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Sexta-feira, 11/12/2009
Lambidinha
Ana Elisa Ribeiro
+ de 5100 Acessos
+ 1 Comentário(s)

A curiosidade é o motor da ciência, das crianças e é, também, a responsável pela morte do gato. Assim mesmo, resolvi procurar o ano do nascimento da palavra "lamber", que me soa alguma coisa bem velha. Eu ficava imaginando que algo tão instintivo (primitivo mesmo) devesse ter sido batizado lá pelos idos do Cenozoico. Quando é que o homem surgiu na Terra? Sei lá, mas deve ter surgido lambendo. O Houaiss é que me tirou parte da dúvida: a palavra vem do latim do século XIV, o que não significa que as pessoas não lambessem antes. Provavelmente usavam a língua para diversas coisas, inclusive para engolir sapos.

O que é a língua? Diz o Aurélio que é um "órgão muscular alongado, móvel, situado na cavidade bucal, a cuja parede inferior está preso pela base, e que serve para a degustação e para a deglutição, e desempenha papel importante na articulação de sons". Na minha coleção de ideias a língua é um músculo que serve para lamber sorvete e chupar bala. Não vou me alongar na lista de ações que o órgão pode executar. Cada um tem o que merece. De outro lado, língua é também o nome que se dá ao idioma de um povo. Língua oficial, língua pátria, língua materna, língua nacional, língua de sinais. A gente fala uma língua e pronto, lambendo o céu da boca, dando uns estalinhos, tocando as pontas dos dentes, encolhendo e alongando o músculo móvel. No caso da língua de sinais, o órgão tem mais descanso, cedendo espaço para a atuação das mãos.

Lamber é "passar a língua sobre algo, sobre alguém ou sobre si próprio", diz o dicionário do Antônio. Em sentido figurado, pode ser roçar, polir, destruir, comer, regalar-se, desgastar, adular ou pegar fogo. Fico pensando nos contextos (situações de linguagem mesmo) em que a palavra tem cada um desses sentidos. "De lamber os beiços", "Vai lamber sabão", "O fogo lambeu a casa", "Lambi os lábios dele", "A roda do meu carro lambeu o meio-fio" e, finalmente, chego a "Lamber a cria". Ora, pois, neste exato momento o leitor entende a que veio este texto que, desta feita, trata do criador e da criatura.

Fiquei pensando na situação em que se lambe a cria. Gatos e cachorros fazem isso literalmente, dizem que para dar banho nos filhotes. Pais humanos corujas lambem suas crias em sentido figurado, mas bem que uma lambidinha de verdade no filho querido, até certa idade, não faz mal nenhum e não dá nojo, pelo menos enquanto ele não tem muito pelo. Mais uma vez, no sentido figurado, fiquei pensando nas crias que resultam de trabalho intelectual. Uma redação de colégio que seja pode ser lambida pelo autor, caso ele invista algo de si nela e o resultado seja bacana. Lembro bem de lamber crias no ensino fundamental. A professora nem sempre compartilhava comigo da lambidinha, mas o que importa? Melhor não compartilhar a baba com ninguém (línguas são molhadas). Naquela época, uns pontinhos a menos, mas o que isso determinou na minha vida? Pouca coisa. Não saí do rumo por conta das cuspidinhas dela.

Lembro bem do primeiro poema que saiu no jornal. Era o resultado de um concurso do Estado de Minas. Lambi demais aquelas páginas por dias e dias. Não mostrei para muita gente porque isso é tremendamente arriscado nos inícios de "carreira". Eu tinha 19 anos e essa história de ser poeta poderia pegar mal numa família de engenheiros.

O primeiro livro foi lambido avidamente. Lembro do cheiro que o papel deixava no ar depois que abri o pacotão da gráfica. Aquele aroma de brochura e grampo ficaria no meu quarto por muito tempo, enquanto não conseguisse distribuir os livrinhos para a família e os amigos. Hoje não o tenho mais e tiro onda de autora esgotada.

O segundo livro foi mais intenso ainda. A gráfica enviou os pacotes por entrega expressa, São Paulo-Belo Horizonte. Chegaram os códices costurados e colados que já paravam em pé na estante. Paquerei a capa e lambi a cria durante uns dias, até chegar o lançamento oficial.

O terceiro livro já passou bem menos aperto comigo. Lambi pouco essa cria independente, embora ela merecesse lambidinhas ferozes na capa preta e amarela. Já não era como lamber crias jovens. Era alguma coisa mais responsável, casamento desgastado.

Às vezes um poema apenas, solo, dá um desejo enorme de umas lambidas. Vê-lo estampado em algum lugar também é a experiência máxima da bolinação autoral. Conheço quem seja incestuoso muito mais do que eu, que mal toco as pontinhas dos dedos dos meus filhotes.

E onde ficam meus livros? Na estante fechada. Na aberta, eles podem tomar sol, vento, ar seco, chuva, pegar gripe ou amarelar. Ficam escondidinhos do mundo, ao menos aqueles exemplares de teste que me restaram. Os demais sabe lá Deus por onde andam. Tomara que lambendo as crias dos outros em estantes alheias, expostos à luz de bibliotecas de alguéns ou prensados entre os filhotes independentes de outros criadores.

Não deve ser difícil encontrar testemunhos de pais que lambem suas crias. Não estou falando de pedófilos repulsivos, mas de criadores esmerados que gostam de curtir suas obras, mesmo que elas nem sejam lá tão legais assim. É uma curtição gostosa observar a criatura prontinha (ou quase), posta no mundo. Lambidinha honesta e justificada. Saliva e carinho fazem bem, mesmo em criaturas de papel e tinta. Nas de carne e ossos, também.


Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 11/12/2009

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COMENTÁRIO(S) DOS LEITORES
20/12/2009
09h47min
Ana, tuas reflexões sobre lambidinhas provam a delíca que é provar algo que nos cativa: filhos, textos, livros, discos, enfim, tudo que nos pertence. Esse sentimento de posse, no entanto, é interessante, porque nos garante a primazia da lambida. Mas, durante a leitura de teu texto, ocorreu-me a lembrança de uma lambidinha que talvez nos escape, quando encontramos uma coisa que desejamos - mesmo sem saber que vamos encontrar. Isso me ocorre sempre quando encontro, por exemplo, um livro de Dinah Silveira de Queiroz. Já tive essa experiência/sensação por três vezes, depois que conheci a autora de "Margarida La Rocque": quando me deparei com "Floradas na Serra", "Verão dos Infiéis" e agora com esse "As Noites do Morro do Encanto", que estou acabando ler. São histórias bem interessantes, esses encontros, que pretendo contar, brevemente. Teu "Lambidinha", Ana, é humano, porque escrito com a alma. Parabéns e muito obrigado.
[Leia outros Comentários de Américo Leal Viana]
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