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Terça-feira, 17/4/2012
Lições que aprendi com o Millôr
Diogo Salles
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"A morte mata. É sua função e ela a exerce. Ao contrário da vida. Não existe a expressão 'a vida vive'. A morte me apavora. Não só a morte final. Também, e sempre, a morte diária, o resgate, tento a tento, do tempo que me deram de vida. A hora que passa. O instante que flui. Ah, já falei tanto sobre isso. 'Morro mas morre o mundo comigo.' Que compensação!"
Millôr Fernandes (em 1958, prestes a completar 36 anos, idade que seus pais tinham quando morreram)

Por anos, me iludi com a imortalidade de Millôr Fernandes. Se é gênio, só pode ser imortal, pensei. A ilusão ruiu em fevereiro de 2011, quando o Guru do Méier sofreu um AVC isquêmico que o deixou inconsciente e internado por meses a fio. Desde então, fui me conformando com o fato de que seria só uma questão de tempo. Mas, se consegui evitar o choque ao receber a notícia de sua morte, não consegui evitar a tristeza. Até fiz minha homenagem na charge do dia, mas não consegui escrever na hora. Não saiu nada. Uma confusão de sentimentos me impediu. Se meu trabalho de estivador do traço fosse um edifício, é certo que esta pilha de livros da foto acima seria seu alicerce de sustentação. Estranho pensar que uma pessoa com quem jamais tive qualquer contato pessoal pudesse ter tamanho efeito sobre mim. Millôr era para mim o que Paulo Francis era para o Julio Daio Borges, editor deste site. Millôr era para mim o que George Orwell era para Christopher Hitchens. O que Muddy Waters era para Keith Richards. O que Ritchie Blackmore era para Yngwie Malmsteen. Enfim, sua simples presença ― ainda que precária e combalida ― era como um dique de contenção contra o oceano da imbecilidade. Agora o dique se rompeu e teremos de nos virar sem ele.

Naquele dia tão triste, a única coisa que me alegrou ― e me surpreendeu ― foi receber de amigos mensagens de "pêsames". Foi estranho, até. Parecia que eu era parente dele (até meus pais ligaram, para vocês terem uma ideia). Me senti como aqueles fanáticos fazendo vigília pelo Steve Jobs. Dias depois, já com a cabeça no lugar, finalizei e publiquei um material especial sobre o Millôr, que eu vinha trabalhando nos meses anteriores. A caricatura, uma alusão à Bíblia do caos, saiu no Caderno2 do Estadão e foi trabalhada minuciosamente com tinta acrílica. Já o texto saiu no blog e era mais factual, pois nele eu sustentava a minha tese: "Millôr é o cânone do humor". Fiquei muito feliz pelos elogios que recebi pelo trabalho. Todos parecem ter entendido o quanto ele foi importante para mim. Fiquei lisonjeado também com o elogio da Cora Rónai no Twitter: "Uma das melhores coisas, se não a melhor, que se escreveu sobre ele. Você foi dos poucos (pouquíssimos) a entender o Millôr."

Mas, afinal, por que esse fascínio, essa fixação pelo Millôr?, você pode perguntar. Para compreender melhor esse sentimento, voltemos ao ano de 2008. Depois de anos percorrendo toda a sua obra (exceto o teatro), tentei mensurar o quanto essas leituras me mudaram. Acalentei o sonho de ir ao Rio para conhecê-lo pessoalmente. Uma ingenuidade. Acreditei que meus amigos cariocas pudessem intermediar o encontro, mas a ideia não foi adiante. De qualquer maneira, senti a necessidade de escrever o que estava sentindo. E precisava homenageá-lo ainda em vida. Não queria pegar carona em homenagens póstumas, porque isso qualquer um faz. Aí, em 2009, surgiu o "Especial Gênio", aqui mesmo no Digestivo Cultural. Era a oportunidade perfeita. Foi quando publiquei este texto, apelidando-o de "Gênio do Caos". Não sabia se ele veria, não pensei nisso na hora. Dias depois, soube que o Julio encaminhou o link por e-mail ao próprio Millôr e ele respondeu. Tergiversando, claro.

Meses depois, quase caí pra trás quando vi meu texto reproduzido no "sáite" oficial do mestre. Para mim, foi a prova de que ele gostou. E isso bastou. Só em saber que, por um pequeno espaço de tempo, ele parou para ler algo que eu tinha escrito, já valeu mais do que tentar bater na porta dele. Melhor assim, né? Se meu único objetivo com o tal encontro era tietá-lo, seria constrangedor demais (para ele, obviamente).

Então, voltando à pergunta inicial, por que Millôr? Ora, se Millôr foi capaz de mudar a vida de tantos leitores, imaginem um leitor cartunista e escrevinhador. Ler sua obra completa foi um privilégio e me valeu muito mais do que todos aqueles anos de "estudo" que desperdicei entre o colegial e a faculdade. Millôr foi decisivo na minha formação, ampliou minha percepção sobre as coisas. Penso muito nele quando vou fazer uma charge ou escrever um texto. Às vezes, não consigo evitar a pergunta "o que o mestre diria sobre isso?" Muitas de suas frases ficaram grudadas na minha cabeça. "Viver é desenhar sem borracha", para começar. Uma frase que engloba tantos sentidos. Se pensarmos metaforicamente, a borracha pode ser qualquer coisa que tira a liberdade do artista. Pode ser um crítico, pode ser um editor, um leitor, a sociedade. Ou, num contexto político, um censor. E desenhar é a liberdade, um tema caro ao mestre. Ele mesmo dizia que nunca lhe poderiam dar liberdade, apenas tirá-la dele. "A liberdade é um cachorro vira-lata" ― aí está. A liberdade absoluta é também marginal, pois não pode ser comprometida com o establishment.

Na crítica política, Millôr dava uma aula. "Democracia é quando eu mando em você; ditadura é quando você manda em mim." Ou "Quem se curva aos opressores mostra a bunda aos oprimidos." É também libertador ler suas frases ironizando ideologias ("Cada ideologia tem a inquisição que merece."), idealismos ("Desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal.") e religião ("Deus foi muito bem sucedido no Brasil. Mas fracassou totalmente nos brasileiros.").

Sempre admirei o Millôr pela forma como ele fustigou o poder e enfrentou censuras. Juscelino, Jânio, Jango, os milicos, Collor, Itamar, FHC e Lula. Mas nenhum deles foi tão alvejado quanto José Sarney, "uma pessoa abúlica, um usurpador metafísico, sem nenhum sentido ético". Depois de assumir o poder "por elevação", Millôr sentenciou: "Sir Ney; nunca ninguém governou tão mal tão bem." Millôr atacava-o em todos os seus papéis: o presidente, o oligarca, o senador, o literato imortal. Neste último, duas frases resumem tudo: "Há várias décadas Sarney escreve todos os dias. Espantoso, ainda não conseguiu preencher o espaço entre ele e a literatura."

No noticiário que cobriu a morte do Millôr, descobri que, por trás do gênio-iconoclasta-cético, existia também um homem comum que cometeu seus erros de julgamento. Num dos melhores vídeos resgatados nestas homenagens post-mortem, a entrevista que ele concedeu ao programa Roda Viva em 1989 é reveladora. Entre outras coisas, ele fala de seu apoio a Leonel Brizola nas eleições para governador do Rio de Janeiro em 1982 (depois ele se tornaria um de seus críticos mais ferozes) e tece elogios a Waldir Pires, do PMDB. Foi curioso ver esse Millôr mais jovem, mais combativo, mais indignado ("o humor é fruto da indignação") e, principalmente, exposto a suas próprias falhas. E foi surpreendente ver que, sim, ele se incomodava com críticas ― algo que eu jamais poderia imaginar.

Mas nada disso significa que eu queira emular o Millôr. Ainda estou buscando o meu traço, mas já sei que é completamente diferente do dele. E meu jeito de escrever também. Minha inspiração no mestre é conceitual, na forma como ele encarou a arte, a política, a sociedade, a vida. A forma como ele viu o mundo mudou a minha forma de vê-lo. Não encontrei respostas para nada. Ele mesmo ensinou que, ao invés de responder perguntas, temos de perguntar respostas. Tento fazer isso diariamente, mas a meu modo, com charges no jornal e textos no blog.

Várias coisas que eu não compreendia, várias coisas que passei minha vida lutando contra, Millôr conseguia colocar tudo em perspectiva. Às vezes com uma crônica, às vezes com um desenho, às vezes até com uma frase. Não encontrei verdades absolutas, pois ― ele advertiu ― estas não existem. Seu poder de sintetizar a vida e, ao mesmo tempo, fazer uma forte crítica social já me serviam como um direcionamento e suscitavam todos os grandes questionamentos que qualquer pessoa sensata deve fazer. As ilusões, as abstrações, os falsos ideais, os modelos de "felicidade" e consumo que a sociedade impõe; sem falar dos títulos e honrarias que o homem dá a si mesmo para que a sociedade o tenha como alguém respeitável e bem sucedido... Todas essas coisas, tão almejadas pelo homem médio, adquirem uma desimportância brutal. Eis a lição quintessencial do mestre: a paz da descrença.

Millôr se foi, mas sua obra fica. E que sorte a nossa ele ter produzido tão intensamente durante seus 88 anos de vida. Por isso, à medida que a tristeza vai embora, fica um enorme sentimento de gratidão. E não são só artistas, jornalistas e humoristas que devem a ele. Todos aqueles que buscam independência, visão crítica e contestação lhes serão eternamente gratos. Obrigado, mestre. Obrigado por nos mostrar o caminho, por nos inspirar. Obrigado por combater com tanto vigor a burrice histórica que impera neste país. Obrigado por nos libertar dessa pasmaceira, dessa letargia mental em que vivemos. Seus livros são volumes que formam a enciclopédia do livre pensamento. Um horizonte de pesquisa e reflexão. Chegou a hora de reler tudo. E quem se recusa a pensar/viver por procuração, recomendo que faça o mesmo. Afinal, dizia o mestre, "livre pensar é só pensar".

Nota do Editor
Leia também "Millôr Fernandes, o gênio do caos".


Diogo Salles
São Paulo, 17/4/2012

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