O conto como labirinto em Milton Hatoum | Marcelo Spalding | Digestivo Cultural

busca | avançada
60419 visitas/dia
2,5 milhões/mês
Mais Recentes
>>> Bailarinos de Brasília apresentam espetáculo gratuito em Planaltina e Sobradinho
>>> Evento: escritora paulistana Daniela Bonafé lança “Rosas de Chumbo” na 7ª FLIMA
>>> Evento: poeta mineira Thaís Campolina lança “estado febril” na Ria Livraria, dia 23/5
>>> Livro de André Moravec traz uma nova proposta para entender o átomo
>>> Lecadô vai celebrar o Dia Nacional da Coxinha com campanha solidária dia 18 de maio
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> A eutanásia do sentido, a poesia de Ronald Polito
>>> Folia de Reis
>>> Mario Vargas Llosa (1936-2025)
>>> A vida, a morte e a burocracia
>>> O nome da Roza
>>> Dinamite Pura, vinil de Bernardo Pellegrini
>>> Do lumpemproletariado ao jet set almofadinha...
>>> A Espada da Justiça, de Kleiton Ferreira
>>> Left Lovers, de Pedro Castilho: poesia-melancolia
>>> Por que não perguntei antes ao CatPt?
Colunistas
Últimos Posts
>>> Drauzio em busca do tempo perdido
>>> David Soria Parra, co-criador do MCP
>>> Pondé mostra sua biblioteca
>>> Daniel Ades sobre o fim de uma era (2025)
>>> Vargas Llosa mostra sua biblioteca
>>> El País homenageia Vargas Llosa
>>> William Waack sobre Vargas Llosa
>>> O Agent Development Kit (ADK) do Google
>>> 'Não poderia ser mais estúpido' (Galloway, Scott)
>>> Scott Galloway sobre as tarifas (2025)
Últimos Posts
>>> O Drama
>>> Encontro em Ipanema (e outras histórias)
>>> Jurado número 2, quando a incerteza é a lei
>>> Nosferatu, a sombra que não esconde mais
>>> Teatro: Jacó Timbau no Redemunho da Terra
>>> Teatro: O Pequeno Senhor do Tempo, em Campinas
>>> PoloAC lança campanha da Visibilidade Trans
>>> O Poeta do Cordel: comédia chega a Campinas
>>> Estágios da Solidão estreia em Campinas
>>> Transforme histórias em experiências lucrativas
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Seis anos em seis meses
>>> A síndrome da rejeição via internet
>>> O problema da Lei Rouanet
>>> Um Furto
>>> O blogueiro: esse desconhecido
>>> O Conselheiro também come (e bebe)
>>> Os Jornais Acabam? IV
>>> A Trilogia de Máximo Górki
>>> E os blogs viraram mainstream...
>>> O caso Luis Suárez
Mais Recentes
>>> Pesquisa Na Escola de Marcos Bagno pela Loyola (2002)
>>> Minha Vida De Menina de Helena Morley pela Companhia De Bolso (2016)
>>> A Última Música de Nicholas Spaks pela Novo Conceito (2012)
>>> Kingdom Man: Every Man's Destiny, Every Woman's Dream de Tony Evans pela Focus On The Family (2012)
>>> Poesias de José Paulo Paes e Outros pela Ática (2012)
>>> Como Se Ensina A Ser Menina de Montserrat Moreno pela Moderna (1999)
>>> O Crime Do Padre Amaro de Eça De Queiros pela Atica (2000)
>>> 22 Ingleses Modernos - Uma Antologia Poetica de Jorge Wanderley pela Civilização Brasileira (1993)
>>> Serviço Social E Ética: Convite A Uma Nova Praxis de Dilséa Adeodata Bonetti pela Cortez (2012)
>>> Crônica Brasileira Contemporânea de Manuel Da Costa Pinto e Outros pela Salamandra (2005)
>>> Ana Terra de Erico Verissimo pela Companhia Das Letras (2005)
>>> Novas Aventuras De Pedro Malasartes de Hermani Donato pela Melhoramentos (2012)
>>> Acaso e Repetição em Psicanálise de Luiz Alfredo Garcia-Roza pela Jorge Zahar (1986)
>>> Rules de Cynthia Lord pela Scholastic Paperbacks (2008)
>>> Igitur ou A Loucura de Elbehnon de Mallarmé pela Nova Fronteira (1985)
>>> Poemas - Mallarme de Mallarmé pela Nova Fronteira (1990)
>>> La Gloire Des Athées : 100 Textes Rationalistes Et Antireligieux, De L'antiquité À Nos Jours de Vários´Anthologie pela Les Nuits rouges (2006)
>>> Maneco Caneco Chapéu de Funil de Luís Camargo pela Ática (1996)
>>> Peixe Fredi - O Príncipe dos Mares de Luiza Moraes pela Mar de Idéias (2008)
>>> Os Pichadores de Carlos Edgard Herrero pela Quinteto (2002)
>>> Oli E Sua Turma Em Tão Perto, Tão Longe de Jessica Liaw pela Vida Nova (2011)
>>> João e Maria de Mary Aparecida Marques pela Maxi (2006)
>>> Quem Comeu O Meu Hamburguer? de Subir Chowdhury pela Record (2002)
>>> Tom Sawyer & Huckleberry Finn de Mark Twain pela Wordsworth Classics (1992)
>>> Finis Mundi de Laura Gallego García pela Barco a Vapor (2004)
COLUNAS

Quinta-feira, 14/5/2009
O conto como labirinto em Milton Hatoum
Marcelo Spalding
+ de 11400 Acessos
+ 1 Comentário(s)

Edgar Allan Poe, o grande nome do conto, para muitos o inventor do conto moderno, dizia que o conto deve ser desvendado tal qual um labirinto, do centro para a saída, do fim para o começo. Ou seja, não basta a primeira leitura, mais preocupada com o enredo, é preciso uma segunda leitura para que se perceba as sutilezas, as entrelinhas, as pistas que o bom contista foi deixando ao longo do texto para culminar naquele desfecho necessário e suficiente. Poe dizia muito mais; por exemplo, que o conto não deveria se preocupar em narrar uma sequência de episódios impressionantes ou sugerir uma tese, e sim em causar um efeito. E que sua leitura não poderia ser interrompida, o que exigia extensão reduzida: "se alguma obra literária é longa demais para ser lida de uma assentada, devemos resignar-nos a dispensar o efeito imensamente importante que se deriva da unidade de impressão, pois, se se requerem duas assentadas, os negócios do mundo interferem e tudo o que se pareça com totalidade é imediatamente destruído".

Tais considerações sobre o conto se tornaram ponto de partida para diversos contistas fazerem ficção e teoria, do compatriota Ernest Hemingway ao argentino Julio Cortázar, este o que talvez melhor tenha seguido os passos do mestre (sem esquecer Borges, que tornou a metáfora do labirinto marca de sua contística). E assim o autor de "O gato preto" e "O barril de amontillado" tornou-se um divisor de águas na história do conto, que agora pedia uma estética própria e um leitor aguçado.

Os contos de Milton Hatoum em A cidade ilhada (Companhia das Letras, 2009, 128 págs.), primeiro livro de histórias curtas do premiado romancista amazonense, são dessa linhagem. Trabalhando com temas aparentemente comuns e tendo como cenário sua velha Manaus de rios e turistas estrangeiros, Hatoum constrói contos repletos de silêncios e sutilezas, exigindo um leitor atento e participativo e retribuindo com conflitos profundos e universais. "Varandas da Eva", o primeiro conto do volume, já é um bom exemplo. A história narra a lembrança de um episódio ocorrido na infância do narrador: quando visitou, pela primeira vez, o bordel Varandas da Eva, e lá passou uma noite, sua primeira, com uma bela e enigmática mulher. Voltou ao local no dia seguinte, e em outros, e outros, e nunca mais encontrou-a, até que muito tempo depois encontraria um grande amigo seu, também dos tempos de meninice, e descobre que aquela mulher era sua mãe.

Uma leitura apressada terminaria aí, e temos uma história interessante mas um tanto prosaica: para penetrar na genialidade de um Hatoum é preciso ir além, mergulhar no rio de silêncios, ler de novo e perceber o amigo do narrador como o menino pobre que ganhou as roupas para visitar o bordel e se emocionou ao experimentá-las, para chacota dos demais; a hesitação do menino no dia da tão esperada visita, e seu posterior sumiço; o carinho e o mistério da mulher para com o narrador. Só na segunda leitura percebemos que cada frase, cada cena, cada comentário tem uma função no texto e ajuda a construir aquele desfecho, e é nessa leitura que entenderemos ser esta não a história de um menino em busca da primeira mulher, mas de um menino tornando-se homem e perdendo, com isso, muito da antiga ingenuidade, muito da ilusão.

"Anos depois, num fim de tarde, eu acabara de sair de uma vara cível, e passava pela avenida Sete de Setembro. Divagava. E já não era jovem. A gente sente isso quando as complicações se somam, as respostas se esquivam das perguntas. Coisas ruins insinuavam-se, escondidas atrás da porta. As gandaias, os gozos de não ter fim, aquele arrojo dissipador, tudo vai se esvaindo. E a aspereza de cada ato da vida surge como um cacto, ou planta sem perfume. Alguém que olha para trás e toma um susto: a juventude passou."

Esta característica do "conto moderno", à Poe, de contar uma história enquanto esconde a outra, mais profunda e realmente importante, pois é a capaz de causar efeito no leitor, foi bem sintetizada por Ricardo Piglia em "Teses sobre o conto". "O conto clássico", define Piglia, "narra em primeiro plano a história 1 (história aparente) e constrói em segundo plano a história 2 (história oculta)".

Voltando ao livro de Hatoum, as memórias de menino são recorrentes, e outro texto fantástico protagonizado por um menino, provavelmente o mesmo de "Varandas da Eva", embora isso não fique claro e nem seja necessário, é "Uma estrangeira da nossa rua". Aqui a história aparente conta o amor platônico de um menino por uma vizinha ruiva, filha de estrangeiros que jamais deixavam a casa, embora fossem afáveis com todos na rua. A história oculta, porém, revela mais, revela o fosso social que se cria entre comunidades muito próximas, revela a dificuldade de relacionamento entre culturas diferentes, revela o medo e até a soberba daqueles que julgavam trazer o progresso. O conto, aliás, lembra muito um conto de Cortazar, "Final do jogo", em que também uma narradora menina conta a história de um amor impossível, que surge pela juventude e ingenuidade dos amantes e não se concretiza pelas complicadas e definitivas regras sociais.

Há nessa cidade ilhada, ainda, espaço para crimes ("A casa ilhada"), fascínios ("Um oriental na vastidão"), sonhos ("Dançarinos na última noite") e até espaço para outras cidades, como "Bárbara no Inverno", que conta a história de um casal de exilados políticos em Paris, ou "Encontros na península", interessantíssimo conto-ensaio que dialoga com a obra de Machado de Assis.

Vale um trecho de "Encontros na península", em que um jovem brasileiro morando em Barcelona é procurado por uma mulher para aprender português do Brasil com o intuito de ler Machado de Assis e refutar a afirmação de seu amante português de que ele fora infinitamente inferior a Eça de Queirós.

"Não, mas é louco por Eça de Queirós. Ele disse que Machado foi pérfido ao criticar cruelmente dois romances do escritor português. Não sei se isso é verdade; sei que Soares não se conforma com essas críticas, e até ficou exaltado quando perguntou: por que a dor física e a miséria são menos aflitivas que a dor moral? Ele não se cansa de afirmar que Eça é muito superior a Machado, que é o maior escritor brasileiro. Por isso eu quis ler no original o rival de Eça. Coisas de amantes."

Inevitável a comparação desta estreia de Hatoum no conto com os três romances premiados, especialmente os mais recentes Dois Irmãos e Cinzas do Norte. O próprio autor parece incentivar essa comparação ao voltar ao mesmo espaço e tempo de seus romances, e mesmo ao utilizar tipos sociais semelhantes, como o Tio Ran e esse narrador menino que tanto lembra Nael. Mas esse tipo de comparação, especialmente quando se acaba desvalorizando os contos para enaltecer os romances, lembra aqueles que comparam o Chico Buarque compositor com o romancista, ou o Machado poeta com o contista: agem como se possível fosse comparar um livro com um filme, ou um sapato com uma calça.

No conto, já diria Poe e bem sabe Hatoum, leitor experiente e professor atento, a narrativa é apenas um labirinto bem armado para prender o leitor no seu centro, acreditando em sua capacidade de reencontrar a saída.

Nota do Editor
Leia também Entrevista com Milton Hatoum.

Para ir além






Marcelo Spalding
Porto Alegre, 14/5/2009

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Onde os 'barbeiros' passeiam de Carla Ceres
02. O Gabinete do Dr. Caligari de Gian Danton
03. Digite seu nome no Google de Ana Elisa Ribeiro
04. The Search, John Battelle e a história do Google de Julio Daio Borges
05. Porque crescer não é fácil de Guilherme Conte


Mais Marcelo Spalding
Mais Acessadas de Marcelo Spalding em 2009
01. Quanto custa rechear seu Currículo Lattes - 5/3/2009
02. O melhor da década na literatura brasileira: prosa - 31/12/2009
03. Literatura para quê? - 17/12/2009
04. Literatura e interatividade: os ciberpoemas - 10/9/2009
05. Era uma vez o conto de fadas - 2/4/2009


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site

ENVIAR POR E-MAIL
E-mail:
Observações:
COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
14/5/2009
21h41min
Há uma geografia do conto em que a narrativa e a poesia cruzam-se, amam-se, entregam-se, têm relações incestuosas e de muita coragem. Sempre que o conto aborda uma cidade, fora do eixo comum dos conhecimentos, é dificil estabelecer o contexto da crítica. Parodiando Ana Cristina Cesar, "é dificil ancorar um navio no espaço".
[Leia outros Comentários de Manoel Messias Perei]
COMENTE ESTE TEXTO
Nome:
E-mail:
Blog/Twitter:
* o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar Comentários que se utilizem de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

** mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas por e-mails inválidos serão igualmente descartadas;

*** tampouco serão admitidos os 10 tipos de Comentador de Forum.




Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Genética Molecular Humana
Jack Pasternak
Manole
(2002)



Leonardo da Vinci
Kenneth Clark
Ediouro
(2003)



Moça Com Chapéu de Palha
Menalton Braff
Língua Geral
(2009)



A Banda na Garagem
Moacyr Scliar
Edelbra
(2015)



Os maias - edição do professor
Alberto Beutenmuller
Saraiva
(2006)



Dinâmicas Para Encontros De Grupo
Volney J. Berkenbrock
Vozes
(2003)



Geografia do Brasil Grande Região Sul Volume IV Tomo I
Delnida Martinez Cataldo
Ibge
(1963)



Criminalidade Organizada
Angiolo Pellegrini e Paulo José da Costa Jr
Jurídico Brasileiro
(1999)



Grana, Grana, Grana
Ed Mcbain
Record
(2003)



Seiichi Furuya, Memoires 1995
Seiichi Furuya
Distributed Art Pub Inc
(1995)





busca | avançada
60419 visitas/dia
2,5 milhões/mês