas a acidez do escritor, voluntária ou não, nada deixa a desejar, mesmo em se afirmando ser sua preocupação antes religiosa que social ou política.

Reparando em alguns dos quadros de Holbein, Rubens e Hals, por exemplo, identificamos um burguês de carácter firme, cujo trabalho e dinheiro impulsionavam as finanças, o comércio e as artes. Se olharmos, todavia, a burguesia figurante das telas de Renoir, notamos apenas a convenção. Repare-se n’O Camarote, de 1.874. Uma mulher de olhar vazio voltada para algum espectáculo, mas certamente com o pensamento distante. Ao seu lado o marido mira o binóculo para cima, alheio ao que quer que se passe em cena. São burgueses descendentes daqueles emersos na Revolução Francesa, mas que negam e frustram os ideais de seus antepassados. O revolucionário, ao menos a princípio, almejava desalojar a nobreza de seu pedestal para dar lugar a uma nova ordem. As gerações seguintes talvez movessem-se contra tal inimigo, porém para tomar-lhe simplesmente o lugar, mantendo o status.

A parcela da sociedade analisada destaca-se pela coesão e rigidez sedimentadas através de longos anos. Tal a quantidade de regras e “princípios” que a principal e pior consequência foi a estagnação. Um passo não é dado antes de se verificar a necessidade, repercussão, resguardo da família e conveniência. Mauriac, mantendo o distanciamento, traça um painel de cores bem cruéis. Não se percebe nos escritos qualquer misantropia, sua intenção é revolver o solo árido: “Ao romancista consciente de ter fracassado em sua ambição de retratar a vida resta então este móvel, esta razão de ser: sejam quais forem, suas personagens agem, exercem uma ação sobre os homens. Fracassam na tarefa de representá-los, mas conseguem perturbar sua quietude, despertam-nos, o que já não é nada mal”.

O conto O Segredo dos Duprouy mostra quão terríveis podem ser as pessoas daquele “habitat” quando farejam alguma ameaça ao seu dinheiro e a sua aparência social. Um péssimo conceito de Honra, aliado à protecção ferrenha da Propriedade criou uma classe fechadíssima e, caso se mostre necessário, autofágica. O respeito devido à família concerne aos seus membros individualmente considerados, e por isso mantém-se certa circunspecção ao tratar de assuntos privados. A família burguesa de Mauriac, contudo, mantém a “decência” exclusivamente por receio do que se pode perder, como um casamento vantajoso. Ou ainda, no caso do mencionado conto, um dia de recepção. E um membro rebelde que não acate as regras tal como mantidas por gerações, questione-as ou mesmo tenha a petulância de tentar obter uma visão mais ampla das coisas, é geralmente reprimido através de meios variáveis conforme sua impertinência: convento, hospício ou veneno.

Sobre o cenário e os actores que inspiraram Mauriac, permitindo-lhe a “união misteriosa entre o artista e o real” – desculpa que pelos seus fundamentos não é muito convincente –, sugiro a leitura do quarto volume da História da Vida Privada, em especial os ensaios A Família Triunfante, Figuras e Papéis e Conflitos Familiares, todos de Michelle Perrot. Esta leitura prévia possibilitará a melhor percepção do realismo de Thérèse Desqueyroux, romance escrito em 1.927 e publicado no Brasil com tradução e prefácio de Carlos Drummond de Andrade.

Thérèse – ou Teresa, pois o poeta traduziu todos os nomes próprios conforme o costume da época – é uma personagem cuja infelicidade foi ter adquirido a consciência da pobreza moral e intelectual do meio em que nasceu, apesar de materialmente abastado. Sua vida é inteira tomada pelo tédio e pela ciência da imutabilidade das coisas. A tentativa de adequar-se é ineficaz, trazendo apenas o desapego, e mesmo o horror, em relação a todos que a circundam. Não quer ninguém por perto e em caso de aproximação, horroriza-se.

A história é simples, mas o romance, ao contrário do conselho de Carlos Drummond de Andrade, deve ser lido com calma e atenção, pois factos e informações importantes surgem de repente. Inclusive, demoramos um pouco para saber porque o romance inicia-se com Thérèse no tribunal. Também não é de imediato que sabemos ter sido acusada de tentar matar o marido, Bernardo. Esta tentativa de homicídio foi uma estupidez evitável: estando todos na sala de jantar, Bernardo media em seu copo as gotas de um xarope a base de arsénico. Avisado de um incêndio na propriedade, engana-se e coloca o dobro da dose certa. Toma a beberagem e sai com o empregado para ver o que ocorre. Ao voltar, esquece de já estar medicado e torna a ingerir o remédio. Thérèse a tudo vê, mas ao invés de avisar o marido, fica olhando-o apalermada – a narração de Mauriac mostra bem isso. Bernardo adoece e quando recupera-se, ela torna a envenená-lo para confirmar o motivo.

Voltando do tribunal, a personagem revê toda a sua vida. Aceitação voluntária de um casamento convencional com um homem rústico nascido e criado para um único meio e um único lugar. Sua personalidade inquiridora atrapalhando sua tentativa de adequação. A chegada à conclusão: “Não ter família! Deixar somente ao coração o cuidado de escolher os seus – não segundo o sangue, mas segundo o espírito, e segundo a carne também; ...”. Thérèse escapa do tribunal oficial, mas não do doméstico, o mais eficaz da época. É presa pelo marido em uma das propriedades do casal, sendo-lhe permitida a saída apenas, e mesmo assim inicialmente, para a missa de domingo e outros poucos eventos sociais nos quais a presença de ambos mostrasse-se necessária. Um casal aparentando harmonia, para ninguém falar algo desabonador. Esta conclusão de Thérèse afronta directamente a Família, um dos alicerces da burguesia.

O romance encerra-se com uma relativa pacificação entre o casal e a mudança de Thérèse para Paris, onde ela acredita poder viver segundo suas inclinações.

De Um Longo Banquete

Estou arrotando os pratos do banquete de livros que este ano representou. Três pratos principais, intermediados por vários outros mais leves para limpar o paladar, tal como convém. Na frente de todos, Oblomov, sendo inclusive o mais esperado. Gostei de Crime e Castigo embora não me tenha causado tanta impressão assim. Ainda estou mastigando Guerra e Paz e não posso fazer nada além disso. Definitivamente, esta obra não aceita uma leitura apressada, não adianta insistir. A ideia de leitura corrente deste livro faz-me lembrar de uma gracinha de Woody Allen, mais ou menos assim: "Óptimo o curso de leitura dinâmica que eu fiz. Consegui ler Guerra e Paz em duas horas. É um livro sobre a Rússia". Diário do Farol foi servido já azedo, e a escarradeira está embaixo da mesa aos meus pés. Dezenas de contos, sendo que pequenas e delicadas mãos apresentaram-me Argo e Seu Dono para uma degustação inicial da obra de Svevo, e não quero encerrar 2.003 sem conhecê-la totalmente. Há muitas outras, mas o momento é de tomar uma coxa de Guerra e Paz e ir devorá-la na rede, com o cachorro sentado na frente olhando. Muita leitura em sítios literários, mesmo não gostando de ler no computador. Na Filosofia, para mim, “foi o ano de” Montaigne e Diderot. Ou só Diderot, pois desde que conheci Montaigne, sempre torno aos Ensaios, e desde 1.999 leio a nova edição, conforma os volumes foram publicados.


Ricardo de Mattos
Taubaté, 19/12/2002

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