Reinventando clássicos | Luiz Rebinski Junior | Digestivo Cultural

busca | avançada
63685 visitas/dia
1,7 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Banda Star Beatles sobe ao palco do Hard Rock Cafe Florianópolis
>>> Estão abertas inscrições para cursos, vivência e residência artística no Teatro do Incêndio
>>> Nas férias, Festival ALLEGRIA reúne atrações gratuitas de teatro musical e circo na capital
>>> Lacerdine Galeria agita no dia 12/7 a programação com a Festa Julinarte, banda de forró de rabeca e
>>> Festival exibe curtas-metragens online com acesso livre
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A dobra do sentido, a poesia de Montserrat Rodés
>>> Literatura e caricatura promovendo encontros
>>> Stalking monetizado
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
Colunistas
Últimos Posts
>>> O coach de Sam Altman, da OpenAI
>>> Andrej Karpathy na AI Startup School (2025)
>>> Uma história da OpenAI (2025)
>>> Sallouti e a história do BTG (2025)
>>> Ilya Sutskever na Universidade de Toronto
>>> Vibe Coding, um guia da Y Combinator
>>> Microsoft Build 2025
>>> Claude Code by Boris Cherny
>>> Behind the Tech com Sam Altman (2019)
>>> Sergey Brin, do Google, no All-In
Últimos Posts
>>> Política, soft power e jazz
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Como escrever bem — parte 2
>>> Amores & Arte de Amar, de Ovídio
>>> Reflexões para um mundo em crise
>>> Porque ela pode, de Bridie Clark
>>> Vanguarda e Ditadura Militar
>>> A profecia de Os Demônios
>>> Para entender Paulo Coelho
>>> A letargia crítica na feira do vale-tudo da arte
>>> Jonny Ken do migre.me, no MitA
>>> Eduardo Mineo, muito prazer
Mais Recentes
>>> A Viajante Do Tempo (serie outlander) de Diana Gabaldon pela Rocco (2004)
>>> Mentes Perigosas - O Psicopata Mora Ao Lado de Ana Beatriz Barbosa Silva pela Fontanar (2008)
>>> Leonardo da Vinci Artistas Famosos Uma Introdução à Vida e Obra de Leonardo da Vinci de Antony Mason pela Callis (2012)
>>> Correio Feminino de Clarice Lispector pela Rocco (2006)
>>> A Raiva (4º reimpressão - capa dura) de Blandina Franco - Jose Carlos Lollo pela Pequena Zahar (2019)
>>> Os Meninos Adormecidos de Anthony Passeron pela Fósforo (2024)
>>> A Ocupação de Julián Fuks pela Companhia Das Letras (2019)
>>> Mas em que Mundo tu Vive? de José Falero pela Todavia (2021)
>>> A Filha Única de Guadalupe Nettel pela Todavia (2022)
>>> A Jornada de Felicia de William Trevor pela Biblioteca Azul (2014)
>>> O Castelo de Minha Mãe de Marcel Pagnol pela Pontes (1995)
>>> Segunda Casa de Rachel Cusk pela Todavia (2022)
>>> Louco Por Hqs (8º impressão - com suplemento de atividades) de Tânia Alexandre Martinelli - Quanta Estúdio pela Do Brasil (2019)
>>> Livro Geografia Geral E Do Brasil: Espaço Geográfico E Globalização de Eustáquio De Sene, João Carlos Moreira pela Scipione (1999)
>>> Cinema E Psicanalise - Filmes Que Curam - Vol 3 de Christian Ingo Lenz Dunker pela Nversos (2015)
>>> Machado de Assis e a Escravidão de Gustavo Bernardo, Joachim Michael pela Annablume (2010)
>>> Quem da Pátria sai, a si Mesmo Escapa de Daniela Meirelles Escobari pela Escuta (2009)
>>> O espirito na arte e na ciencia (capa dura) de Jung pela Vozes (1985)
>>> Mãos de Cavalo de Daniel Galera pela Companhia Das Letras (2006)
>>> Barba Ensopada de Sangue de Daniel Galera pela Companhia Das Letras (2012)
>>> Dificuldades De Aprendizagem de Nora Salgado Ana Maria Spinosa pela Grupo Cultural (2009)
>>> Cordilheira de Daniel Galera pela Companhia Das Letras (2008)
>>> O Pequeno Principe Em Cordel de Antoine de Saint Exupéry; Olegário Alfredo (o Mestre Gain) pela Penninha Ediçoes (2020)
>>> Pais e Filhos de Ivan Turgueniev pela Companhia Das Letras (2021)
>>> 3.000 Questões de Fonoaudiologia para Passar em Concursos de Raimundo Nonato Azevedo Carioca pela Odontomidia (2008)
COLUNAS

Quarta-feira, 14/5/2008
Reinventando clássicos
Luiz Rebinski Junior
+ de 3100 Acessos

Ao artista que se aventura no arenoso território das versões, há sempre duas opções: seguir a mesma fórmula da música original, com vocal e arranjos fidedignos, ou ousar, mudar o ritmo, acrescentar elementos sonoros inexistentes à matriz e buscar uma interpretação pessoal da canção. Com a primeira, bem mais segura, corre-se menos risco de cair no ridículo e entrar para a história como o intérprete que acabou com um clássico. Já a segunda opção, mais arriscada, requer do artista coragem, bom senso, muita personalidade e boa dose de talento. Dois ícones do underground americano, de gerações distintas, resolveram encarar o desafio de dar sobrevida a canções consagradas por grandes artistas. Cat Power, com seu recém-lançado Jukebox (2008), e a veterana Patti Smith, com Twelve (2007), retornaram à cena com trabalhos bastante parecidos.

Figura conhecida na cena independente americana, Cat Power, que também atende por Chan Marshall, seu nome verdadeiro, lançou um corajoso álbum de regravações, que mistura clássicos absolutos como "New York, New York" (Frank Sinatra), a canções menos conhecidas como "Ramblin' (Wo)man" (Hank Williams) e "Lost someone" (James Brown). Depois de um período sabático e de um bom álbum chamado Moon Pix (1998), Chan ressurgiu nos anos 2000 com You Are Free (2003), trabalho que destoava bastante do som introspectivo de seus álbuns anteriores. A partir daí, a artista deslanchou com The Greatest (2006), seu melhor trabalho autoral até agora. Com este Jukebox, Chan completa uma espécie de trilogia involuntária que a fez ressurgir do limbo e a trouxe novamente para os holofotes. Ainda que continue fiel às suas influências do começo de carreira (Dylan continua sendo a maior delas), é notório o amadurecimento da artista, que se reinventou ao partir para um som bem mais sofisticado e apurado, bem diferente das guitarras secas que costumavam dominar seus discos lançados nos anos 1990.

Jukebox representa o ápice desse processo de refinamento artístico que Chan vem sofrendo ao longo da última década. Esteada pela The Dirty Delta Blues, banda formada pelo guitarrista Judah Bauer (do Blues Explosion), pelo tecladista Gregg Foreman (do Delta 72), pelo baixista Erik Paparazzi (da Lizard Music) e pelo baterista Jim White (do Dirty Three), Chan concebeu um disco impecável, no qual ousa desconstruir músicas aparentemente intocáveis. É assim que a alegre "New York, New York" vira uma sóbria canção interpretada pausadamente e com muita tranqüilidade pela cantora. A pacata "Silver Stallion" é igualmente cantada de forma doce por Chan, que tem apenas um slide guitar como acompanhamento, o que dá à música uma aura country. O piano de bar e a guitarra contida dão ao disco um tom jazzístico, com uma pegada meio blues bastante interessante, sem o incremento de quase nenhum floreio.

O ídolo maior, Bob Dylan, é homenageado em duas faixas. Em "I believe in you", música de Slow Train Coming (1979), uma guitarra stoniana marca o ritmo, e em "Song to Bobby", Chan segue os passos de Dylan, quando em 1962, em seu disco de estréia, escreveu uma canção ao grande ídolo, Woody Guthrie. Em "Aretha, sing one for me", uma das mais belas canções do disco, Chan canta como uma verdadeira diva do blue-jazz, à altura da homenageada. A música é um belo exemplo de como Chan passou de uma indie triste a uma cantora de fôlego, capaz de interpretar grandes clássicos. O disco fecha com duas brilhantes interpretações para músicas de Janis Joplin ("Woman left lonely") e Joni Mitchell ("Blue").

Clássicos reinventados
Menos ousada que Chan Marshall na escolha do repertório, mas não menos competente em suas interpretações, a eterna punk nova-iorquina Patti Smith fez um disco repleto de clássicos do período de ouro do rock ― os anos 60 e 70. Experiente em recriar músicas de outros artistas, Patti se apropria de canções com tal naturalidade, que é difícil não acreditar que a música que canta não foi feita sob medida para ela. Foi assim em seu disco de estréia, Horses (1975), quando gravou "Gloria", do irlandês Van Morrison, e praticamente tomou para si a música, sendo ainda hoje um de seus hits obrigatórios em shows. "Because the night", seu maior sucesso radiofônico, foi igualmente surrupiada de Bruce Springsteen, que talvez pela impecável interpretação de Patti, nunca chegou a gravá-la.

E em Twelve Patti Smith mostra a mesma competência de outrora ao transformar trabalhos alheios em músicas assustadoramente pessoais. É assim com "Gimme Shelter", a música que marcou um dos momentos mais difíceis da carreira dos Rolling Stones, quando em 1969 um jovem negro foi assassinado em um show da banda pelos Hell's Angels. A canção já fazia parte do repertorio da cantora há alguns anos ― Patti a tocou em sua passagem pelo Brasil, no Tim Festival ―, antes mesmo da gravação de Twelve. E é realmente impressionante ver como a canção parece ter sido feita para Patti, ainda que a versão original dos Stones seja também muito boa. Os versos "guerra, crianças, está a um tiro de distância/ está a um tiro de distância", além de serem bastante propícios para nossa época, são cantados com muita propriedade pela mesma pessoa que há 30 anos acreditava que "as pessoas têm poder" ("People have the power"). O mesmo acontece com a pop "Everybody wants to rule the world", do Tears for Fears, docemente interpretada por Patti, que coloca sua história de militância a serviço dos inocentes versos "agir só pensando em si próprio / virar as costas para a natureza / todos querem comandar o mundo". Patti Smith ainda dá novas interpretações a clássicos absolutos da psicodelia sessentista, como "Are you experienced", do primeiro disco de Jimi Hendrix, e a viajandona "White Rabbit", do grupo de Grace Slick, o Jefferson Airplane.

Optando por instrumentos acústicos e semi-acústicos na maior parte do disco, Patti acerta na mosca ao escolher "Helpless", do quarteto Crosby, Stills, Nash, and Young. Acostumada a gritar palavras de ordem, aqui Patti se rende à doçura pedida pela balada originalmente gravada em Dejà Vu (1970). A figura imponente de Patti joga a favor. Sua voz indefectível, sua história como combatente política e poetisa do rock dão credibilidade às suas incursões aos versos alheios. É como se tomasse para si a autoria das músicas que canta, fazendo-o com plena autoridade e convicção. É com muita coragem que ela arrisca transformar a pesada e furiosa "Smells like teen spirit", música-símbolo de uma geração, em uma canção sóbria, esteada por um inesperado bandolim, que facilmente poderia estar em um dos bons álbuns do The Pogues. O álbum como um todo, com suas 12 canções, é prova de como Patti Smith continua sabendo criar um som verdadeiramente único, exatamente como há três décadas, quando combinou de forma edificante a gênese da poesia beat com o poderoso espírito punk.

Careqa espera por Tom Waits
Se interpretar canções alheias já é uma tarefa difícil e perigosa, a tradução de letras musicais é, com certeza, um trabalho ainda mais delicado. Há quem acredite que traduzir poesia é uma tarefa impossível, dada a dificuldade de se manter intactos o sentido e a forma dos versos originais. Em À espera de Tom, o cantor e compositor Carlos Careqa sai ileso da difícil tarefa de verter para o português os versos boêmios do cantor norte-americano Tom Waits, ainda que tenha arriscado modificar expressões e sentidos em algumas das letras do disco com o claro objetivo de aproximar o universo de Waits do público brasileiro.

Se Chan Marshall e Patti Smith tentaram transformar clássicos em música autoral, À espera de Tom tem claramente o objetivo de prestar tributo a Waits, sem tentar reinventar o som peculiar que garantiu ao norte-americano a aura cult que o acompanha desde os anos 70, seja na música, literatura ou cinema. E assim, mesmo com algumas alterações, como em "Jersy Girl", que virou "Garota de Guarulhos", e "Chocolate Jesus", alterada para "Guaraná Jesus" (uma homenagem ao refrigerante mais popular do Maranhão), Careqa acerta a mão ao não trair a atmosfera marginal das músicas de Waits, o que parece ser o mais importante aqui, muito mais do que seguir uma tradução literal dos versos do cantor. Ainda assim, em faixas como "Temptation" e "I don't wanna grow up" (uma das canções mais divertidas, e sérias, de Waits), Careqa prefere ser fiel à matriz. Mas é na manutenção da estética underground, que se baseia em histórias de vagabundos incorrigíveis, bêbados perturbados e marginais de coração dolorido, presente na música de Waits, que faz do disco de Careqa um interessante ponto de partida para quem não conhece Tom Waits a fundo, mas também para quem já é familiarizado com a peculiar sonoridade do norte-americano. Careqa foi fiel à orquestração habitual das músicas de Waits, com contrabaixo, piano, guitarra, acordeon e percussão pungente, o que deu ao álbum o clima de cabaré e clube noturno que povoa a discografia de Waits. A demência das letras, que abordam temas que vão da religião a dor de cotovelo, encontra eco na música que ora tende ao jazz, ora ao folk. Crédito para a banda, afinadíssima, que acompanha Careqa nesta empreitada. Em "Downtwon train" ("Num trem de metrô"), o solo de violão de aço de Mário Manga contrasta com o jeito canastrão, quase brega, que Careqa interpreta a letra sobre um loser que vaga pela noite. Já "Ruby's arms" ("Pro meu rubi"), gravada originalmente em Heartattack and Vine (1980), um dos mais potentes álbuns da primeira fase de Waits, é uma balada triste arrebatadora cantada com esmero por Careqa, que é acompanhado pelo piano de Gabriel Levy.

Ator, assim como o ídolo (Careqa atuou, entre outros, em Bicho de Sete Cabeças, de Lais Bodanzky), Carlos Careqa engrossa a voz, empunha o megafone e representa de forma convincente o papel de Waits durante as 14 canções do disco. Se traduzir é trair, como o próprio Careqa afirma no encarte do CD, em À espera de Tom o cantor o faz com estilo e elegância, exatamente como o personagem que Waits construiu e representa há várias décadas.


Luiz Rebinski Junior
Curitiba, 14/5/2008

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Minha primeira vez - parte II de Rafael Rodrigues
02. Para a criançada de Clarissa Kuschnir


Mais Luiz Rebinski Junior
Mais Acessadas de Luiz Rebinski Junior em 2008
01. O jornalismo cultural no Brasil - 2/1/2008
02. Bukowski e as boas histórias - 15/10/2008
03. Despindo o Sargento Pimenta - 16/7/2008
04. O óbvio ululante da crônica esportiva - 27/8/2008
05. Dobradinha pernambucana - 23/1/2008


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




As Três Montanhas: Esoterismo Iniciático Gnóstico
Samael Aun Weor
Edisaw
(2009)



Construção da marca pessoal
Thais Alves
Totalidade
(2008)



A Partitura do Adeus
Pascal Mercier
Record
(2013)



Contos e Histórias de Proveito & Exemplo: texto integral conforme a edição de Lisboa de 1624
Gonçalo Fernandes Trancoso
Casa da Moeda
(1974)



Memória D África - a Temática Africana Sala de Aula
Carlos Serrano e Maurício Waldman
Cortez
(2007)



À Margem Esquerda
James Campbell
Record
(2000)



Livro Infantil Um é Pouco?
Carmen Lucia Campos
Panda Books
(2013)



Gestos Musicalizados
Renato Magalhães Pinto
Inédita



Commercial Paper Including Negotiable Instruments & Payments
Jack S. Ezon; Jeffrey S. Dweck
Lrp
(1996)



O Santo Perdido
Bree Despain
V&R
(2012)





busca | avançada
63685 visitas/dia
1,7 milhão/mês