Família e O Simples Coronel Madureira | Ricardo de Mattos | Digestivo Cultural

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Quinta-feira, 15/1/2004
Família e O Simples Coronel Madureira
Ricardo de Mattos
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A novela O Simples Coronel Madureira foi escrita em 1.967 por Marques Rebelo (1.907/1.973) e causa admiração o facto de ter sido publicada. A revolução de 1.964 ainda gozava de frescor, porém os vícios e as situações mal explicadas já não eram poucos. A polícia de idéias e a censura, com o recrudescimento verificado anos depois "não muito distantes", não foram muito eficientes, visto deixarem passar este opúsculo sem concessões no sarcasmo ao novo regime. Aparenta-se a obras como A Revolução dos Bichos, Estado de Sítio e até mesmo Don Quixote Americano - apesar deste limitar-se à galhofa - ao mostrar revoluções políticas levadas a cabo sob o argumento de modificar uma desastrosa ordem vigente, mas cujo efeito prático limita-se à alteração dos actores. Move-se muito para deixar tudo da mesma forma ou pior.

O coronel do título é um militar reformado desejo de terminar seus dias em casa, ao lado da mulher e cuidando da horta e das galinhas. Sua aspiração é interrompida pela convocação para assistir um general amigo na intervenção militar n'um órgão público responsável pelo fornecimento de lubrificante à frota de veículos oficiais. Assunto em extremo técnico, do qual ele nada conhece. Atribui-se o chamamento ao novo trabalho a sua inquestionável ética. Infelizmente, ainda a pessoa de sólida formação moral pode ser envolvida em falcatruas, bastando servir como escudo para os verdadeiros agentes. Ao encerrar-se a leitura, desconfia-se que adiante o coronel será lesado pelos actos de alguém, principalmente sopesando a conduta de subordinados como o contador Anselmo e a secretária Almerinda, amante deste, encarregada de manter o oficial amansado com encantos de duvidoso gosto. O rigor inicial ao conferir contas, assinatura de cheques e processos administrativos é atenuado e depois afastado pelas gentilezas da secretária.

Os militares, no imaginário corrente, têm afamado seu amor pelo dever e sua determinação em bem concluí-lo, fama esta que não parece aborrecê-los. Todavia, a novela mostra faltar aos militares interventores uma guerra verdadeira ou o maior número de exercícios de campo nos quais pudessem gastar suas estratégias. A carência de simulações bélicas leva-os a brincar no âmbito da administração, atentos a miudezas - gasto de papel para rascunho - e desatentos à corrupção. E mui descoroçoado fica o coronel em ver aliar-se à imperícia de seus pares, o fomento das delações entre os funcionários, determinadas por um edital.

O Simples Coronel Madureira destaca-se pelo emprego de vocabulário muito rico e pelo elegante manejo do idioma. Pode ser lida com gosto n'uma tarde.

As letras italianas sempre reservam-nos boas surpresas. O ano passado proporcionou-me o contacto inicial com a obra de Dino Buzatti - O Deserto dos Tártaros, Um Amor - e seu último mês foi o de lançamento do livro Família, de Natalia Ginzburg, publicado em 1.977 na Itália. Dois contos compõem o volume, um a nomear-lhe e outro intitulado Burguesia. O romance Foi Assim é outro título encontrado nas livrarias.

Nasceu Natalia Ginzburg no ano de 1.916, em Palermo na Itália. Sua família primava pela atividade intelectual: pai biólogo, tio avô psiquiatra, um tio musicólogo e outro crítico teatral. Um ambiente culto quiçá preferido ao conferido pelo ensino regular. Recebeu a educação básica em casa e após o ensino médio chega a matricular-se na faculdade de Letras, sem todavia obter a licenciatura final. Casou-se em 1.938 com Leone Ginzburg, político empenhado em movimentos clandestinos que proporcionou à mulher e aos três filhos um período de agitação e sustos. Foi preso diversas vezes durante a Segunda Guerra, morrendo no cárcere em 1.944. No ano seguinte ela muda-se para Florença e emprega-se na editora Einaudi. Foi eleita deputada em 1.983, filiada a um partido de esquerda. Sua última noite deu-se entre os dias seis e sete de outubro de 1.991, deixando um número razoável de obras de ensaio e ficção: Vida Imaginária, A Cidade e A Casa, A Família Manzoni, Léxico Familiar. Reparei na opção pelo estilo epistolar em várias delas.

Carmine Donati é o personagem principal do conto Família. Tem um parentesco extremamente próximo com o Eugênio de Olhai Os Lírios do Campo, inclusive parece que se corresponderam regularmente em vida. Contudo, ao contrário de seu primo, não trocou a moça pobre a quem amava para casar-se interessadamente com outra. Fora isso, fica muito bem descrito seu desconforto com os pais humildes, sua insatisfação dentro do casamento, a verificação de que se encontra melhor com outras pessoas que não as do círculo doméstico e as que gravitam em torno dele. Com Ninetta, Carmine formou a família institucional, com Ivana Riviera, manteve a família fundada na afinidade. Não juntou as duas coisas n'uma só devido a estas decisões que, tomadas n'um momento de irreflexão, derramam suas conseqüências pelo resto da existência. Ele e Ivana viveram juntos na juventude, tiveram uma filha, mas separaram-se e depois mantiveram uma amizade estreita. Mais tarde nem lembravam o motivo das brigas e do afastamento. A filha de Ivana com outro homem é uma destas adolescentes intrometidas em problemas adultos mas faz-lhes perceber o quão evitável era a separação: "'Quando estavam juntos, quando tinham aquela filha que morreu, vocês brigavam, e agora não brigam mais. Talvez devessem ter ficado juntos, e no fim teriam parado de brigar e adquirido o hábito de conversar tranqüilamente'. 'Não creio, disse Ivana. 'Eu também não creio', disse Carmine. 'Mas não foi por causa das brigas que nós nos separamos', disse Ivana. 'Então, por que foi', perguntou Angélica. 'Não sei mais, já se passou muito tempo', disse Ivana". Alegar a passagem de um longo tempo é uma forma de não repisar o assunto há muito já sabido, não tornar à incómoda conclusão com a qual se tenta acostumar. Carmine e Ivana já sabiam muito bem sobre o que tagarelava a menina, mas é mostrado não terem eles forças para cogitações sobre problema cuja solução, se houvesse alguma e se houvesse coragem para realizá-la, não seria imediata. Trocar a pessoa não só amada mas profundamente conhecida por outra com a qual se terá sempre um relacionamento artificial - neutro a ponto de tornar irrelevante o adultério - e ter a oportunidade de comparar pelo convívio o tido e o perdido, eis o tema do primeiro conto. Carmine morre e suas últimas reflexões no hospital concentram-se na Felicidade e na vida feliz, não se definindo se elas encontravam-se no fim de uma rota certa da qual ele desviou-se um dia - aqui há maior coerência com o texto - ou se elas estavam limitadas a um determinado período.

O segundo conto é Burguesia. É provável que Natalia Ginzburg apreciasse gatos ou outros animais domésticos: "Ocorreu-lhe que naquele dia tinha entrado no círculo das pessoas que têm e amam animais, um círculo de pessoas específicas, unidas entre si por uma espécie de cumplicidade muito tênue, mas, ainda assim, estreita". E esta cumplicidade deve tê-la feito demorar o olhar sobre outro grupo familiar no todo corriqueiro, porém donos de gatos. Há pessoas, nas ruas, que fogem à invisibilidade somente pela companhia canina ou felina. A família da protagonista, senhora Ilaria Boschivo, não se destaca em nada, possui esta neutralidade que torna indistintas as famílias de classe média. Caracteriza-se pelas constantes preocupações financeiras, planos efêmeros, atenções demasiadas a questiúnculas, falatórios, intromissão na vida alheia, instabilidade de relações, indiscrições, concentração no presente, improviso. O modo como a escritora narra esta brevíssima saga familiar é de uma qualidade muito grande. São como alguns quadros de Renoir: o observador deleita-se em apreciá-los, mesmo não identificando de imediato os retratados. Eis dois contos responsáveis pela insensibilidade do leitor à passagem do tempo.

Para ir além









Ricardo de Mattos
Taubaté, 15/1/2004

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