Crônica do Judiciário: O Processo do Sapo | Ricardo de Mattos | Digestivo Cultural

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Segunda-feira, 25/1/2010
Crônica do Judiciário: O Processo do Sapo
Ricardo de Mattos
+ de 8000 Acessos

"O bom do Juízo Final é que será sem advogados." (Sofocleto)

"Todo filósofo que se desgarrasse da gíria da escola era criminado de ateísmo pelos fanáticos e espertalhões. E condenado pelos cretinos." (Voltaire)

Nem ao Supremo Tribunal Federal, nem ao Superior Tribunal de Justiça: a decisão judicial mais palpitante de 2010 caberá ao juiz de uma das comarcas do Vale do Paraíba.

Uma senhora dedica-se nas horas vagas a ler e pesquisar sobre assuntos esotéricos. Passou vários anos de sua vida colecionando anões, bruxas, fadas, mandalas, cristais, sinos, gatos japoneses que acenam etc. Pessoas amigas sabem de seu gosto e presenteiam-na com mais objetos do mesmo estilo. Ela é jornalista. Já atuou na capital do Estado, em alguns veículos que tiveram renome no passado. Mudou-se para a cidade atual a fim de acompanhar os últimos dias de sua mãe. Progrediu no meio jornalístico, onde granjeou respeito e experiência. Seu nome não é fácil de lembrar, mas seu curriculum mostra intensa atividade. Fato é que exerceu a atividade em grande parte como freelancer, decorrendo daí que sua vida financeira não evoluiu a par de sua vida profissional. A impressão contrária, inclusive, acabou por prejudicar-lhe conforme relataremos adiante. Apesar disso, atua em atividades voluntárias de proteção à criança, ao idoso, aos doente de câncer e aos animais. Nas horas vagas, distrai-se com seus gnomos.

Certo dia, ela encontra um artigo falando que atrairia prosperidade colocar em lugar aberto papeletes com palavras de otimismo escritas. O papel precisa ser posto em lugar alto, para que o vento passe e leve as palavras e assim ativem-se sabe-se lá quais forças. Como ela já sabia que o sapo simboliza a riqueza em algumas culturas, colocou o papel na boca de um sapinho de gesso, talvez querendo potencializar seu apelo. O local escolhido foi o vão da chaminé de sua churrasqueira. Como havia o risco do vento levar não as palavras, mas o próprio sapo, escorou-o com uma folha da planta conhecida como espada-de-santa-bárbara. Ficou "bonito", mas vivendo sozinha e não extrapolando os limites de sua residência, julgou-se na liberdade de agir conforme entendesse.

Em novembro último, seu vizinho ajuizou face a ela uma Ação de Obrigação de Fazer, exigindo o pagamento de indenização por danos morais no valor equivalente a vinte salários mínimos ― R$ 9.300,00. Este senhor afirmou que o sapo com o papelete, na verdade, seria um despacho de macumba contra ele e sua família, algo que o vem deixando transtornado. Além do pedido indenizatório, requereu uma decisão judicial liminar mandando retirar o sapo da chaminé, "impondo multa diária ou outras medidas que se façam necessárias em caso de descumprimento". Ao correr do texto, nomearemos este senhor como autor ou requerente, conforme a terminologia em voga. À senhora esotérica, chamaremos requerida ou ré.

Fomos o décimo advogado procurado pela requerida e o único que aceitou a causa. É constrangedor ter em mãos um pedido de dez páginas com todo um ramerrão acerca de supostos prejuízos morais, explicando quais artigos legais são aplicáveis e fornecendo toda a fundamentação doutrinária e jurisprudencial. Jamais daríamos ao caso atenção maior que a de uma consulta. O advogado do requerente formou-se um ou dois anos depois de nós e trabalha bastante na área criminal, de forma que não é a inocência uma virtude que o caracterize. Conforme o ajuste predominante entre cliente e procurador ― o que nos atrapalha por não o seguir ― é provavel que este só receba honorários si a causa for julgada procedente, e a ré tiver capital com o qual pagar. É a chamada lide temerária. As condenações nunca ultrapassam 10% do valor cobrado, o que nos permite prever sua remuneração em torno de R$ 930,00. Segundo a terminologia, "honorário" seria um tributo devido à honra, mas escapa-nos a honorabilidade do litígio. Por que ele aceitou envolver-se nisso, ninguém que conversamos consegue atinar.

A animosidade pode ser explicada pela constante recusa da requerida e de seus pais em vender ao requerente a casa de sua propriedade. Várias ofertas ele fez, obtendo outras tantas negativas. Uma sentença condenatória reduziria a ré à inadimplência, de forma que ela precisaria desfazer-se do imóvel para arcar com a condenação. Bastaria ao vizinho encontrar uma pessoa que aceitasse a interposição, o que não seria difícil, e assim por outro caminho chegaria ao mesmo ponto. Desenvolvendo raciocínios cínicos assim é que se tentar entender como um engenheiro diplomado tem coragem de apresentar, intermediado por seu advogado, afirmações como estas, citadas literalmente e sem intervenção na forma como foram escritas:

"E agora, tal relação tornou-se insuportável, tendo em vista a provocação/humilhação/desrespeito que a Requerida impingiu ao Requerente e seus familiares colocando UM ENORME SAPO DE CERÂMICA COM BILHETES DENTRO DA SUA BOCA, ENVOLTO EM ESPADAS DE SÃO JORGE E ESPELHOS na direção da casa do mesmo (fotos em anexo).

(...)

O Requerente começa a acreditar que tal atitude afrontosa lhe causará mal, pois, tudo o que acontece de errado no seu dia é culpa da insana provocação, além das piadas que frequentemente vem recebendo por parte dos que avistam esta cena bizarra, como anteriormente aludido".

Ou é cinismo, ou é amor não correspondido. A requerida foi tão "provocante", que recebeu a citação e retirou o sapo de onde havia alojado. Não esperou decisão judicial nem imposição de multa diária. Também não se trata de um "enorme sapo de cerâmica", mas um de gesso, com pouco mais de dez centímetros de altura e um pé quebrado. Além disso, a fotografia juntada pelo autor mostra uma folha de espada-de-santa-bárbara, e não a de são-jorge. Ele não sabe distinguir uma planta da outra, mas inferiu tratar-se de trabalho maligno. Em suma, si o pedido fosse realmente embasado em crenças, não seria na crença real da senhora esotérica, mas no que seu vizinho pensa que ela acredita. Apresentada a demanda ao juiz, ele não poderia simplesmente extinguir o processo por mais insano que seja o requerimento. Certamente seria alegado em apelação que ele "negou o acesso do autor à Justiça".

Agora vejamos. O Judiciário não prima pela rapidez dos trâmites processuais. Trazemos a notícia de um processo, mas ignoramos quantos semelhantes possam ser encontrados no Estado e no país. Os serventuários gastarão tempo e energia que poderiam ser empregados em casos mais importantes. O magistrado precisará reunir argumentos e deter-se na redação da sentença, sem esquecer dos vários despachos ― judiciais, estes ― que proferirá. O locador que deseja retomar seu imóvel e o empresário à beira da falência deverão aguardar que ele decida a respeito do sapo. Nossa contestação objetivou escancarar a insensatez da demanda. A legislação processual permite que o réu responda contra-atacando com a chamada "reconvenção", recurso que julgamos útil empregar pelos fundamentos percebidos. Reservamo-nos o direito à ironia, alegando que se fosse possível atentar contra a vida de alguém com um sapo, seria necessário um sapo verdadeiro e vivo, não um de gesso.

Em dezembro, a última providência relacionou-se ao indeferimento, pelo juiz substituto, da justiça gratuita à requerida. Segundo afirmamos, sua vida financeira não progrediu paralelamente à vida profissional. "Sua Excelência" foi metódico: "Aqui, anoto, a parte interessada se identifica como 'jornalista'". Supõe-se que sua ampla vivência extra-forense autorize-o pensar que todo jornalista, tão somente por ser jornalista, é profissional de economia pessoal necessariamente estável e confortável. Tudo bem o autor ingressar em juízo dizendo-se ofendido por um sapo de gesso. O problema maior surge quando a ré pretendeu defender-se sem os gastos identificados genericamente como "custas processuais", que no presente caso totalizam R$ 310,00. Para um servidor público com proventos situados na casa da dezena de milhar, fácil a iniciativa de negar algo cuja impugnação caberia, a princípio, à outra parte.

A Duquesa de Devonshire e os Terreiros de Umbanda
Assistimos no filme A Duquesa, lançado no ano passado, a cena do banquete, durante o qual o ministro Fox encerrava um discurso. Lady Georgiana Spencer, já duquesa de Devonshire, questiona-o sobre liberdade política, perguntando-lhe si o direito ao voto seria extensível a todos os homens. Fox assegura-lhe que não a todos, mas a poucos, numa liberdade moderada. Retruca-lhe a anfitriã que, caso tivesse direito ao voto, não se apoiaria numa ideia tão vaga, por acreditar ser a liberdade um conceito absoluto.

Esta moderação maliciosa que submete direitos a interesses foi rediviva no Brasil, quando a ministra Dilma Roussef adiou o anúncio do Plano Nacional de Proteção à Liberdade Religiosa, conforme noticiado pelo jornal O Estado de São Paulo de 21 de janeiro deste ano, página A4. Segundo este governo que elegeram e insistirão em eleger, há uma ordem de proteção. Primeiro resguarda-se o resultado eleitoral. Depois protegem-se questões "secundárias", como liberdade de consciência e de culto.

A ministra teria determinado o adiamento almejando não desagradar católicos e evangélicos com a legalização e tombamento de terreiros de Umbanda e de Candomblé. Obtido o resultado eleitoral pretendido, então sim, pode-se dar continuidade ao projeto e contrariar a denominação religiosa que for. Crença e manifestação de crença são direitos naturais que o Estado mais ajudará quanto menos intervir. Agindo como agiu este pífio Executivo, que já não educa o cidadão, acaba por instruí-lo na malícia.


Ricardo de Mattos
Taubaté, 25/1/2010

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