Entre o sertão e a biblioteca | Celso A. Uequed Pitol | Digestivo Cultural

busca | avançada
90757 visitas/dia
2,1 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Nouveau Monde
>>> Agosto começa com música boa e grandes atrações no Bar Brahma Granja Viana
>>> “Carvão”, novo espetáculo da Cia. Sansacroma, chega a Diadema
>>> 1º GatoFest traz para o Brasil o inédito ‘CatVideoFest’
>>> Movimento TUDO QUE AQUECE faz evento para arrecadar agasalhos no RJ
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Two roads diverged in a yellow wood
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
Colunistas
Últimos Posts
>>> As Sete Vidas de Ozzy Osbourne
>>> 100 anos de Flannery O'Connor
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Ama teu vizinho
>>> Barba e bigode
>>> Quem sou eu?
>>> Quatuor pour la fin du temps
>>> The Search, John Battelle e a história do Google
>>> Juraci, e o seu?
>>> Itaúnas não será esquecida e nem Bento
>>> Cotas e ação afirmativa
>>> Dying to Live
>>> Não contem com o fim do livro, uma conversa com Umberto Eco
Mais Recentes
>>> O Músculo Da Alma: A Chave Para Sabedoria Corporal de Nuno Cobra Jr. pela Voo (2017)
>>> 1981 - O Ano Rubro-Negro de Eduardo Monsanto pela Panda Books (2011)
>>> Uma Viagem Para Loucos de Peter Nichols pela Objetiva (2002)
>>> Comunicação E Semiotica de Lucia Santaella; Winfried Noth pela Hacker (2004)
>>> A Norma Oculta: Língua & Poder Na Sociedade Brasileira de Marcos Bagno pela Parabola (2003)
>>> O Outsider - o Drama Moderno da Alienação e da Criação de Colin Wilson pela Martins Fontes (1985)
>>> História Concisa Da Literatura Brasileira 38ª ed. de Alfredo Bosi pela Cultrix (2007)
>>> Como Elaborar Projetos De Pesquisa de António Carlos Gil pela Atlas (1991)
>>> Os Índios E A Civilização de Darcy Ribeiro pela Companhia Das Letras (1996)
>>> Configurações Historico-Culturais dos Povos Americanos de Darcy Ribeiro pela Civilizaçao Brasileira (1975)
>>> O Processo Civilizatório de Darcy Ribeiro pela Vozes (1987)
>>> Os Dragões do Edén de Carl Sagan pela Francisco Alves (1980)
>>> Materialismo Histórico e Existencia de Marcuse pela Tempo Brasileiro (1968)
>>> Os Anos Lula - Contribuições Para Um Balanço Crítico 2003-2010 de Reinaldo Gonçalves pela Garamond (2010)
>>> Os Bebês e Suas Mães de D. W. Winnicott pela Martins Fontes (2002)
>>> Jogos, Dinamicas E Vivencias Grupais de Albigenor; Rose Militão pela Qualitymark (2006)
>>> Tendencia A Distracao de Edward M. Hallowell pela Rocco (1999)
>>> Longe Da Arvore: Pais, Filhos E A Busca Da Identid de Andrew Solomon pela Companhia Das Letras (2013)
>>> A Finitude é uma Incógnita de Rose Pinheiro pela Autografia (2020)
>>> Os Doze Passos E As Doze Tradições de Alcoolicos Anonimos pela Junaab (2008)
>>> Viver Sóbrio de Alcoolicos Anonimos pela Junaab (1977)
>>> Atenção plena - Mindfulness - como encontrar a paz em um mundo de Mark Williams; Danny Penman pela Sextante (2015)
>>> Sexo no Cativeiro - Como manter a paixão nos relacionamentos de Esther Perel pela Objetiva (2018)
>>> A Sutil Arte De Ligar O Foda-se de Mark Manson pela Intrínseca (2019)
>>> The Secret - O Segredo de Rhonda Byrne pela Ediouro (2011)
COLUNAS >>> Especial Guimarães Rosa

Quinta-feira, 27/4/2006
Entre o sertão e a biblioteca
Celso A. Uequed Pitol
+ de 6200 Acessos
+ 2 Comentário(s)

Talvez nenhum autor brasileiro tenha trabalhado tanto para escrever uma obra atemporal como Guimarães Rosa. Não que outros grandes nomes da nossa literatura trabalhassem a fundo perdido, sem quererem que sua obra se perpetuasse. Ao contrário: pretensão nunca faltou entre eles. A diferença entre eles e Guimarães Rosa é a intenção. É como se escrevessem apenas para o momento, para as discussões do dia-a-dia, resposta para chamados como a hipocrisia das elites, a necessidade de fundar uma nacionalidade ou a beleza singela do amor singelo, quase sempre expressa com o máximo de singeleza. Transcender os apelos ligeiros é um expediente ao qual nossos literatos não são muito afeitos, mesmo quando pretensiosos. Deixam essas coisas para os filósofos, e estes para os filósofos estrangeiros. Essas coisas de eternidade estão lá longe e não nos interessam tanto assim.

Mas elas interessam muito a Guimarães Rosa e, por isso, no momento em que escrevia, — e, sobretudo, no momento em que escrevia Grande Sertão: Veredas — estava muito ciente do impacto de sua obra na literatura brasileira. Sabia que trabalhava com assuntos que, se haviam sido tratados antes, o foram de modo superficial, embrionário, olhadelas de soslaio durante viagens que não raro levavam ao nada, e ainda assim de modo completamente diferente. Sabia-se único, em suma. Pôde talvez antever que se falasse, trinta anos depois de publicada a sua obra maior, de nada menos do que uma cosmologia de Grande Sertão: Veredas, com direito a criação do mundo, bem e mal, ascensão e queda e tudo o que uma cosmologia que se preze tem direito.

Sem querer tirar daqui a metafísica — até porque, por definição, é ela que nos abarca, e não nós a ela —, devemos voltar nossos olhos para o enfoque escolhido, que é o da linguagem, algo um tanto óbvio quando se fala de Guimarães Rosa. É o que logo de cara chama a atenção de qualquer um. Palavras que nunca vimos antes surgem a todo instante, e Grande Sertão começa, algo solenemente, com uma delas, Nonada, uma contração de "não, nada" ou "não é nada", falada pelos jagunços do sertão. Temos que aprender a sintaxe própria do autor, que não é a mesma do português que vemos no dia-a-dia. Os personagens têm nomes estranhos, união de vocábulos que são também união de significados e dão ao personagem suas principais características pessoas, à maneira das antigas narrativas míticas. Cada palavra e cada frase são pequenas "obras abertas", na acepção de Umberto Eco. São desafios à nossa lógica, e não poderia ser diferente: Guimarães Rosa é pré-lógico, puramente intuitivo, sem a regulação daquela estruturação da linguagem exibida nas gramáticas e nos manuais de retórica. E o é conscientemente, como ele mesmo confessou:

"(...) Como eu, os meus livros, em essência, são anti-intelectuais — defendem o altíssimo primado da intuição, da revelação, da inspiração, sobre o bruxulear presunçoso da inteligência reflexiva, da razão, da megera cartesiana. Quer captar a experiência direta com o ser, e por isso prefere 'ficar com o Tao, com os Vedas e Upanixades, com os Evangelistas e São Paulo, com Platão, com Plotino, com Bergson, com Berdiaeff — com Cristo principalmente".

Rosa quer, portanto, a intuição. Segundo a bela definição de Benedetto Croce, intuição é a "forma auroral do conhecimento", anterior à lógica e à petrificação que os conceitos sempre trazem. Qual é a saída para um escritor assim? É a poesia. Segundo Croce, ela é a intuição pura, única linguagem capaz de "captar o palpitar da vida em sua realidade". Por isso o Grande Sertão, malgrado a sua forma romanesca — é aquela em que ele mais facilmente se encaixa —, é essecialmente poético, e por isso nos parece primitivo, como a Ilíada e as sagas islandesas nos parecem primitivas no enredo e na linguagem.

Em um ensaio intitulado "o Iapa de Guimarães Rosa", o filósofo tcheco naturalizado brasileiro Villém Flusser dá uma missão a Guimarães Rosa. Segundo ele, nosso idioma sofreu dois grandes purgatórios: o primeiro deu-se quando, após a purificação da língua latina, a migração dos povos bárbaros vulgarizou o idioma. Após um breve florescimento durante o Renascimento, começou o segundo purgatório, marcado pelo preciosismo lingüístico, o excessivo apego à forma e o sufocar da imaginação, que redundou na gramatiquice muito nossa conhecida. Para Flusser, Guimarães Rosa será o responsável pelo renascimento do português como língua de cultura, ao unir o que ele chama de língua do sertão e língua das bibliotecas — isto é, a língua em estado bruto, do dia-a-dia do homem, do homem rural, sobretudo, e a língua cristalizada em estruturas que resistem às mudanças. É a língua do vaqueiro e a do empoladíssimo professor de língua, de Lampião e de Napoleão Mendes de Almeida. Eis o que faz Rosa, segundo Flusser:

"Viaja com os vaqueiros em busca de palavras e formas. Dorme com os bezerros para captar os ruídos e as imagens brutais que tendem a realizar-se na linguagem sertaneja. Sorve a plenitude das vogais e mastiga a dureza das consoantes para apalpar a matéria prima da língua". Logo depois, "mergulha nos compêndios, anota e compara formas de gramática latina, húngara, sânscrita ou japonesa para penetrar o tecido da língua e desvendar-lhe a estrutura".

A empolgação de Flusser ao antever um futuro glorioso para a criação rosiana é análoga à empolgação da época — o ensaio data dos anos 60— com o futuro do Brasil e, particularmente, com o da nossa cultura. Não podemos dizer que ele tenha se equivocado, apesar de tudo. Ainda que a obra de Guimarães Rosa não tenha sido, até hoje, bem digerida pelos frágeis estômagos dos literatos brasileiros — que costumam engolir finas iguarias como se fossem pipoca de cinema, e por isso raramente ultrapassam o nível da imitação barata — resta-nos a esperança de que a vista contemplada por Guimarães Rosa seja tão ampla quanto parece. Como bem observou Ferreira Gullar, ele estava plantando ipês, árvores para florescerem séculos depois de germinadas. E, quando isso começar, os séculos que geraram metáforas desgastadas como "túmulo do pensamento" e "inculta e bela" ficarão definitivamente para trás.


Celso A. Uequed Pitol
Canoas, 27/4/2006

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Two roads diverged in a yellow wood de Renato Alessandro dos Santos
02. A Mente dos Outros de Alexandre Soares Silva
03. Banana Republic de Rafael Azevedo
04. Um recomeço? de Paulo Polzonoff Jr


Mais Celso A. Uequed Pitol
Mais Acessadas de Celso A. Uequed Pitol em 2006
01. O ensaísta Machado de Assis - 8/9/2006
02. O Orkut é coisa nossa - 16/2/2006
03. Entre o sertão e a biblioteca - 27/4/2006
04. O ano de ouro de Nélida Piñon - 4/1/2006
05. Mordaça virtual: o Google na China - 23/3/2006


Mais Especial Guimarães Rosa
* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
27/4/2006
00h07min
Um texto bom e interessante. Se é que isso importa...
[Leia outros Comentários de Jose Alfredo]
28/3/2008
11h05min
Excelente texto. Consciente e seguro, o autor sintetiza com rara maestria o grande significado para a literatura brasileira da cultura popular nordestina (sertões).
[Leia outros Comentários de joao monteiro neto]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Coal to Cream a Black Mans Journey Beyond Color to An Affirmation O
Eugene Robinson
The Free Press
(1999)



Dinamicas Da Historia Do Mundo
Christopher Henry Dawson
É Realizações
(2010)



Livro Direito Penal para Concurso de Juiz do Trabalho
Ana Paula de Pétta
Edipro Concursos
(2012)



Livro Saúde e Qualidade de Vida Volume 3
Gemma Rocco Busetti; Lucy Coelho Penna; Outros
Fundação Peirópolis
(1998)



Livro Notre Dame Uma Cruz No Coração
Carolina Beatriz
Carol Schoueri
(2018)



Os Dados Que Deus Escondeu
Wladimir Guglinski
Bodigaya
(2003)



60 Fotografias do Acervo
Museu Lasar Segall
Museu Lasar Segall
(2012)



Canto Geral
Pablo Neruda
Betrand Brasil
(2010)



O Leitor
Bernhard Schlink
Record
(2023)



São Cristovão e a Herança Perdida
Luiz Antonio Seraphico
Arauco
(2009)





busca | avançada
90757 visitas/dia
2,1 milhões/mês