Um brasileiro no Uzbequistão (I) | Arcano9 | Digestivo Cultural

busca | avançada
47486 visitas/dia
2,1 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Festival da Linguiça de Bragança celebra mais de 110 anos de seu principal produto, em setembro
>>> Rolê Cultural do CCBB celebra o Dia do Patrimônio com visitas mediadas sobre memória e cultura
>>> Transformação, propósito, fé e inteligência emocional
>>> Festival de Inverno de Bonito(MS), de 20 a 24 de agosto, completa 24 anos de festa!
>>> Bourbon Street Fest 20 Anos, de 24 a 31 de agosto, na casa, no Parque Villa Lobos e na rua
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Ozzy Osbourne (1948-2025)
>>> Chegou a hora de pensar no pós-redes sociais
>>> Two roads diverged in a yellow wood
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
Colunistas
Últimos Posts
>>> Into the Void by Dirty Women
>>> André Marsiglia explica a Magnitsky
>>> Felca sobre 'adultização'
>>> Ted Chiang sobre LLMs e veganismo
>>> Glenn Greenwald sobre as sanções em curso
>>> Waack: Moraes abandona prudência
>>> Jakurski e Stuhlberger na XP (2025)
>>> As Sete Vidas de Ozzy Osbourne
>>> 100 anos de Flannery O'Connor
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
Últimos Posts
>>> Jazz: música, política e liberdade
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Defesa dos Rótulos
>>> Da decepção diante do escritor
>>> Tapa na pantera e a casa do lago
>>> A Garota de Rosa-Shocking
>>> Ofício da Palavra (BH)
>>> Nerd oriented news
>>> Para você estar passando adiante
>>> O fim (da era) dos jornais, por Paul Starr
>>> Macunaíma, de Mário de Andrade
>>> Anos Incríveis
Mais Recentes
>>> Imagens Quebradas. Trajetórias E Tempos De Alunos E Mestres de Miguel Gonzalez Arroyo pela Vozes (2004)
>>> Educação especial de Vítor da Fonseca pela Artes médicas (1995)
>>> Paddington Precisa Ir Ao Hospital de Michael Bond, Karen Jankel pela Harperkids - Leiturinha (2022)
>>> A Prática Do Planejamento Participativo de Danilo Gandin pela Vozes (1999)
>>> Terrível de Alain Serres - Bruno Heitz - Dolores Prades pela Raposa Vermelha (2020)
>>> Ensino de língua Portuguesa no Século XXI de Ivo da Costa do Rosário; Monclar Guimarães Lopes pela Pontes (2022)
>>> Avaliação. Da Excelência À Regulação Das Aprendizagens. Entre Duas Lógicas de Philippe Perrenoud pela Artmed (1999)
>>> A Princesa Que Tudo Sabia... Menos Uma Coisa (17º reimpressão) de Rosane Pamplona - Dino Bernardi Junior pela Brinque-book (2017)
>>> Trabalhando com recreação de Vinícius Ricardo Cavallari pela Ícone (2008)
>>> A leitura, a escrita e a escola de Ana María Kaufman pela Artes médicas (1994)
>>> Coco De Passarinho (12º reimpressão) de Eva Furnari pela Companhia Das Letrinhas (2008)
>>> Gêneros Textuais de Alberto Roiphe pela Rovelle (2011)
>>> Trem Noturno Para Lisboa de Pascal Mercier pela Record (2011)
>>> Cidade Educadora: Princípios E Experiências de Moacir Gadotti; Paulo Roberto Padilha; Alicia Cabezudo pela Cortêz (2004)
>>> Forêts et Humains: une communaute de destins c/ CD de Claude Villneuve Direction pela La Francophonie (2012)
>>> As Três Perguntas: Baseado Numa História De Leon Tolstoi de León Tolstoi - Jon J. Muth pela Wmf Martins Fontes (2008)
>>> Diablo Ill: A Ordem de Nate Kenyon pela Galera Record (2012)
>>> O Mundo De The Witcher (capa dura - dark horse) de Marcin Batylda pela Pixel
>>> Eu Advogado? o Futuro do Direito e o Direito do Futuro de José Eduardo Cardozo, Ives Gandra Martins e Renato Opice Blum pela Espm (2024)
>>> Sermao Sobre A Queda De Roma de Jérome Ferrari pela Editora 34 (2013)
>>> Box 360º Literatura Completo - Parte 1,2,3 + caderno de atividades + caderno de revisão + caderno de infográficos de Fdt pela Fdt (2015)
>>> O Monstro Que Adorava Ler de Lili Chartrand pela Sm (2015)
>>> Como Ela Faz? a Equidade de Gênero no Mundo do Trabalho - o Livro de Carolina Roxo Nobre Barreira Sylvio Rocha (orgs pela Tocha Books, (2021)
>>> Os Doze Trabalhos De Hércules - (Monteiro Lobato Em Quadrinhos) de Denise Ortega pela Globinho (2015)
>>> Edgar Degas 71 Bronzes na Coleção do Masp de Edgar Degas pela Lemos (1997)
COLUNAS

Segunda-feira, 30/6/2003
Um brasileiro no Uzbequistão (I)
Arcano9
+ de 7300 Acessos

Tashkent, 31.05

Estou muito, muito nervoso com esta viagem. Agora há pouco, chegando a Tashkent, olhei pela janela do avião e me veio de novo aquela sensação de insegurança por não saber falar a língua local, por estar sozinho. Mas, ao mesmo tempo, sinto que esse medo está fundido com o desafio, com a vontade de domar este lugar tão difícil de conhecer, sem a companhia de ninguém. Sabendo que, provavelmente, meus amigos nunca virão para cá.

"Você vai para o Uzbequistão, de férias? Por quê?", muitos deles me perguntaram. "Tem alguma coisa para fazer lá?", refraseou, no mesmo espírito, meu irmão. Para quase todos, é a mesma reação que vem à tona: se há tantos lugares para se visitar, por que ir para o centro da Ásia, para um país que faz fronteira com o Afeganistão, onde há suspeita de atividade de extremistas islâmicos, onde a natureza foi destruída pela ânsia industrial dos tempos soviéticos? A resposta vem desde os tempos de Marco Polo, o mercador italiano que, tendo sido o primeiro ocidental a realizar a jornada à China e voltar, escreveu em seu diário sobre as belezas secretas de uma certa cidade chamada Samarkand. Enfrentar a rota da seda, antes do avanço das navegações no final do século 15, era a única forma de difundir nos ricos mercados europeus as especiarias e todo o exotismo daqueles mundos cheirosos, coloridos, que povoavam o imaginários de espanhóis, ingleses e vênetos. Um mundo distante, perdido em meio a desertos desconhecidos, em meio a mares sem mapas, em meio a povos e clãs que nunca ouviram falar de nosso universo.

A viagem foi sem problemas. Em Londres, fazia muito sol, mas foi só o avião entrar no leste da Europa para começar a só sobrevoar nuvens. Vim de Aeroflot, a temível empresa aérea russa que, numa incomum manifestação de anacronismo, mantém a foice e o martelo em seu logotipo. Contudo, tudo foi bem mais tranqüilo do que pensei. Os atendentes de bordo foram simpáticos - algo realmente estranho, vindo de russos. Pena que a comida não me agradou muito. Tanto na viagem Londres/Moscou como no trecho Moscou/Tashkent, o prato principal foi peixe, sem nenhuma opção disponível. E peixe não é, exatamente, minha carne favorita.

No impronunciável aeroporto de Moscou, senti um pouco do gostinho do drama da língua. Tive um probleminha na transferência de um vôo para outro, algo meio inevitável. Na hora de falar com alguém e pedir informações, até me senti confiante, mas foi só a pessoa responder para eu perceber que o grande problema é entender o que as pessoas falam. Ninguém, obviamente, fala devagar. Principalmente se você é um estrangeiro, e ainda mais se você deixa claro que sabe um pouco, bem pouquinho, de russo. E conhecimento de inglês na Rússia, mesmo num aeroporto internacional, é ainda pior do que no Brasil: alguns falam sim, mas falam mal, muito mal. Ao chegar a Tashkent, a coisa piorou. Uma daquelas heranças ridículas dos tempos soviéticos é a necessidade de preencher um formulário, ao chegar ao país, dizendo exatamente quanto dinheiro você tem. Mas, ao chegar ao aeroporto da capital uzbeque, não encontrei formulários em inglês - só em uzbeque, alemão e russo. Tentei encarar o russo, só para depois de dois minutos largar a toalha e pedir para um funcionário procurar, pelo amor de Deus, o tal do formulário em inglês no almoxarifado. O pedido, aliás, foi em russo. O russo que, mais do que nunca, percebi que só me ajudaria em caso de desespero.

Fui apresentado a Tashkent em 2001. Fiquei na cidade por três dias para fazer uma reportagem sobre os dez anos do final da União Soviética. Já naquela época, a grande motivação da minha visita foi literária. Eu havia proposto a reportagem, e a visita ao Uzbequistão, após ler o divino Imperium, um livro de memórias do polonês Ryszard Kapuscinsky, publicado no Brasil pela Companhia das Letras. No livro, Kapuscinsky, considerado por muitos o maior correspondente de guerra vivo, descreve uma viagem que fez por vários países soviéticos do centro da Ásia no auge da União Soviética, e depois narra uma viagem parecida que fez em 1989, quando a colossal estrutura do politburo moscovita começou a ruir, vítima do reformismo de Mikhail Gorbachov. As descrições das mesquitas de Bukhara e as reflexões sobre a beleza sobrenatural dos monumentos de Samarkand se mesclaram à visão de Marco Polo. E, na minha cabeça, todo o patrimônio persa, turco e grego da região se tornou ainda mais atraente, imaginando que o Uzbequistão foi um dos locais mais distantes onde ecoou a revolução bolchevique. Até que ponto aquela cultura secular havia sido afetada pelo ideal comunista? Até que ponto o povo havia mudado? Isso o que fui investigar.

O que descobri foi uma sociedade dividida: cidades com partes claramente russas e partes claramente uzbeques; comunidades tadjiques e originárias de outras partes da ex-União Soviética deslocadas de seu território pela infame política de miscigenação imposta por Stalin. Descobri um governo que lembrava muito o poder isolado do Kremlim, e também um povo simpático, às vezes inocente, às vezes maculado pela febre do capitalismo ainda fresco, vindo como um vento forte, encarnado nos turistas cada vez mais numerosos.

Tashkent, vindo para cá para o hotel, me passou a mesma impressão da primeira vez. Me sinto, de alguma forma que não sei explicar direito, em uma cidade do interior de São Paulo. As árvores e o mato nas calçadas, a cor da luz dos postes, o vazio das ruas à noite, até o cheiro da brisa... Parece que, a qualquer momento, vou cruzar com um ônibus da viação Mantiqueira, fazendo o trajeto de alguma cidade do Vale do Paraíba para a rodoviária do Tietê. Sou tomado por um ar interiorano, no meio da noite; mas, ao mesmo tempo, as avenidas imensas e os detalhes dos prédios, mosaicos e pinturas geométricas, me dão a certeza de que estou numa terra muito, muito distante.

Estou cansado. Cheguei às 2h30 e amanhã tenho que levantar antes das 10h30 para arrumar minhas coisas e pegar o café da manhã, que só é servido até as 11h. Faz calor. Espero que não tenha mosquito no quarto. Parece que tem.

(Continua aqui)


Arcano9
Miami, 30/6/2003

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Por que não perguntei antes ao CatPt? de Renato Alessandro dos Santos
02. Guignard, retratos de Elias Layon de Jardel Dias Cavalcanti
03. O cinema de Weerasethakul de Guilherme Carvalhal
04. Palácio dos sabores 2/5 de Elisa Andrade Buzzo
05. Esqueçam o velho jornalismo de Tais Laporta


Mais Arcano9
Mais Acessadas de Arcano9 em 2003
01. Quem somos nós para julgar Michael Jackson? - 10/2/2003
02. Um brasileiro no Uzbequistão (V) - 8/9/2003
03. Um brasileiro no Uzbequistão (I) - 30/6/2003
04. Um brasileiro no Uzbequistão (III) - 28/7/2003
05. Empolgação - 10/3/2003


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




O Seminário - Livro 3 - as Psicoses - 2º Edição
Jacques Lacan
Jorge Zahar
(1988)



Gestão Empresarial Com Erp Volume 1
Ernesto Haberkorn
Totvs
(2008)



A Interpretação do Assassinato
Jed Rubenfeld
Companhia das Letras
(2007)



Formação Continuada e Gestão da Educação
Naura Syria Carapeto Ferreira (org)
Cortez
(2003)



India
Vários Autores
Insight Guides
(2013)



Hard Times
Charles Dickens
Penguin Books
(1994)



Amor, Trigo e Traição
Joao Alberto
Zennex Publishing
(2006)



Escravas de Coragem
Kathleen Grissom
Arqueiro
(2014)



Livro A Formação do Povo de Deus Coleção Tua Palavra é Vida 2
Loyola
Loyola
(1990)



As Memórias do Livro
Geraldine Brooks
Ediouro
(2008)





busca | avançada
47486 visitas/dia
2,1 milhões/mês