O que em mim sente está lembrando | Ana Elisa Ribeiro | Digestivo Cultural

busca | avançada
85620 visitas/dia
2,0 milhão/mês
Mais Recentes
>>> Inscrições | 3ª edição do Festival Vórtice
>>> “Poetas Plurais”, que reúne autores de 5 estados brasileiros, será lançada no Instituto Caleidos
>>> Terminal Sapopemba é palco para o evento A Quebrada É Boa realizado pelo Monarckas
>>> Núcleo de Artes Cênicas (NAC) divulga temporada de estreia do espetáculo Ilhas Tropicais
>>> Sesc Belenzinho encerra a mostra Verso Livre com Bruna Lucchesi no show Berros e Poesia
* clique para encaminhar
Mais Recentes
>>> O Big Brother e a legião de Trumans
>>> Garganta profunda_Dusty Springfield
>>> Susan Sontag em carne e osso
>>> Todas as artes: Jardel Dias Cavalcanti
>>> Soco no saco
>>> Xingando semáforos inocentes
>>> Os autômatos de Agnaldo Pinho
>>> Esporte de risco
>>> Tito Leite atravessa o deserto com poesia
>>> Sim, Thomas Bernhard
Colunistas
Últimos Posts
>>> Glenn Greenwald sobre a censura no Brasil de hoje
>>> Fernando Schüler sobre o crime de opinião
>>> Folha:'Censura promovida por Moraes tem de acabar'
>>> Pondé sobre o crime de opinião no Brasil de hoje
>>> Uma nova forma de Macarthismo?
>>> Metallica homenageando Elton John
>>> Fernando Schüler sobre a liberdade de expressão
>>> Confissões de uma jovem leitora
>>> Ray Kurzweil sobre a singularidade (2024)
>>> O robô da Figure e da OpenAI
Últimos Posts
>>> AUSÊNCIA
>>> Mestres do ar, a esperança nos céus da II Guerra
>>> O Mal necessário
>>> Guerra. Estupidez e desvario.
>>> Calourada
>>> Apagão
>>> Napoleão, de Ridley de Scott: nem todo poder basta
>>> Sem noção
>>> Ícaro e Satã
>>> Ser ou parecer
Blogueiros
Mais Recentes
>>> Borges: uma vida, por Edwin Williamson
>>> Why are the movies so bad?
>>> Histórias de gatos
>>> Microsoft matando o livro
>>> A TV paga no Brasil
>>> O Presépio e o Artesanato Figureiro de Taubaté
>>> Change ― and Positioning
>>> Retrato de corpo inteiro de um tirano comum
>>> Arte e liberdade
>>> Literatura em 2000-2009
Mais Recentes
>>> Dignidade! de Mario Vargas Llosa e outros pela Leya (2012)
>>> A Noiva de Kebera - contos de Aldino Muianga pela Kapulana (2016)
>>> O Príncipe da Privataria - Coleção História Agora 9 de Palmério Dória pela Geração Editorial (2013)
>>> Jardim Do Diabo de Luis Fernando Verissimo pela Objetiva (2005)
>>> O Estrangulador de William Landay pela Madras (2012)
>>> Tirando Os Sapatos. de Nilton Bonder pela Rocco (2008)
>>> Contos da Ilha Grande de Renato Buys pela Eduerj (2010)
>>> Ponto de Impacto de Dan Brown pela Sextante (2010)
>>> O Desafio da Subversão de A. J. Paula Couto pela do Autor
>>> O Livro Das Religiões de varios Autores pela Globo (2016)
>>> Trabalho Domestico - Um Guia Pratico Para Empregadores E Empregados de Afonso Pacileo Neto pela Sensus (2013)
>>> Biblia Da Princesinha de Sheila Walsh pela Thomas Nelson (2012)
>>> A Virgem do Sol - os quatro cantos do mundo Tahuantinsuyo de Ana Cristina Vargas pela Boa Nova (2005)
>>> Morro Dos Ventos Uivantes - O Amor Nunca Morre! de Emily Bronte pela Lua De Papel (2009)
>>> Noz De Ouro de Catherine Cooper pela Bertrand Brasil (2012)
>>> Pearl Harbor de Randall Wallace pela Ediouro (2001)
>>> Curso de Preparação para Ministéios Leigos de Equipe diocesana de pastoral para os ministerios leigos pela Pau lus (2007)
>>> Historia Concisa Do Brasil de Boris Fausto pela Edusp (2016)
>>> Um grito na garganta de Mara Mangorra pela Fontenele (2018)
>>> O Presente de Spenser Johnson pela Record (2004)
>>> Aikido - a arte marcial do 3º milênio de Makoto Nishida pela On Line
>>> O Menino do Dedo Verde de Maurice Druon pela José Olympio (2006)
>>> A Marca de uma Lágrima de Pedro Bandeira pela Moderna (2012)
>>> A Vênus Platinada de Irving Shulman pela Eldorado (1965)
>>> Missão: Matar! de Robert L. Fish pela Record
COLUNAS

Sexta-feira, 16/12/2011
O que em mim sente está lembrando
Ana Elisa Ribeiro
+ de 4500 Acessos

Fernando Pessoa, aquele poeta português que era muitos, anda me soprando umas ideias. Não sei se o que em mim pensa agora está sentindo. Ou se o que em mim sente não consegue pensar. Ou se o que em mim lembra atravanca meu pensamento. Se minha correção é resultado de meus sentimentos ou de meus pensamentos. Se o que me parece lembrança é, na verdade, sonho. Se o que me parece memória é, de fato, invenção. Estou sem saber se posso pensar direito com estas lembranças.

Em um mês uma vida inteira se passou. Em cinco dias ou pouco mais o trecho inédito de uma história passou ininterrupto, mas aguardando a cena final. Ninguém sabia como ela seria, à maneira dos últimos capítulos de novela. Não havia um mistério a desvendar ou um assassino a revelar. A qualquer momento, qualquer um de nós dois poderia habitar o cadafalso. Uns dias, uns meses, uns anos. Impossível saber o calendário dessa história, assim como de qualquer outra. No entanto, esta parecia ainda mais provisória. Daí um conflito doloroso entre deixar-se levar (e viver, como ensinam alguns, ou curtir, como ensinam outros) e o cortar o mal pela raiz (como alegam os mais prudentes e os medrosos).

Acertando contas com o passado, uma experiência dessas bem inteiras, que vêm com respiração própria e trilha sonora envolvente, aconteceu nos espaços que eu habito. De repente, todos os cantos da casa, do terreiro e da minha vida foram tomados por uma presença comedida. Não era um assalto, desses que provocam sustos. Era um alagamento. O espaço era tomado por algo líquido, que se apropriava de cada fresta, canto, aresta e se impregnava no ar. E música complica tudo.

Qual experiência com música pode ser facilmente apagada? Daqui a cinquenta anos, quando eu ouvir isto ou aquilo, seja lá em que dispostivo for, testarei de novo aqueles dias de vida e de respiração compartilhada. Dezenas de anos à frente e estas memórias ainda estarão vivas. Memória vive de diversos acionamentos. A música é, certamente, um deles.

Em alguns dias, começo, meio e fim. Não nesta ordem e nem com esta simpatia. Tudo o mais parava lá fora. Dentro do carro só havia duas pessoas no mundo. E que me perdoem as demais pessoas importantes deste planeta breve em que eu circulo.

E era no abraço ou no beijo que eu mais experimentava a sensação de desapego que existe. Ou a sensação de arrebatamento. E não era um vento forte que soprava minha saia. Não era um ataque com torque. Era uma sensação flutuante. Um voo de planador. Sem motor, sem explosão, sem tranco. Era no abraço ou no beijo que as coisas se entorpeciam todas. O som da cidade e mesmo a música iam sumindo, sumindo, se apagando até sobrar só coração e respiração. Não sei de quem. Dentro da boca só há troca.

Em cinco ou seis dias todo o repertório standard do jazz voltou à minha sala. Todas as vontades de ser o que eu não fui vieram dançar para mim. Todos os projetos de futuro se alinharam à minha frente. Todos os sonhos se misturaram com as horas acordada. Todas as promessas pareciam confiáveis. Todos os cheiros tinham a mesma fonte. Todos os arrependimentos fizeram fila. Não havia cobertas e nem janelas fechadas porque nós produzíamos nosso calor.

Disposta a aceitar, a confiar e a mover mundos & fundos, descobri, fartamente, que eu ainda podia sentir coisas que eu pensava mortas. E talvez tenha sido essa descoberta o elemento disparador do final da história. Agora que você já sabe, podemos voltar à programação normal. Com um problema: a música.

A música me fará lembrar, sempre, mas não fará reviver. Experimentar para não conseguir mais a mesma sensação de toque. Tortura? O que é isto de ter a imagem e não ter a sensação? Memória rebelde. Não quero lembrar, mas não adianta. Memória cínica. Memória sádica. Não há como trancá-la. E ela me desafia. Veja só como está arranhado este CD. Por que certas imagens se repetem tanto? E por que não certos episódios? Só replay? É o que eu sei, mas não o que eu posso.

E de repente o despertador toca. Na forma de uma carta, um chat, um telefonema ou um pombo-correio. Do jeito que for. Alguém resolve ser realista. Vamos lá? Isto não pode dar certo. Vamos então assistir ao filme do Woody Allen. Quem sabe ele nos inspira? Mas não. Melhor transformar isto num episódio feliz. Como você classifica? Maravilhoso. Tem, mas acabou. Vamos nos colocar no álbum de retratos. Vamos narrar isto como um intervalo lindo entre um romance e outro. Vamos. Seu surf, sua guitarra, seu cabelo, sua idade, seu jeito de se mexer, seu cheiro, sua roupa, sua descrição de personagem de ficção. Ninguém vai acreditar que isto existiu. Talvez nem eu.

Mas os efeitos da sua passagem são notáveis. Na composição do meu prato ou no cabide vazio estão os rastros da sua presença. No CD que toca ainda no carro ou na toalha usada estão resquícios, resíduos, menos do que provas. E a música complica tudo. Elas são as mesmas. Eu é que não as posso ouvir mais sem experimentar um arrebatamento. Não aquele dos abraços ou dos beijos, mas aquele de quando a lembrança me atravessa, dos cabelos às unhas. É isto: quando a memória é o avesso do destino.


Ana Elisa Ribeiro
Belo Horizonte, 16/12/2011

Quem leu este, também leu esse(s):
01. Financiamento público para o Jornalismo? de Victor Barone


Mais Ana Elisa Ribeiro
Mais Acessadas de Ana Elisa Ribeiro em 2011
01. É possível conquistar alguém pela escrita? - 21/1/2011
02. Meus livros, meus tablets e eu - 15/4/2011
03. Você viveria sua vida de novo? - 18/2/2011
04. À primeira estrela que eu vejo - 7/10/2011
05. Bibliotecas públicas, escolares e particulares - 20/5/2011


* esta seção é livre, não refletindo necessariamente a opinião do site



Digestivo Cultural
Histórico
Quem faz

Conteúdo
Quer publicar no site?
Quer sugerir uma pauta?

Comercial
Quer anunciar no site?
Quer vender pelo site?

Newsletter | Disparo
* Twitter e Facebook
LIVROS




Livro Literatura Estrangeira Pança de Burro
Andrea Abreu
Companhia das Letras
(2022)



Êxodo
Will Adams
Record
(2014)



Por Que Não Eu?
Al Franken
Francis
(2004)



Ferramentas Da Qualidade No Gerenciamento De Proce
Maria Cristina Catarino Werkema
Ufmg
(1995)



Star Wars the Old Republic Fatal Aliance
Sean Williams
Del Rey
(2010)



Budapeste
Chico Buarque
Companhia das Letras
(2003)



As três irmãs
Anton Tchekhov
Nova Cultural
(2002)



The Historical Encyclopedia of World War II
Vários Autores
Mjf Books
(1977)



A Filha da Minha Mãe e Eu
Maria Fernanda Guerreiro
Novo Conceito
(2012)



Livro Religião Auto Estima Chave Para A Felicidade
Russell M. Abata
Verus
(2000)





busca | avançada
85620 visitas/dia
2,0 milhão/mês