A decadência do herói | André Graciotti | Digestivo Cultural

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Terça-feira, 25/1/2011
A decadência do herói
André Graciotti
+ de 4700 Acessos

Ao rever recentemente o primeiro Rambo ― Programado para matar (First Blood, de 1982), supreendi-me não apenas por constatar que é um ótimo filme, que nada tem a ver com a imagem que as continuações geraram (e que corromperam o imaginário infantil de quem era criança na época), mas principalmente por ver em Rambo o mesmo heroísmo decadente que tanto fascina as plateias do cinema americano contemporâneo.

Rambo é um ex-militar das Forças Especiais americanas que lutou na Guerra do Vietnã, incapaz de achar seu lugar no mundo pós-guerra. A derrota do Vietnã não foi apenas para a nação americana, mas também para o indivíduo militar que voltou para seu país com o estigma de fracassado: não consegue arranjar emprego e, sem família e sem amigos, só lhe resta vagar solitário pela cidade em busca de um objetivo. Tal postura incomoda as autoridades, que o veem como um andarilho vagabundo (um "drifter", como o policial o chama no começo do filme). O desdém das autoridades desperta dores reprimidas e o trauma da guerra. John Rambo volta a se tornar uma figura selvagem, com instintos de guerra intactos e se vê numa guerra particular enquanto é caçado pela polícia, mesmo que tudo se origine claramente de um mal-entendido devido à incompetência das autoridades e ele seja, para todos os efeitos, inocente. Tanto que, no final, há seu patético choro implorando por uma redenção impossível.

Nesse aspecto, First Blood se assemelha a filmes do final dos anos 70 que exploravam uma América traumatizada pela guerra, com indivíduos deslocados de seu habitat natural e incapazes de se adequar às mudanças de sua nação, como Taxi Driver (1976) e Apocalypse Now (1979). Nesse primeiro Rambo, não há os caricatos inimigos estrangeiros, o machismo, o "heroísmo burro", o culto à masculinização da figura heróica e o regresso ao Vietnã como "acerto de contas ideológico" das produções seguintes. O Vietnã aqui é apenas uma cicatriz da qual o personagem jamais poderá se livrar. Curiosamente, ao contrário da imagem que as três sequências propagaram na cultura, Rambo não mata ninguém no primeiro filme (o final original ― disponível no YouTube ― era fiel ao livro, e ele cometia suicídio diante do coronel Trautman).

A temática do herói desterritorializado e angustiado por estar à margem de uma sociedade da qual ele não mais faz parte remete a dois filmes recentes: Batman ― O cavaleiro das trevas (The Dark Knight, 2008) e O Lutador (The Wrestler, 2008). O primeiro traz o conhecido super-herói descaracterizado de sua postura intimidadora, heróica e inabalável. Batman aqui é colocado ao posto de coadjuvante, sem casa, sem terra, sem apegos emotivos (seu único interesse amoroso morre), de moral duvidosa e aliado a corruptos da polícia. Sua dependência da tecnologia, da fortuna e do sistema o levam à vulnerabilidade e ao próprio questionamento de sua condição de "salvador" a partir do momento em que a corrupção e valores vis já estão inerentes em todas os sistemas e camadas do tecido social. Por isso, o Coringa é o grande protagonista, não só pela boa construção do personagem, mas porque ele é o único que age por princípios próprios ― que, por si só, já o tornam admirável, sejam eles reprováveis ou não ―, livre das amarras sociais e governamentais. Em sua postura assumidamente niilista, ausente de sentido e razão, Coringa é o verdadeiro super-homem de Nietzsche. Ele é aquele que tudo pode, por seguir unicamente seus próprios ideais, tomado pela ilimitada vontade de poder. Batman é jogado para segundo plano, sempre submisso à ordem e à burocracia do controle social e dos códigos morais. Não por acaso, ele nunca está no controle da situação por muito tempo. Mesmo após a derrota dos "vilões", só lhe resta a fuga para o lugar nenhum.

Em O Lutador a crise de identidade é ainda maior. O personagem de Randy "The Ram" (alcunha típica de super-herói) é deslocado não apenas no espaço, mas também no tempo. Sua época passou, como tudo ao redor de sua vida. Ele vive no marasmo da rotina, quando o mundo parece ter se transformado num piscar de olhos. Sem um lar, sem o amor da filha (ou sequer de qualquer ser humano que lhe desperte algum afeto ― e por isso a dançarina stripper acaba cumprindo um papel essencial ― e visivelmente estragado fisicamente, o apego nostálgico a uma época que não mais existe é tudo o que lhe resta. Os clubes de luta livre (espetáculos ironicamente falsos) são o seu próprio túnel do tempo, onde ainda é querido por seus amigos e pelo público. A decadência física ou a própria morte é um preço que ele está disposto a pagar para manter vivo o seu personagem "The Ram".

The Dark Knight e O Lutador, em devidas proporções, são simbólicos se interpretarmos como representações das inseguranças do homem moderno diante das mudanças de um mundo que parece, cada vez mais, fugir de seu controle e entendimento. Com as rápidas transformações dos hábitos sociais, especialmente com a disseminação da tecnologia no cotidiano ― que, dentre seus efeitos, borram a noção temporal do sujeito ―, o lar (casa, família, vida social) do homem moderno se desconfigura como um lugar de conforto, controle e repouso, tornando-se também um lugar de insegurança e dúvidas existenciais. Não por acaso torna-se cada vez mais fascinante ver este aspecto ilustrado nos filmes, principalmente quando nas figuras dos super-heróis (a maioria, até então, não passava de representações políticas de ideais americanos).

A ideia de um herói sem lar e deslocado de um suposto habitat pode ser "novidade" em comparação com os filmes hollywoodianos das últimas décadas (as décadas de 1980 e 1990, principalmente, foram dominadas pelos heróis anabolizados que tinham habilidades especiais e sempre triunfavam no final), mas já vem de tempos. Todos os super-heróis que consigo lembrar têm alguma problemática com o lar ou com a família (Super-Homem vem de outro planeta e foi adotado; Batman mora numa caverna e perdeu os pais; Homem-Aranha tem apenas os tios como família e mora num flat de improviso e Wolverine sequer sabia de sua origem).

Uma explicação para essa característica pode vir de um outro filme: Rastros de Ódio (The Searchers, 1956), de John Ford. Aqui, John Wayne faz a típica figura de caubói que o eternizou, encarnando o herói que parte na jornada para resgatar a sobrinha raptada por índios. Mas a cena mais emblemática está na sua tomada final: quando todos voltam para casa, felizes e triunfantes, John Wayne se recusa a partilhar do mesmo conforto. A câmera se coloca no ambiente interior da casa ― escurecido pelo contra-luz do exterior ― capturando a entrada de todos de volta ao lar. Wayne mantém-se por alguns segundos parado na fachada da casa enquanto os observa, até dar meia volta e voltar para o amplo deserto sob o sol escaldante, para a terra selvagem, o "não-lugar" ao qual ele realmente pertence.

A recusa e o desapego pelo comodismo do lar é a essência do herói. Altruísmo é uma virtude da qual devemos estar aptos a abrir mão de tudo o que é "nosso". Se para o homem comum essa é uma escolha eventual, sempre passível de julgamento, para o herói essa deve ser uma característica intrínseca, o seu primeiro superpoder. O apego a coisas mundanas e sentimentais significam sua ruína, e Hollywood tem explorado isso muito bem como nos citados filmes recentes (e com o sucesso de The Dark Knight podemos esperar mais uma leva de filmes de super-heróis melancólicos, derrotados e de tom sombrio. O que é um bom sinal, já que exigirá mais criatividade e menos fórmulas prontas dos roteiristas).

O que faz com que o novo público dos cinemas blockbusters se identifique com os heróis decadentes será sempre uma questão complexa, discutível e que envolve outros aspectos sociais e talvez até antropológicos, mas o que importa nessa virada na representação dos heróis e nas mudanças de demanda do público no cinema de entretenimento continua sempre o mesmo: que traga sempre bons filmes.

Nota do Editor
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no blog outernative.


André Graciotti
São Paulo, 25/1/2011

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Pierre Lévy em São Paulo de Raphael Perret


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