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COLUNAS
Terça-feira,
3/6/2003
Literatura é para os feios e malvados
Daniel Aurelio
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Tsc. Tsc. Que vexame! Alguém conhece o distinto senhor e burocrata republicano, William J. Bennett? Pois precisam conhecer. É um monumental exercício didático. Não da forma como ele ambicionaria, claro, mas ainda assim deveras elucidativo.
Bill Bennett, americano médio, rasteja-se entre duas atividades extremamente perigosas: é secretário "antidrogas" do governo Bush Jr (este um voraz consumidor da nociva substância "ouro negro do oriente") e escritor.
Como legítimo conservador, é devotado vetor da moral e virtù cristã, tão febril em sua fé na ordem que resolveu externar a paixão em livro, transformando seu "Livro das Virtudes" e, posteriormente, "O Livro das Virtudes para crianças", num colossal sucesso mercadológico planetário.Ganhou a credibilidade popular que poucos políticos obtém em sua trajetória, por mais magnéticos e espirituosos que aparentem.
Engabelou tão bem, que até a recém "imortalizada" Ana Maria Machado, que decerto nada sabia sobre a vida privada de Bennett, levou a cabo o projeto editorial em terra brasilis, com semelhante êxito.
Recentemente, seu nome brotou na babilônia da grande imprensa: e, surpreendentemente, como um viciado em jogatinas, boçal o suficiente para torrar oito milhões de dinheiros imperiais e colaborar com as finanças do mercado sujo e paralelo que tanto combate durante o expediente.
Incongruência? Algo em desatino na boa e velha docilidade do homem comum, ordeiro, honesto, bom chefe de família?
É o elogio à mentira.
E um sintoma preocupante, pois o filão explorado por Bennett é dos mais vendidos e não há um bípede pensante que não almeje a plenitude utópica da felicidade.
Bom, quem deve permanecer é a obra, não a biografia. Tudo bem. Mas o cabra salvaguardou seus livros na escama colorida de um caminho exato para o paraíso. Neste caso, portanto, autor e texto obrigatoriamente se fundem em uma só projeção.
Quem oferece receitas milagrosas não poderia estar tão exposto assim aos seus efeitos colaterais. O que significa simplesmente que ele é um sujeito normal. E, ocupando um polêmico e controvertido cargo federal, nos leva a triste constatação de que a problemática das drogas continuará com seu toldo demagogo e senil.
Mas meu negócio é literatura. E Bennett, além de incoerente, é mau escritor. Literatura é para os malvados declarados, subversivos, loucos, mendigos, feios, alcoólatras, satíricos e inadequados em geral, não para carolas que se afinam grotescamente com o viés dos preconceituosos - pela maneira como buscam moldar um padrão superlativo e idílico de ser. Todo moralista é, no fundo, um devasso mal resolvido.
Ninguém precisa de respostas. Somos falíveis e estúpidos. Borges é chavão de labirinto, veja só; Huxley não entrou para a história contracultural pelas sua palavras edificantes e tampouco Sartre chegaria a algum lugar escrevendo amenidades e receitas de emagrecimento. Duvide da cara de conteúdo dos intelectuais de contracapa (a saber: mão no queixo, barba espessa e, ao fundo, uma estante velha abarrotada de livros e enciclopédias empoeiradas) porque é da natureza dos "virtuosos" que nasce o melhor do marketing pessoal.
Ressalto que citei três dos autores mais lidos do mundo, o que é um claro sinal da ausência de má vontade do leitor. Essa sanha por desinteligência programada é oportunismo puro desses cordeiros modelo, que, com a cara de pau dos vendedores de sonhos consumistas, propõem um atalho reto para o portal do bem-estar pessoal, manipulando a fragilidade do indivíduo (que a tudo observa com olhar oblíquo) e tirando de suas mãos o mais importante instrumento para sua emancipação: o benefício da dúvida.
Essa notícia, francamente, foi de enrubescer.
Tsc. Tsc.
Para ir além


Daniel Aurelio
São Paulo,
3/6/2003
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