Entrelinhas | Guga Schultze | Digestivo Cultural

busca | avançada
57469 visitas/dia
1,3 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Fé, Engenho e Arte | OS TRÊS FRANCISCOS - Museu de Arte Sacra de São Paulo
>>> 89% dos brasileiros concordam que a IA pode aumentar a criatividade
>>> Palestra gratuita orienta pais e estudantes sobre a escolha da carreira profissional
>>> Autoempoderamento: a chave para implementar mudanças
>>> Fabrício Carpinejar e Importadora Decanter unem vinho e poesia em collab para o Dia dos Namorados
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> Charges e bastidores do Roda Viva
>>> Diogo Salles no Roda Viva
>>> Pulp Fiction e seus traços em Cocaine Bear
>>> Rabhia: 1 romance policial moçambicano
>>> Nélio Silzantov e a pátria que (n)os pariu
>>> Palavras/Imagens: A Arte de Walter Sebastião
>>> Rita Lee Jones (1947-2023)
>>> Kafka: esse estranho
>>> Seis vezes Caetano Veloso, por Tom Cardoso
>>> O batom na cueca do Jair
Colunistas
Últimos Posts
>>> Uma história da DoubleClick (2014)
>>> Eduardo Andrade de Carvalho sobre MOS
>>> Interney sobre inteligência artificial (2023)
>>> Uma história do Yahoo! (2014)
>>> O Lado B da MTVê
>>> A história de Roberto Vinháes (2023)
>>> Something About You (Cary Brothers & Laura Jansen)
>>> Uma história do Airbnb (2023)
>>> Vias da dialética em Platão
>>> Uma aula sobre MercadoLivre (2023)
Últimos Posts
>>> Não esqueci de nada
>>> Júlia
>>> Belém, entre a cidade política, a loja e a calçada
>>> Minha Mãe
>>> Pelé, eterno e sublime
>>> Atire a poeira
>>> A Ti
>>> Nem o ontem, nem o amanhã, viva o hoje
>>> Igualdade
>>> A baleia, entre o fim e a redenção
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Uma fábula anticatólica
>>> Copacabana-Paulista-Largo das Forras
>>> As lições de Jack Bauer
>>> Tokyo String Quartet, na Sala São Paulo
>>> ¡Qué mala es la gente!
>>> 1992 e hoje
>>> Amantes, tranquila inconsciência
>>> Mens sana... um ano depois
>>> A Queda
>>> Lendo Dom Quixote
Mais Recentes
>>> tex nº 57 O Totem do Deserto de Sérgio Bonelli pela Globo
>>> No Mundo da Lua - Perguntas e Respostas sobre Transtorno do Déficit de Atenção com Hipertividade em Crianças, Adolescentes e Adultos de Paulo Mattos pela Lemos (2005)
>>> Psicopedagogia e Realidade Escolar o Problema Escolar e de Aprendizagem de Beatriz Scoz pela Vozes (2005)
>>> Tex nº 111 Vingança de Sérgio Bonelli pela Globo
>>> A Bola Falante de Thomas Brezina pela Melhoramentos (2005)
>>> Estilo de Aprendizagem e a Queixa Escolar - Entre o Saber e o Conhecer de Edith Regina Rubinstein pela Casa do Psicólogo (2003)
>>> Introdução À Psicologia Profunda para Educadores de Walter J. Schraml pela Epu (1976)
>>> A Grande Jogada de Celso Antunes pela Vozes (2002)
>>> Tex nº 112 Renegado de Tex nº 112 Renegado pela Globo
>>> Professores e Alunos Problema - um Círculo Vicioso de Maria Cristina Mantovanini pela Casa do Psicólogo (2001)
>>> Trabalhando Valores e Conteúdos no Ensino Médio de Celso Antunes pela Vozes (2015)
>>> Tex nº 205 Os Saqueadores da Serra de Sérgio Bonelli pela Mythos (2004)
>>> O Senhor dos Quebra-Nozes de Iain Lawrence pela Rocco (2003)
>>> Vygotsky - uma Perspectiva Histórico-cultural da Educação de Teresa Cristina Rego pela Vozes (2003)
>>> A estranha Rua 7 de Eduardo Zu.gaib pela Melhoramentos (2011)
>>> Os detetives do prédio azul - Primeiros passos de Flávia Lins e Silva pela Pequena Zahar (2013)
>>> O monstro da lagoa de Abaeté de Carlos Heitor Cony pela Galera Record (2009)
>>> Quem fez isso? de Carmen Lucia Campos pela Paulus (2011)
>>> Isolda e o mistério do baú de histórias de Andréa Avelar e Marco Antonio Godoy pela Suinara (2016)
>>> A ilha do tesouro - Coleção reencontro infantil de Robert Louis Stenvenson pela Scipione (2020)
>>> Bibi compartilha suas coisas de Alejandro Rosas pela Scipione (2016)
>>> Viagens de Gulliver de Jonathan Swift pela Ática (2016)
>>> João e o pé de feijão de Reconto de Sâmia Rios pela Scipione (2015)
>>> Quebrando O Espelho de Costardi pela Martin Claret (1997)
>>> Almanaque Disney Nº 280 de Walt Disney pela Abril (1994)
COLUNAS

Quarta-feira, 29/10/2008
Entrelinhas
Guga Schultze
+ de 4200 Acessos
+ 3 Comentário(s)

A leitura, mais que a escrita, evolui com o tempo. Digo da leitura enquanto exercício individual, bem entendido. O leitor, o leitor assíduo, é um animal envolvido num processo evolutivo, um animal em mutação. É possível que, através dos anos, esse leitor sofra uma metamorfose no sentido inverso daquela proposta por Franz Kafka e, num belo dia, abandone sua condição de barata cega, de ovelha crédula, de vaca de olhos plácidos que contempla o vácuo e que rumina o capim incompreensivel dos textos. É possível, então, que esse leitor, depois de muitas e muitas leituras, acorde em sua cama transformado num espécime raro: um ser humano capaz de assimilar o que lê.

Já é um grande salto evolutivo. Fica menos pretensiosa a frase de Jorge Luis Borges, que dizia orgulhar-se mais dos livros que leu do que daqueles que escreveu. Borges, na verdade, estava se gabando de ser um bom leitor ― um pecado perfeitamente perdoável no velho bibliotecário cego, depois de décadas de leitura incessante ― e mesmo os leitores de Borges foram forçados a reconhecer que a frase, apesar da suposta pretensão, tem um significado que vai além disso. O fato é que Borges podia ler melhor do que a maioria dos escritores pode escrever, se essa comparação é possível.

Há poucos dias eu estava visitando um blog muito bom, cujo autor é igualmente muito bom no fraseado. Dedilha com muita propriedade o teclado e tal. No names, please. E resenhou um livro que, coincidentemente, eu já tinha lido. Isso é meio raro porque esses blogueiros mais jovens ― digamos assim, porque às vezes parecem jovens demais, num sentido não muito elogioso ― e que se interessam por literatura, lêem coisas das quais eu nunca ouvi falar. É uma quantidade enorme de livros de uma quantidade enorme de autores novos, geralmente um pouco mais velhos que os próprios blogueiros, e que estão, daquela forma intensa, juvenil e cheia de energia, redescobrindo a literatura. E, junto com ela, o óbvio literário, o déjà-vu, a já velhusca vanguarda, o realismo, o surrealismo (e, por que não, o sub-realismo), a bendita maldição de poetas gordinhos (tomaram danoninho demais na infância), o jornalismo gonzo, o jornalismo gozador ou simplesmente o jornalismo gozado.

Nem é esse o caso do supracitado blog mas, bem, ele resenhou o tal livro e eu, como os personagens de romances do séc. XIX, me quedei perplexo. Porque o texto é (continuando no séc. XIX) supimpa. Nada do que ele escreveu sobre o livro está fora de questão, a análise está linearmente correta, o texto é inteligente e tudo mais. Mas tudo está errado. De uma forma estranha porque sutil, está tudo errado.

A pergunta seguinte é dirigida a mim mesmo, claro: como é que você, seu sabichão de meia tigela, pretende saber se a leitura de alguém está errada ou não? A resposta é meio complicada mas, de novo, fica entre nós (eu e eu): não pretendo. O fato da resenha ser inteligente não é suficiente para mascarar que é uma visão óbvia. Como eu disse, é uma análise linear. E, por algum motivo (levaria páginas para desenvolver esse motivo), posso afirmar que o livro resenhado é bem mais volumoso do que, sei lá, suas duzentas e tantas páginas. E que a resenha não faz jus à calejada mão daquele escritor, quando este aborda um relacionamento entre membros de uma família e o faz de modo tão sutil.

Aqui se faz necessário o uso de uma palavra da qual eu não gosto nem um pouco: abordagem. A do escritor e a do leitor. No segundo caso, imagino piratas-leitores abordando um navio-livro, ou coisa parecida. O propósito é descobrir o ouro escondido, sem o qual a abordagem não vale a pena. Não é uma postura de todo má, diga-se de passagem. O leitor-pirata examina o navio de cabo a rabo, do tombadilho ao porão e chega a assustar os personagens que estão lá, "cadê o ouro, meu?".

Já fui um leitor-pirata, mas desisti da abordagem agressiva e hoje sou mais um leitor tipo passageiro-clandestino. Não levo armas, só um caderninho de anotações ― claro, é tudo metafórico. Quando embarco num livro novo o caderninho está no bolso e me dou conta de que ele já está cheio de anotações de outras viagens. Ler, afinal, vai se tornando uma espécie de exercício de literatura comparada. A gente vai percebendo aos poucos que a literatura, ou pelo menos uma parte considerável dela, se desloca lentamente para a dimensão que está entre as linhas do texto. Mais precisamente, a literatura está nas entrelinhas.

Por exemplo, entre duas linhas escritas de Paulo Coelho a gente pode ler algumas palavras: dâââ... oops!... argh!... núúúú!... afff!... , e ele vendeu cerca de cem milhões de livros pelo mundo. PC tem vendido perto de cem milhões de livros por aí. Cem milhões de livros, aproximadamente, foram vendidos por Paulo Coelho. Pelo mundo afora. A repetição é uma espécie de exorcismo; não tenho palavras melhores para expressar o inexpressável. Quando Kafka escreveu sua fábula bizarra, estaria ele se referindo a algum tipo de leitor?

Mas, voltando ao assunto das entrelinhas, estas carregam o peso, o lastro literário de uma obra, em termos gerais. E os gêneros literários variam na distribuição desse mesmo lastro. A poesia poderia ser definida como a verbalização explícita das entrelinhas. Poesia em si, acredito, é pura mensagem subliminar. Daí que eu não goste de poesia "cerebral" ou "construída com rigor". Rigor formal em poesia? Pra quê? A não ser que seja para criptografar uma idéia, mas poesia não é feita de idéias e a "mensagem" (sic) poética não é algo criptografável. A poesia concreta, por falar nisso, vive exclusivamente da leitura das entrelinhas. Um poeta concreto coloca, digamos, um punhado de palavras em círculo, em escadinhas ou dispersas pela folha. Palavras aparentemente coesas (por ressônancia fonética, por exemplo) e um outro crítico-poeta escreve um tratado de dez páginas e cinquenta mil toques datilográficos para explicar exatamente o sentido daquela coesão. A poesia concreta não sobreviveria sem um tratado desses.

Escrever bem é mesmo uma arte, mas é bom não confundir essa arte com o que está escrito. O que está escrito, em termos absolutamente literários, não tem importância nenhuma. O leitor-alma-de-jornalista acha que tem. Procura o que o autor está dizendo, quase que exclusivamente. Por isso existem as divisões genéricas dos textos, ditadas pelo senso comum: os ensaios, as teses, as cartas, os contos, as fábulas etc. Só para orientar o leitor. O leitor-jornalista adora informações, a coisa factual, e vai procurá-las até em textos de Clarice Lispector. O leitor-poesia (acho que é a minha categoria) não poderia se interessar menos pela obra de Nietzsche. Mais ou menos assim. Mas os autores e, entre eles, mesmo os que são artistas, não dizem nada de mais, no geral. Vinte livros verdadeiramente originais talvez possam ser achados, se muito, numa vida inteira de leituras.

Opiniões, opiniões, opiniões. As minhas são lançadas contra paredões mudos e voltam sempre num eco indefinível.


Guga Schultze
Belo Horizonte, 29/10/2008

Mais Guga Schultze
Mais Acessadas de Guga Schultze em 2008
01. Sobre o som e a fúria - 26/3/2008
02. Dançando com Shiva - 5/3/2008
03. Don Corleone e as mulheres - 24/9/2008
04. Algumas notas dissonantes - 16/1/2008
05. Contra reforma ortográfica - 10/9/2008


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
29/10/2008
11h25min
Aí vem você para atormentar as mentes medíocres e jogar idéias que nos fazem desviar o olhar. Acho que estilo é isso. O desvio do óbvio. Seu texto mexe e remexe com as nossas convicções e nos traz uma certa inquietação, um certo mal-estar e nos deixa mais atentos, talvez, na próxima leitura. Acabei de ler um livro: "Animais em Extinção", de Marcelo Mirisola, e posso dizer que me surpreendeu. Não sei o que isso tem a ver com o seu texto, mas acho que gostaria de sua opinião, leitor passageiro - nem tanto clandestino. Guga seu texto é de se guardar para se consultar sempre que nos sentirmos atraídos por essa ou aquela resenha. Beijo.
[Leia outros Comentários de Adriana Godoy]
30/10/2008
12h26min
Olá! Acabei de chegar e dei de cara com um ótimo texto. Adorei a história do leitor passageiro. Já deixei de ser um leitor pirata também. Que delícia descobrir os tesouros soltos no navio e não esperar por um bem escondido. Seu texto é gostoso de se ler e seu estilo leve cativa. Sua última frase foi ótima. Opiniões. Não existem verdades absolutas nelas.
[Leia outros Comentários de Aline Qualtieri]
3/12/2008
17h07min
Estava procurando um texto que valia a pena dar uma paradinha e apreciar o que estava escrito. Escolhi o seu. Que maravilha. Está tudo lá. Tudo que eu estava procurando. Quando vi sua classificação me vi como leitor-poesia. Mas posso ter sido leitor-alma-de-jornalista. Já li muito e falta mais um tanto para ler. Aprender não tem fim...
[Leia outros Comentários de Anny]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Quarto Mágico - Coleção Barra-manteiga
Marta Melo
Atica
(1995)



Alter ego 3 methode de français com cd
Catherine dollez*sylvie pons
Hachette
(2015)



Claude Levi-strauss - o Guardião das Cinzas
David Pace
Bertrand
(1992)



Tesouros de Minas
José Israel Abrantes
Grupo Autêntica
(2014)



Recado de Primavera
Ruben Braga
Record
(1984)



Linguística. Poética. Cinema.
Roman Jakobson
Perspectiva
(1970)



Livro - Coleção Enfoques Filosofia: O Indivíduo - Reflexão Acerca da Filosofia do Sujeito
Alain Renaut
Difel
(1995)



Luz Ponto de Mutação da Física
Isaac Simão
Kisa
(2006)



Arte para Compreender o Mundo
Véronique Antoine-andersen
Sm
(2007)



Livro - Moby Dick ou a Baleia Os Imortais da Literatura Universal 43
Herman Melville
Abril Cultural
(1972)





busca | avançada
57469 visitas/dia
1,3 milhão/mês