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Sexta-feira, 27/7/2001
Notas Musicais
Rafael Azevedo
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Yara Mitsuishi

Piano, pianíssimo
Ouço fascinado o 2o movimento do concerto para 2 cravos de Bach, tocado em 2 pianos, esplendidamente, por Clara Haskil e Géza Anda e, em meio à epifanias, atingiu-me uma questão que frequentemente me toma de assalto em minhas experiências musicais: a de que aquilo que eu ouvia era o que mais gostaria de fazer em minhas vida. Quero dizer, tocar. Este concerto é qualquer coisa de impressionante - e quase não pode ser chamado de concerto, já que a participação da orquestra se resume a algumas notas esparsas, meramente decorativas, em torno do inacreditável "esqueleto" musical das duas linhas de piano. Melodias incessantes, uma avalanche de beleza sendo desenvolvida de maneira impressionantemente precisa e organizada, emoções e sentimentos humanos sendo expressos da maneira mais divina. Eis um desejo meu: viver daquilo, dos sons extraordinários produzidos por dedos sobre um teclado, de maneira espetacular. Poder interpretar da minha maneira, a partir do silêncio absoluto, aqueles sons fantásticos, saber de cor cada uma das partes do piano, tocá-las separadamente, conhecendo-as como a mulher amada, em todos seus detalhes, em cada mínima semínima. Isto seria felicidade - pelo menos me sinto assim nos momentos em que sou arrebatado pela música. O pior é que sei de minha capacidade, sei que poderia ter aprendido, quem sabe ainda aprender, a tocar bem algum instrumento musical; então a sensação deste desejo não pode deixar de vir com um gostinho amargo de frustração. É o preço que pago, I guess, por minha inerte vida de observador.
Ou o fantástico concerto para 2 pianos de Mozart. Que brincadeira séria! Pode-se imaginar, em meio àquelas melodias virtuosamente brincalhonas, Wolferl e a pequena Nannerl, sua irmãzinha, tocando o concerto em sua estréia. Graciosidade inacreditável, beleza constante, em todas as melodias, e mesmo quando parece que Mozart, caprichoso por um instante se zanga, segue-se à sua elevação de voz a mais linda melodia já feita, tendo o efeito, embora infinitamente mais gracioso, daquela (escatológica, segundo o Salieri de F. Murray Abraham) risadinha sua no filme Amadeus. O segundo movimento é, não diria triste, melancólico - mas duma melancolia tão bela que não nos comove por sua qualidade emotiva, mas por puro encantamento estético. Nada nem ninguém é mais bem-humorado que Mozart; mas leio que ele viveu atormentado por um número infindável de doenças até sua morte um tanto prematura - e me sinto mal por reclamar tanto.

Theophilus
Kyrie Eleison, ouço Mozart nos dizer em sua missa (bem assim como em todas as outras) em dó menor. Senhor, tende misericórdia. Que Deus não pouparia e perdoaria a humanidade inteira ao ouvir estas palavras musicadas de tal maneira ? Nem o vingativo e ameaçador do Velho Testamento; talvez Alá, filisteu.

Arquitetura de verdade
Bach bota ordem na casa. Ao ouvi-lo somos imediatamente tomados pelas sequências de notas que lembram na delicada simetria e na perfeição racional de sua geometria aqueles jardins dos palácios contemporâneos de Herr Kapellmeister. A humanidade, por breves instantes, faz sentido. Deus existe. Se é feliz. Mesmo quando a melodia é triste, se é feliz ouvindo Bach. Ele dignifica e enobrece a tristeza. Certas obras deixam-nos estupefatos pela sua complexidade, pela imponência e intrincacy do arranjo, das harmonias - são verdadeiros castelos, arquitetonicamente impecáveis -, outras pela aparente simplicidade estonteante; o que ele fez com apenas um cello nas suas suítes não foi igualado por compositor algum, abrangendo de forma tão espetacular todo o ciclo de emoções e sentimentos humanos.

The Ol' Ludwig...
Stravinski, numa entrevista publicada no New York Review of Books, chama as sinfonias de Beethoven de "discursos públicos", dizendo preferir os quartetos e sonatas, que considera mais "íntimos". Acho genial sua opinião, e até penso que concordo; mas basta ouvir uma das sinfonias para que eu acredite preferi-las à tudo que ouvi... até mesmo a sexta, tão desprezada por pessoas de tamanho gabarito como o próprio Stravinski, Cony e Rossi, me diverte um bocado. Percebe-se em todas, no entanto, o excesso de rigidez com que Beethoven as construiu e que, apesar de não ter bloqueado, e sim estimulado, sua criatividade, retirou um pouco do humano delas, conferindo-lhes uma aparência olímpica, de monumentos de mármore - por exemplo, a oitava; fantástica, impressionante, mas não diz muito sobre nossos sentimentos, ou melhor, não diz nada. Música pela música. E embora sua estrutura seja rigorosamente clássica, Beethoven parece escolher sempre o caminho inesperado, o salto em vez do passo; desce quando o compositor médio de sua época subiria o tom; grita quando outros calariam, e abaixa a voz quando outros gritariam inflamados. Emociona todos às lágrimas para então explodir numa gargalhada cheia de repulsa; parece sempre ter essa intenção, de subverter mantendo-se dentro das regras.
A 5a é duma engenhosidade fascinante: o mesmo padrão rítmico, aquele da famosa melodia inicial, é repetido, como uma obsessão enlouquecedora, através dos três primeiros movimentos incessantemente, e ele leva essa loucura adiante - numa introspecção estranha para um "discurso público" - até uma espécie de clímax no terceiro movimento, que explode, na passagem do 3o ao 4o, e culmina com aquela "monumentalidade" inconfundível, construindo a nós um daqueles palácios de mármore gigantescos, este monumento à glória da humanidade que é o allegro final; glória esta que o velho Luís de Beethoven tentou, com razoável sucesso, provar tão insistentemente durante toda sua vida. Talvez soe piegas, em nossos dias, tanto a intenção como a melodia desse último movimento; mas ele jamais deixará de ser grandioso.
A nona é seu mais ambicioso monumento; e se talvez, no quarto movimento ele pareça ter se perdido em meio aos exageros da grandiosidade, foi exatamente essa sinfonia, e seu quarto movimento, com coros monumentais e a orquestra mais ruidosa que 500 mil Commendatori juntos que passou a pautar de maneira indelével os caminhos dos que viessem depois - im Beethovens Schatten - pela tortuosa via da Música. Há sim um certo deslocamento, if I may say so, dos vocais, que fica especialmente perceptível na parte dos solistas, com o resto da música, do instrumental. Wagner acreditava em erros na partitura, e reescreveu-a; Stravinski diz que a entrada do barítono é uma "intrusão chocante", e que "o cantor dificilmente ficaria mais deslocado nos Pagliacci". Existem momentos em que é humanamente impossível distinguir entre as diferentes linhas melódicas dos cantores, do coro e dos instrumentos; tudo se revolve e se contorce numa aparente mixórdia caótica, que ao contrário de todos não me apresso em desprezar - insanamente, prefiro crer que Beethoven tivesse um propósito nisso, que há como se encontrar algum sentido, ainda que em meio ao caos. As vozes que participam daquela balbúrdia há pouco entoavam a melodia principal deste movimento, feita com a visível intenção de ser a mais bela ode à alegria, à liberdade, à humanidade - "música alemã de banda estilo Kaisermarsch", segundo o incansável Igor - e agora irrompiam freneticamente em todas as direções. Stravinski nos diz ainda que as vozes induzem à música uma finitude que vai contra a natureza de sua mensagem, e vê mal-realizada a tensão dos gigantescos coros finais. Quem sou eu para discordar... mas não sei se tampouco posso concordar. Ele parece preferir o 3o movimento; confesso que gosto dele particularmente também. Há ali algo de wagneriano, tanto na intensidade das emoções como na maneira com que elas são executadas, com as cordas sendo tocadas duma maneira muito característica, contínua, ininterrupta quase, pelos arcos - quase não há um fraseado, propriamente dito, com pausas e staccatti; os arcos deslizam pelas cordas, como que "extraindo" sons do nada. O primeiro movimento é impressionante, desde seu início tonitruante, quando tudo desaba sobre os ouvintes, até as últimas porradas finais - é o Beethoven indomado, um animal feroz amordaçado, que faz os instrumentos explodirem com a ira de todo um universo após tocarem as mais lindas melodias. O segundo movimento, quando bem-regido, é uma experiência auditiva. Uma melodia iniciada pelos violinos é repetida rapidamente, e a eles se somam todos os outros instrumentos, um a um, num frenético contraponto, até que a orquestra inteira toma conta e acaba se deixando levar embora pelos devaneios da mente transtornada; mas retornando sempre à melodia inicial. Não há como discordar do que o velho Ludwig, num acesso de modéstia, disse certa vez: "Quem compreende a minha música, jamais poderá ser totalmente infeliz".


Rafael Azevedo
São Paulo, 27/7/2001

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