A Invenção de Orfeu de Jorge de Lima | Fabrício Carpinejar | Digestivo Cultural

busca | avançada
36997 visitas/dia
1,2 milhão/mês
Mais Recentes
>>> BuZum! encena “Perigo Invisível” em SP e público aprende a combater vilões com higiene
>>> Exposição de arte Dispositivos
>>> Cristina Guimarães lança EP Em Canto que marca seu reencontro com a voz cantada
>>> Desenhos de Tarsila do Amaral
>>> F.I.B.R.A. CONSOLIDA CENA INDEPENDENTE COM MAIS UMA EDIÇÃO EM VIAMÃO
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O batom na cueca do Jair
>>> O engenho de Eleazar Carrias: entrevista
>>> As fitas cassete do falecido tio Nelson
>>> Casa de bonecas, de Ibsen
>>> Modernismo e além
>>> Pelé (1940-2022)
>>> Obra traz autores do século XIX como personagens
>>> As turbulentas memórias de Mark Lanegan
>>> Gatos mudos, dorminhocos ou bisbilhoteiros
>>> Guignard, retratos de Elias Layon
Colunistas
Últimos Posts
>>> Uma aula sobre MercadoLivre (2023)
>>> Lula de óculos ou Lula sem óculos?
>>> Uma história do Elo7
>>> Um convite a Xavier Zubiri
>>> Agnaldo Farias sobre Millôr Fernandes
>>> Marcelo Tripoli no TalksbyLeo
>>> Ivan Sant'Anna, o irmão de Sérgio Sant'Anna
>>> A Pathétique de Beethoven por Daniel Barenboim
>>> A história de Roberto Lee e da Avenue
>>> Canções Cruas, por Jacque Falcheti
Últimos Posts
>>> Nem o ontem, nem o amanhã, viva o hoje
>>> Igualdade
>>> A baleia, entre o fim e a redenção
>>> Humanidade do campo a cidade
>>> O Semáforo
>>> Esquartejar sem matar
>>> Assim criamos os nossos dois filhos
>>> Compreender para entender
>>> O que há de errado
>>> A moça do cachorro da casa ao lado
Blogueiros
Mais Recentes
>>> A calça alta do Faulkner
>>> Rubem Braga e eu
>>> Epitáfio do que não partiu
>>> Dicas para você aparecer no Google
>>> This Week in Startups, com Jason Calacanis
>>> Vespeiro silencioso: "Mayombe", de Pepetela
>>> Um convite a Xavier Zubiri
>>> A obra-prima de Raymond Chandler
>>> Meu beijo gay
>>> teenageangst
Mais Recentes
>>> Antes Que o Café Esfrie de Toshikazu Kawaguchi pela Valentina (2022)
>>> As Coisas Que Você Só Vê Quando Desacelera de Haemin Sunim pela Sextante (2017)
>>> A Raiva Não Educa. a Calma Educa de Maya Eigenmann pela Astral Cultural (2022)
>>> Especialista em Pessoas de Tiago Brunet pela Academia (2020)
>>> Coaching Ministerial de Ariel Nobre pela Literare Books (2017)
>>> O relato de Arthur Gordon Pym de Edgar Allan Poe pela L&PM Pocket (2010)
>>> Nelson Mandela de Vicky Shipton pela Scholastic (2011)
>>> O banquete de Platão pela L&PM Pocket (2017)
>>> Do contrato social de Jean Jacques Rousseau pela Martim Claret (2007)
>>> A magia dos números ao seu alcance de Helyn Hitchcock pela Pensamento (1993)
>>> Renúncia de Francisco Candido Xavier pela Federação Espirita Brasileira (1980)
>>> Three Short Stories of Sherlock Holmes de Sir Arthur Conan Doyle pela Penguin Readers (2008)
>>> Escola da fé I - Sagrada Tradição de Prof. Felipe Aquino pela Cléofas (2000)
>>> Talvez Você Deva Conversar Com Alguém de Lori Gottilieb pela Vestigio (2021)
>>> O grande mentecapito de Fernando Sabino pela Record (2010)
>>> Saboroso Cadáver de Agustina Bazterrica pela Darkside (2022)
>>> Física I mecânica de Young & Freedman pela Addison Wesley (2003)
>>> A Gente Mira no Amor e Acerta na Solidão de Ana Suy pela Paidós (2022)
>>> Em Busca de Mim de Em Busca de Mim pela Best Seller (2022)
>>> A Lion called Christian de Anthony Bourke e John Rendall pela Richmond (2012)
>>> Twenty Thousand Leagues Under the Sea: Level 1 de Jules Verne pela Penguin Readers (2008)
>>> Barack Obama - The story of one man's journey to the White House de Jane Rollason pela Richmond (2014)
>>> O Futuro do Poder de Joseph S. Nye Jr. pela Benvirá (2012)
>>> Bioética de Darlei Dall´Agnol pela Jorge Zahar (2005)
>>> Álbum de Casamento - Quarteto de Noivas 1 de Nora Roberts pela Arqueiro (2013)
COLUNAS

Quinta-feira, 14/7/2005
A Invenção de Orfeu de Jorge de Lima
Fabrício Carpinejar
+ de 36900 Acessos
+ 1 Comentário(s)

O alagoano Jorge de Lima cumpriu um prodígio. Sua última obra, Invenção de Orfeu, publicada um ano antes de falecer, em 1952, até hoje é um enigma aos leitores e críticos, que se debatem em hipóteses e subterrâneos para entender seu longo poema de dez cantos. O escritor não facilitou o caminho para ninguém, criou um hipertexto lírico a inaugurar a pós-modernidade as trevas na poesia brasileira.

O desafio novamente está posto. A editora Record recoloca Invenção de Orfeu (430 páginas) nas prateleiras, depois da obra ficar vinte anos fora de catálogo. A resistência ao livro, ainda culto de iniciados, deve-se ao predomínio de uma crítica realista no Brasil, que enfatizou a cotidianização da linguagem e o apelo ao engajamento social e à compreensão estrutural da realidade. Jorge de Lima, adepto da transcendência, ficou de fora do panteão dos clássicos. Aliás, é de se preocupar o medo que a crítica tem de "Deus" na poesia. Parece que o ateísmo virou, de modo equivocado, sinônimo de boa literatura. Cecília Meireles somente agora está sendo redescoberta (graças inclusive à acurada leitura de Ítalo Morriconi em sua antologia de cem melhores poemas), Augusto Frederico Schmidt desapareceu completamente das livrarias, Murilo Mendes sobreviveu em função do experimentalismo de Convergência, mas pagou alto o preço de seu catolicismo e de seu projeto que buscava restaurar a poesia em Cristo, ao lado do próprio Jorge de Lima, seu parceiro do livro Tempo e Eternidade (1935). A tradição ibérica, barroca e religiosa foi catalogada como uma ramificação secundária quando, na verdade, é o tronco da literatura do país. Falsearam a história literária? É certo que o cânone seria outro, se uma produção inconsciente e mística tivesse chance de ser lida e discutida.

Jorge de Lima era considerado por Mário Faustino "um pequeno poeta maior", mas o "nosso único poeta maior". Invenção de Orfeu se constitui em o poema mais ambicioso da literatura brasileira, cosmogonia dotada dos mais altos vôos e das piores quedas. Magnus opus do autor ou fenomenologia do ser ("como conhecer as coisas, senão sendo-as"), relata a trajetória de um "barão assinalado, sem brasão, sem gume e fama" que relembra seus dias de aventura desde a fundação da ilha (metáfora do Brasil, arquipélago infernal onde permaneciam os heróis gregos) até o apocalipse final. O livro é um épico subjetivo, o que já era uma novidade na época. Pois todo épico pressupõe objetividade e Jorge de Lima não sustenta a linearidade, impregnando sua escrita de ecos, comparações, citações e uma trepidação nervosa que funde passado, presente e futuro no mesmo tom dramático. Não tem a segurança da narração, característica do épico, que tudo observa e julga, porém a insegurança de quem se descobre réu de sua história. Assim como não existe um tempo histórico, e sim um tempo ininterrupto de linguagem. Apesar do tema único, a obra não revela uma unidade. É um emaranhado de planos e interfaces, que ora se perfazem, ora se repelem. O manto lingüístico funciona como uma feitiçaria verbal, um fluxo de consciência, onde a "voz poética" não tem direito às censuras e mentiras, às fugas e evasões, vivendo um estado de permanente verdade, confissão e delírio febril. "Para unidade deste poema,/ ele vai durante a febre,/ ele se mescla e se amealha,/ e por vezes se devassa".

É pouco estudada a relação de Jorge de Lima pintor, premiado com menções no Salão Nacional de Belas Artes e na 1ª Bienal de São Paulo, com Jorge de Lima poeta. A natureza polifônica de Invenção de Orfeu talvez resida nesse cruzamento de técnicas. A pintura em pânico, seu álbum de fotomontagens de 1943, revela o processo de Invenção de Orfeu. A colagem é a marca de um trabalho surrealista que mistura o sagrado e o profano, o vulgar e a erudição, em camadas sobrepostas de oratória. Uma medusa que aponta para todos os lados. Longe de um texto hierárquico, denota uma poesia convulsionada, que esconde, distorce e deforma, rica em signos, símbolos e excertos de diversas fontes em uma viagem sem volta. O crítico capixaba Luiz Busatto teve a clarividência de exceção e desvendou parte do segredo da intertextualidade, em Montagem em Invenção de Orfeu (1978). Jorge de Lima parafraseia, sem aspas, e edita trechos inteiros da Divina Comédia, de Dante, do Paraíso perdido, de John Milton, d'Os Lusíadas, de Luís Camões, e de Eneida e Geórgicas, de Virgílio. Desenraiza as identidades dos fragmentos, altera o chassi e raspa a numeração. Invenção de Orfeu pode ser visto como um cemitério de carros roubados.

Tal palimpsesto e com um ímpeto de transgressão modernista, Jorge de Lima reescreve sobre um texto clássico, introduzindo pequenas diferenças e paralelos e espelhando cada vez mais o fundo. Mais do que se pôr de igual para igual com seus mestres, reencarna-os na glosa. Um exemplo é a quadra de um dos mais belos sonetos do livro: "A garupa da vaca era palustre e bela,/ uma penugem havia em seu queixo formoso;/ e na fronte lunada onde ardia uma estrela/ pairava um pensamento em constante repouso." O trecho remete à Geórgicas III, de Virgílio, em tradução de Antônio Feliciano de Castilho, em que a descrição da vaca igualmente começa com sua beleza e termina com seu repouso. E o pior, a vaca virgiliana apresenta a pedra-de-toque do verso: a "fronte lunada".

Lima não empregou impunemente essas paráfrases em sua corrente sanguínea. As apropriações têm um claro desejo e objetivo. Invenção de Orfeu almeja ser a história espiritual da poesia do Ocidente. É o poeta, todos poetas em um (Dante, Camões, Virgílio, Homero, Ovídio, John Donne, Rimbaud, Gerard Manley Hopkins), que está em julgamento. "Éramos graves, éramos poetas", no "reino unido das abelhas, solo de ouro". Daí "o inventário do verso", como caracterizou Mário Faustino, utilizando várias formas poéticas como oitavas clássicas, tercetos e sextinas. Entre os mistérios da morte e a efusão da infância, evoca os círculos do inferno e do paraíso, monstros e bestas, reinventa mitos como Inês de Castro. Poesia dentro de poesia, metalinguagem em estado puro. Um testamento coletivo, a biografia de uma fé. O poeta pede perdão em sua derradeira obra. Insinua que o verbo não salva, condena. O escritor seria um condenado. Invenção de Orfeu não é mesmo um épico, mas uma oração. Deus não escreve, tarefa confiada aos seus apóstolos. Somente Jorge de Lima poderia terminar seu livro com "Amém".

Nota do Editor
Fabrício Carpinejar é poeta, autor de sete livros: entre eles, Como no céu/Livro de visitas (2005), Cinco Marias (2004) e Caixa de Sapatos (2003). Este texto foi originalmente publicado no "Caderno Fim de Semana", da Gazeta Mercantil, e reproduzido aqui com sua autorização.

Para ir além






Fabrício Carpinejar
São Leopoldo, 14/7/2005

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Garanto que você não vai gostar de Carina Destempero
02. Analisando Sara: Pós-hardcore atmosférico de Duanne Ribeiro


Mais Fabrício Carpinejar
Mais Acessadas de Fabrício Carpinejar em 2005
01. A Invenção de Orfeu de Jorge de Lima - 14/7/2005
02. Separar-se, a separação e os conselhos - 18/1/2005
03. Pais e filhos, maridos e esposas II - 20/4/2005
04. Separar-se, a separação e os conselhos II - 11/3/2005
05. Pais e filhos, maridos e esposas - 25/3/2005


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
15/7/2005
23h45min
Ótimo texto, caro Carpinejar. Jorge de Lima, que influenciou Glauber Rocha, merece de fato ser revisitado. Assim como, você lembra, Murilo Mendes. Às vezes é bom lembrar nossos bons poetas, que de tempos em tempos ficam esqucidos. Daí a importância inegável de tua resenha sobre a "Invenção de Orfeu", que a Record está colocando na praça.
[Leia outros Comentários de Humberto Pereira]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Batman Superman 1: o Ano dos Vilões
Joshua Williamson; Mark Russell; Outros
Panini / Dc Comics
(2020)



Resmungos
Ferreira Gullar / Antonio Henrique Amaral
Imprensa Oficial
(2006)



Livro - Celebrar a Vida Crista
Frei Albert Beckhauser Ofm
Vozes
(1984)



Livro - Morrendo De Rir
Luciana Savaget
Nova Fronteira
(2006)



O Chamado Do Cuco
Robert Galbraith
Rocco
(2013)



Testes Padronizados Em Educação
Mehrens / Lehmann
Epu
(1978)



Dona Flor e seus dois Maridos
Jorge Amado
Record
(1995)



Vida de Antoninho da Rocha Marmo: O Sonho de uma criança semeando esperança
Anônimo
Do Autor



Um Mundo Depois do Fim do Mundo
Daniel Martins Alves Pereira
Eduel
(2009)



O amor é sempre agora: antologia do Éden Angolano
Adriano Botelho de Vasconcelos
União dos Escritores Angolanos
(2007)





busca | avançada
36997 visitas/dia
1,2 milhão/mês